sexta-feira, novembro 28, 2008

Palavra do dia: UBIQUIDADE

Hoje às 21h 30m:

Braga
Recital de Poesia "Setembro outra vez"

- Homenagem ao poeta José Manuel Mendes -

pelo Sindicato de Poesia (com a minha amiga Ana Arqueiro), no Museu Nogueira da Silva.

Matosinhos
Lançamento do mais recente

Os Três Desejos de Octávio C.

de Pedro Eiras, na Biblioteca Florbela Espanca.

Vou a Matosinhos. Tenho muito a mania. Tenho muito a mania que escrevo melhor depois do curso do Pedro. Tenho muito mania. Tenho muito a mania que devemos estar com as pessoas de que gostamos sempre, de maneira especial nos momentos importantes. Tenho muito a mania.
Queria dizer: Fico. Em Braga. Para o recital da Ana. Para sentir o doce embalo da voz dela e o brilhozinho de estrela que empresta a cada palavra. Queria muito. Precisava até. Neste fim de semana chuvoso e frio. Dentro.
Mas vou a Matosinhos, e vai chover torrencialmente, isto agora é só um chuveirinho, - chove sempre, torrencialmente, quando o Pedro apresenta qualquer coisa, coisas de um outro Pedro..., não? E estando em Matosinhos estarei em Braga também e com a Ana - foi graças ao curso do Pedro que as nossas coordenadas coincidiram e nos conhecemos e tudo e tudo, como ela sempre diz.

segunda-feira, novembro 24, 2008


Imagine-se uma mão. Não, duas. Duas mãos e uma toalha. Duas mãos que seguram uma toalha. Lavada. Acabada de passar a ferro. Toda lavanda.

Imagine-se duas mãos que seguram uma toalha com esmero: o cuidado do afecto e a ciência dos anos.

Imagine-se um alguidar. Cheio. De água quente. Um alguidar que fumega à direita de uma cadeira no centro de um quarto.

Imagine-se o quarto. Fumo, água evaporada e lavanda. E uma janela aberta. Fumo, água evaporada e lavanda, misturados em todo o espaço do quarto. E uma janela aberta. E uma luz que vai entrando com um frio, enquanto é dia.

Imagine-se a cadeira. Sem costas, nem apoios: um banco. No centro do quarto. Frente à janela.

Imagine-se então a pessoa sentada. Sem costas. Na penumbra: um vulto. Um contorno só. Dor. No centro do quarto. Frente à janela.

Voltemos às mãos. Duas mãos torcem a toalha quente. O cheirinho a lavanda suaviza o ar. Duas mãos passam-na no pescoço da pessoa sentada, devagar, na nuca da pessoa sentada, um calorzinho bom, nas costas da pessoa sentada, pressionando, nos braços da pessoa sentada, parando, no peito da pessoa sentada, com muito, muito, muito, cuidado, no ventre da pessoa sentada, pacientemente, nas pernas da pessoa sentada, nos pés da pessoa sentada, sempre. Sempre, até a pessoa sentada, a dor, adormecer, até o calor deixar o alguidar, até a luz deixar o quarto, até o frio obrigar a que se feche a janela. Duas mãos. Duas mãos para uma dor.

quarta-feira, novembro 19, 2008

De outonos e memórias


Santiago, 18 Nov. Pedro

Ontem estive com o Pedro em Santiago.

Santiago é, como a Bélgica, dos poucos lugares em que me sinto totalmente em casa, estando fora de casa. Podia viver em Santiago, ou na Bélgica, o resto da vida e, independentemente de tudo, seria feliz, tenho a certeza.

Estava chuva e frio – mais frio do que cá –; fomos almoçar ao chinês – bem pior que todos os chineses de cá –; perdi-nos umas quantas vezes – nada a que a minha des-orientação crónica não nos tenha habituado... já...

Fomos para a Biblioteca. Pelo caminho mais longo, mais cansativo e mais feio – não me lembrava do do costume. Mostrei-lhe os cantos à casa, ou à Faculdade, ou à Biblioteca – objectivo da viagem cumprido. Trabalhámos como doidos a tarde toda.

Regressámos. Pelo caminho mais curto, mais bonito, o meu, o do costume. Descemos a rua. Devagarinho. A ouvir a banda sonora do ‘Once’ e a tentar, o Pedro a tentar manter a nossa conversa. Então e Maugham, já leste, eu, de todos os escritores por que razão, eu a não querer, sim, O Fio da Navalha, The Moon and Six Pence, o Véu Pintado e... e A Servidão, eu a não querer mais, eu a não me esforçar por. O Pedro a não conseguir manter a nossa conversa, Joana, importas-te que paremos aqui um pouco, tenho de tirar uma fotografia a isto, não posso deixar de; eu a não me importar, eu já sabia que, naturalmente, tira as fotografias que quiseres, vou sentar-me para ali.

