A Natalie, minha senhoria em Houston, disse-me uma vez: “Os filhos são como os pais, não os temos para sempre, por isso mais vale passarmos algum tempo, quality time, com eles, enquanto isso ainda é possível.”
A Natalie é da Bolívia, na realidade chama-se Natália, e dizia-me isso para justificar uma ausência de dez dias em que ia visitar a filha a NY. A Natalie é da Bolívia, mas apenas de nascimento, que aos dezoito veio para os EUA e aos vinte casou com um americano e aos vinte e três veio morar para o Texas onde teve a filha e nunca mais, desde então, regressou à Bolívia, nem quer, nem quer, mais de cinquenta anos volvidos. O nome diz tudo. Os nomes dizem sempre tudo.
E a Natalie também, entre uma aula de ioga e o lanche, banana e iogurte, que comia nas escadas antes da seguinte, a Natalie dizia-me, muitas vezes, muitas coisas.
A ideia do quality time with family and beloved ones é como a Natalie, muito americana; já o facto de os pais serem como os filhos na temporaridade em que estão connosco soa-me muito a América Latina no seu melhor: herdeira de Espanhas, de sextas depois do almoço, Portugais de almoços de Domingo em família e Itálias de padrinhos (e, bem lá atrás, do paterfamilias...)
Estou em casa. Estou na casa dos meus pais – assim é que é. (Com o tempo fui cultivando muitas casas e nenhuma é mais casa que outra, que eu sou eu, eu apenas, eu feliz, em todas.) A única diferença entre esta casa onde escrevo agora e todas as outras é o tempo. O tempo de casa.
Medem-se os anos, os meses, os dias, as horas, os minutos. Mas não é desse tempo-medida que falo. O tempo de casa, desta minha casa, é o tempo dentro do tempo que se mede em horas e dias. Aquele tempo mais dentro, aquele tempo que demora um beijo ou uma conversa ou um sorriso.
O tempo de Domingo, por exemplo. Domingo de manhã, bem cedo, às nove, vamos à missa. No fim, passamos pelo mercadinho da paróquia, depois, o meu pai lembra-nos do café, tem que se ir ao café, tem que se ler o jornal, (e... tem que ser no sítio do costume porque temos um sistema muito próprio de ler o jornal os três – na realidade, esquartejamo-lo: cada um lê primeiro a secção que lhe interessa, depois vamos rodando, mas no fim, manda o civismo, damos-lhe a ordem costumeira –) escusado será dizer que nisto se chega à uma da tarde. Às vezes, vamos buscar o almoço a outro sítio mais ou menos do costume, outras vezes faço-o eu, ou a minha mãe, ou o meu pai, conforme.
Também há o tempo dos fins de tarde. É o tempo que começa quando a minha mãe chega do trabalho, muda de roupa, põe um agasalho e diz-me que está na hora. As horas fazem o tempo. Está na hora daquele tempo só nosso para conversar. Do tempo em que a vida, nos seus nadas e nos seus tudos, nos entretém e aflige e diverte. As melhores tardes da minha vida são estas, em que a minha mãe deixa por instantes os seus lavores para me espreitar por cima dos óculos e começar a sua gargalhada típica ou dizer aquela palavrinha ou lançar aquele desafio. E depois cai a noite e vamos jantar e...
O tempo desta minha casa é o tempo dentro do tempo que se mede em horas e dias. Aquele tempo mais dentro, aquele tempo que demora um beijo ou uma conversa ou um sorriso.
Entre o tempo para trabalhar e o tempo para estar com os meus pais, o tempo em faço uma compota – é Outono – e o tempo em que saio com algum amigo – matar saudades é preciso – não há quase tempo para escrever. E quase não havendo tempo para escrever, não há novidades por cá, apesar de as haver sempre. Quase não havendo tempo ... voilá!
3 comentários:
que texto tão bonito. :)
beijinho*
Tens estado desaparecida.
este texto fez-me lembrar eu este ano, estou a semana toda fora de casa, mas eu ao contrario de ti, só me sinto em casa, em minha casa, talvez por ser filho unico e estar habituado a ser sempre unico para os meus pais e a ter muita atenção em casa.
Ah!!! Sobreviveu à viagem transatlântica!
Estava a ver se davas sinal de vida no blog :P
Como eu te percebo e invejo o mesito de quality time que estás a ter na nossa casinha... mas obrigada por me fazeres reviver as rotinas deliciosas que fazem os dias e fins de semana com os papás, e que, juntamente com eles, são curiosamente aquilo que mais deixa saudades.
Jinho
T
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