Da relacao entre os nomes e as pessoas.
Gosto de nomes, pessoalmente, gosto mesmo muito de nomes. Tenho diversas teorias acerca deles: dos proprios - que estabelecem, regra geral, uma especie de solidariedade tacita entre homonimos; dos comuns - que nao tem, em rigor, sinonimos; dos abstractos - que pouco tem de nao-sensivel, dos concretos - que variam demasiado na concretude, enfim... Por acaso, ou talvez nao, porque trabalho com linguagem, passam-me milhares de nomes todos os dias pela retina - passam-me milhares de coisas pela cabeca tambem, por causa deles precisamente. Retenho alguns: primeiro, os que preciso de saber, depois os que me interessam pessoalmente, mas alem destes, nao sei se antes, se depois, tenho uma especial aptencia, termos todos porventura, para memorizar os que deixam uma marca profunda (ou seja: normalmente, os que nao devia saber e a quase ninguem interessam).
Porque a conferencia termina esta tarde, porque ja faz parte das convencoes instituidas, lei nestas coisas, ontem a noite decidimos ir explorar o centro da cidade - 'explorar' aqui significa jantar e ir a um pub depois - ate aqui nada de extraordinario, nao fossem os comentarios do costume, como e possivel que tu que es a mais nova, sejas precisamente aquela que doesn't drink, nor gets crazy or wild. Bem, as respostas surgiram naturais - depois de mais de um quarto de seculo a ouvir os mesmos comentarios, outra coisa nao seria de esperar.
O lider do grupo, lider apenas porque se tinha dado ao trabalho de na vespera explorar o centro da cidade em busca dos sitios mais interessantes, tipicos e divertidos, para nos levar, foi um polaco, dos seus cinquenta e muitos anos, cujo nome se presta a um diminutivo muito engracado em ingles (e obvio, muito especialmente para todos os nao-Polacos): Bogus.
Bem, o Bogus levou-nos entao ate um restaurante tipico, com uma decoracao interior muito galesa, bom ambiente, boa comida e bom servico. Ate ai tudo muito bem, conversamos, rimo-nos, fartamo-nos de rir - o Bogus e muito espalhafatoso, ou melhor, gosta de ver toda a gente a rir, o tempo plantou sorrisos e passou rapido. Ok, so we have to go, because the karaoke at this pub, you have to see it, it's unbelievable, they're really very good! Fomos para o tal pub que nao era pub nenhum, mas um bar gay que tenho a certeza que nem o Bogus, nem nenhum dos outros da mesma faixa etaria (e nacionalidade - porque tambem havia pessoas da nossa idade), nao faziam ideia do que se tratava. De qualquer dos modos, os outros nao queriam ficar ali, sentiam-se desconfortaveis, o Bogus nao percebia porque. Eu olhava para a alema e ria-me, ela olhava para mim e ria-se. (A Polonia deve ser um pais muito sao.) Entao, retiramo-nos mais ou menos estrategicamente e arrastamos connosco um Bogus super-ofendido. I don't understand. I really don't understand. O ressentimento parecia ser tal que rapidamente abandonamos a ideia de sermos nos - eu e a alema - a escolher o sitio, e deixamo-lo levar-nos para outro pub desde que longe dali. Dito e feito. La entramos no segundo pub da noite, um sitio em tudo normal, excepto na clientela - absolutamente inexistente a excepcao de uma pessoa com muito mau aspecto. Ele era so um, nos oito. E a noite os aspectos diluem-se de uma maneira... Toda a gente pediu, toda a gente pagou, entram outros dois clientes, (quase) toda a gente estava a beber quando um rufia qualquer comeca a provocar o barman. Entorna-lhe a bebida em cima, empurra-o, quase o esmurra, ninguem se apercebe, estao todos de costas para o balcao excepto eu, toda a gente continua a beber e conversar, e eu, naturalmente sem beber, a ver. O barman, novinho, parecidissimo ao Chaplin dos Keane, nao sabia como fazer, mas tentava nao perder o controlo, quer por o rufia na rua, quase consegue, gracas a imponencia de dois outros clientes. Alguem me pergunta alguma coisa, respondo, quando volto a observacao da cena, ja esta o incidente sanado, tendo o barman incrivelmente servido uma outra bebida ao rufia. Dai a nada, o dito provoca o outro - o cliente que salvou o sosia do vocalista dos K. por detras do balcao, o grande que quase o tinha posto na rua. O grande nao tinha a paciencia do barman. Insulto para ca, tentativa de pontape para la, o rufia cada vez mais proximo da nossa mesa, eu a ver tudo, eu a pensar tudo - a pensar especialmente nos segurancas que nao existem e na policia que ninguem chama, e toda a gente, animada, na conversa. Eu a querer ir-me embora, porque ja vi este filme - por isso e que sair a noite is not my cup of tea - toda a gente a achar que eu sou uma freak, que estas coisas acontecem, faz parte. Eu a explicar que as coisas podem descontrolar-se, que somos todos estrangeiros, que nao ha o minimo de seguranca, que a diversao ja era, meia duzia de olhares de incompreensao e estupefaccao, eu pensar na minha cama e no meu quarto.
Quando estavamos prontos a sair, chegaram os segurancas. Quase me senti embaracada por ter feito o alarido que fiz, mas acho que nao exagerei. Nao percebo porque levaram os britanicos, tao eficientes em quase tudo, meia hora para remover um elemento perturbador de um sitio publico. Se calhar e por ter sido professora e estar habituada a sanar esses incidentes na hora. Ou se calhar a culpa e do Bogus. Da escolha bogus do Bogus.*
* Bogus - contra-feito, nao-autentico, foleiro.