Longe. Bem no meio daquele fim de tarde todo Outono de folhas e sombras e recordações de tempos antigos. Eu e a música. Longe. Ali, no meio do parque. Longe. Um mundo não chega, um ano não chega, para apagar o Outono da memória. Ele dizia que os beijos dele eram melhores no Outono – viciavam – e que achava que os meus olhos lhe lembravam o Outono e não via tristeza nas folhas que voavam ao vento no Outono, nem no frio do Outono, nem nas tardes cinzentas de Outono passadas na companhia de uma certa rapariga de olhos castanhos, cor de Outono!... Depois ria-se e acrescentava que quando mudasse a estação, haveria de proclamar o mesmo. "Mas no fundo tenho razão." - concluía. "Razão? Acerca de quê?" "Acerca dos beijos!"

Imagino que, ontem à noite ao chegar a casa, o Pedro terá mostrado à Ana as fotografias daquele parque bonito, bem à saída da nossa Faculdade homóloga em Santiago. Imagino que lhe tenha falado da sua surpresa perante o meu desconforto em relação ao Maugham e das suas suspeitas de que as minhas lágrimas de ontem não teriam sido exactamente por causa da magia do “Falling slowly” e do “When your mind is made up”. Mas foram.



quarta-feira, novembro 12, 2008

“I can’t go home. Tessa was my home.”


T., eu, A., N.

Há dias em que me apetece fazer um intervalo para ir fumar; arranjar uma janela, uma varanda, uma janela que se abra para uma varanda, para fazer pequenos círculos de fumo e frio, isso. Há dias em que me apetece dizer palavrões; arranjar um sítio, sem gente, sem ecos, para os gritar à vontade. Há dias em que me apetece saltar para o céu do topo de um prédio de muitos andares; poder sentir minha, a liberdade desse voo maior.

Esses são os dias, os momentos de cada dia às vezes, em que quero ir para casa. Aquela casa mais dentro, que recrio nos espaços e nas pessoas que vou habitando, nos locais e nas pessoas por que vou passando; aquela casa que reconheço tantas vezes em lugares e pessoas tão diferentes; aquela casa que sinto no abraço, ou no sorriso, que sei só, só, para mim.



sexta-feira, novembro 07, 2008

A ousadia da esperança


Há três anos eu estava nos Estados Unidos e uma ou outra pessoa já me falava dele. Ele que tinha aparecido do nada um ano antes. Ele de quem se falava, mas pouco. Ou um bocadinho mais que pouco, mas nos meios errados. Diziam-me: nos meios errados. Falava-se mais da biografia dele que a Oprah lançou ao mundo americano, do que dele. Falava-se mais do Luther King e da escravatura e dos afro-americanos e dos emigrantes e... do que dele. Uma única pessoa, o Schmitty, falou-me assim pouco, um poucochinho, mais ou menos, dele: de como ele tinha muitas ideias mas, muita boa vontade mas, muita coragem mas, muito tudo mas. O Schmitty é um amigo nipo-alemão que dá à expressão saber enciclopédico o seu real significado. O Schmitty, há três anos, apostava na Hillary. Claro que a América mudou desde então, mudou a América, mudou o mundo, mudei eu, e aposto que até o Schmitty desde que foi para a Malásia fazer trabalho de campo...

Há uma coisa que se pega, se cola a nós, quando se vai para os EUA e se volta a casa. É uma espécie de americanite aguda que faz com que se compare coisas absolutamente incomparáveis como os serviços, a produtividade, as infraestruturas... de lá com o que quer que se passe e se faça (ou não) cá. Por exemplo agora, neste momento preciso em que estou na Biblioteca e olho para este dia outonal, lembro-me de que em dias assim numa outra Biblioteca, a da minha Universidade sulista, havia candy, vulgo snickers e mars, totally free a cada recanto, que o Outono dá sono e é triste e, tal como em bom Português: tristezas não pagam dívidas!

É, parece-me, o reverso do que acontece com quem fica, com quem nunca foi, e é anti-americano a cada tirada, ácida, a cada ironia, a cada opinião, a cada juízo de valor, a cada pré-conceito. E de pouco vale explicar-se que é bom viver num país que aposta em nós, num em que somos reconhecidos pelo mérito, o que fazemos antes do que temos, antes de quem conhecemos, antes de onde vimos, antes de quem somos.

Penso muitas vezes no american dream. O dream é american porque só o podia ser. E o dream deles não é o nosso sonho. Não. O nosso sonho é cinzento como este dia em Braga, e tem limites, os das nossas possibilidades, os das nossas circunstâncias e condições. Quando não tem limites, o nosso sonho não é sonho, é devaneio. ... O dream deles não, o dream deles é uma ideia a que a força que é determinação e persistência dá forma na prática. O dream deles é coragem, crença, a reunião, esforço, tudo bem alicerçado num fazer, o fazer sem medo, o ousar fazer. E essa foi a grande lição de um país que se pensava depauperado. De tudo.

Daqui a uns tempos devo regressar aos EUA. É sempre bom regressar aos lugares onde sabemos ser certa uma parte da nossa felicidade.