Se os astros fossem mais que as estrelas que vemos em noites claras de Agosto, se soubessem de nós todos os dias desde o momento em que entramos neste mundo até àquele em que o deixamos, a paciência seria a minha maior virtude. Diz que é preciso muito para espicaçar um Touro e mais ainda para o fazer revoltar-se.
Acabo de duvidar disso precisamente. Há mais paciência para além da taurina: à minha frente, um casal, cujo somatório das idades deve dar a minha exactamente, entra, senta-se, ele aponta-lhe as três situações em que o Benfica foi roubado ontem, porque não há maneira de isto aqui, vês o último defesa, foi roubado muito roubado, sabes?, ela abana a cabeça. Não consigo perceber se está zangada com alguma coisa ou apenas aborrecida – estes miúdos de agora são tão inexpressivos, cansados... – ele acaba de explicar a teoria da conspiração e, não me apercebi da transição, prossegue com a leitura do jornal desportivo, ela olha para mim, olha para a mesa, mexe na mala, mexe no telemóvel, olha novamente para mim, para a mesa, para o fundo da sala, para as outras mesas, do fundo até cá acima – não tuge, nem muge, e não fosse aquele olhar pequenino varrer o espaço onde nos encontramos tanta vez, ser-me-ia fácil, imediato, pensá-la etérea.
Trinta minutos depois finda a leitura do jornal. É a minha vez de olhar para a mesa deles, a minha paciência humilhada, os astros todos malditos, a minha curiosidade à espera que eles vão pedir. Não vão: o rapaz fecha o jornal, dobra o jornal, guarda o jornal, muda de sítio, senta-se do outro lado, senta-se com ela, dá-lhe um beijo, um abraço, e o dinheiro – ela vai pedir.
Quem pensa que nos EUA a questão racial ficou resolvida com o Nobel ao I have a dream do Martin Luther King, nunca esteve nos EUA. Quem diz que Auschwitz nunca existiu, nunca contou as cadeiras do bairro judeu em Cracóvia. Quem pensa que a emancipação da mulher coincidiu com direito ao voto, não é mulher.
Há uma paciência, uma resignação, um permanecer silencioso, uma abnegação, na mulher de agora que não é de sempre – foi de outrora e é de agora. Como se nos estivesse inscrita nos genes, adormecida mas à espera de entrar numa combinação específica – agora. A minha mãe contava-me há dias de como a assusta que à maior liberdade relacional de agora corresponda, paradoxalmente, uma entrega mais intensa, menos ligeira, de homens e mulheres. Nunca tinha pensado nisso. As mães têm sempre uma maneira profunda e simples de ver as coisas. A mim assustam-me mais os retrocessos civilizacionais e as tropelias da genética, coisas pesadas, mas abstractas, longe. Ainda assim, a mim, assusta-me quase tudo, estes dias. Paciência.
1 comentário:
dói no coração :(... paciência.*
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