O sol no pino ainda, e eu quase completamente às escuras, eu a experimentar a cegueira, eu a divertir-me, a exercitar a memória das teclas, a confiança na habitualidade ágil dos dedos sobre elas, às cegas. Escrevo às cegas. A cortina que me separa da visão, certamente perturbadora, da janela, que me separa da visão, certamente encantadora, da rua, é branca. Mas de uma opacidade que me escurece o écran do computador.
Está sol. Mesmo cá dentro. Tudo fechado e está sol. E calor. Engano o calor com copos seguidos de limonada, e é esse meu engano, pequeno e ingénuo, credível o dia todo, que se faz ocaso acelerado agora pelo breu a crescer a crescer na tela. Penso que lá fora muitas e muitas pessoas enganam o calor à beira-mar. Está de praia.
Não sou muito de praia - a minha pele não gosta. Mas vou. Gosto do descanso de poder ler de barriga para baixo, pernas cruzadas em cima; gosto do descanso de não poder ler e adormecer, o sol desenhando todo um alfabeto na minha barriga; gosto do passeio de lés-a-lés, das conversas absolutamente desimportantes, e das outras, existenciais, que se têm sempre nessas horas; gosto da companhia, mesma quando a companhia é somente a da vida, gritada, dos outros; gosto dos gelados e das outras doçuras de validade duvidosa que se apregoam, gosto da areia nos sapatos e do cheiro a sal cabelo e na pele.
Não sei a quantos quilómetros equivalerão dois meses. Dois meses, mais ou menos, distam de mim a uma praia inteira de descanso. O mesmo, caculo, em litros de limonada. A distância é um lugar seco.