O filme do livro The Notebook começa assim: “I am nothing special; of this I’m sure. I am a common man with common thoughts, and I’ve led a common life. There are no monuments dedicated to me and my name will soon be forgotten…”
Não é nenhuma pérola da literatura universal, o Notebook, mas é um livro bonito: um livro de vida, vivida, verídica, não-ficcionada, de um casal americano comum que consegue manter, vida fora, um amor incomum, enfim, um livro que me encanta porque me fala de coisas que me dizem muito.
O meu pai declarou-se à minha mãe com um postal. Um postal de época. Banal. Pequeno. Pequenino demais para tudo o que estava dentro, lá dentro, escrito, sentido, eternizado. Descobri-o no fundo de uma gaveta, na flor da adolescência, quando tudo é sumamente importante e grandioso, total e absoluto. A minha mãe era especial. Aquele era o monumento dedicado à minha mãe. Erigido por Manuel de Nóbrega J. para Maria Teresa T. G., não para a Maria Teresa, não para a Teresa, a Teresinha, a Té, não: para Maria Teresa T. G., a única Maria Teresa T. G. (o J. veio depois). A minha mãe. Devo ter ficado a digeri-lo longamente, palavras nos olhos, postal na mão, porque era adolescente e obviamente nada via de monumental na minha mãe que me chamava há séculos, ao longe, tão longe, que só respondi, e atordoada, quando me surpreendeu a centímetros do meu nariz com uma chamada de atenção uns décibeis acima do normal, que as limpezas de verão não podiam parar e que era sempre a mesma coisa... Depois... depois, reconheceu o envelope, e, nunca mais me esqueço, foi com notório esforço que o sorriso da mãe se sobrepôs ao embaraço da mulher, que estas miúdas mexem e remexem tudo em vez de limpar e arrumar, vá, vá!
Os dias passaram, os anos, a adolescência e o desejo de um monumento assim, postal, canção, poema, também. Ou talvez não, mas ficou tão bem arrumado, dobradinho, numa gaveta qualquer do inconsciente, que, muito mais tarde, quando surgiu de facto, o monumento passou-me ao lado: Joanas há muitas, mas só uma sofre desta espécie de miopia emocional (me).
Por isso é que acho que não me vem à memória quando escrevo, um postal sequer, muito embora só escreva postais a quem gosto muito, muito, muito. Porque a um postal subjaz um rito: a escolha, a compra, a procura das palavras certas, o desfilar de memórias e projectos, a escrita, o beijo final com os olhos, o selar, o envio. Um postal nunca é só um postal. É uma dádiva de um bocadinho de nós, aquele mais especial, aquele que não vai mudar nunca, verba volant, scripta manent*, para alguém que estimamos. (Um psicanalista explicaria bem, estão a pensar, possivelmente, possivelmente.)
Guardo os postais que recebo numa caixa de fotografias. Só postais, nada de fotografias. Sei-lhes a ordem, as imagens, as mensagens, os remetentes... Não são todos monumentos, mas são invariavelmente especiais. O que está mais à mão, o do topo, por exemplo, mandou-mo a Susana, no verão de 2004, de Cuba, com algo como: “Jo, tinhas razão, era mesmo conjuntivite, não estou a aproveitar nada, que lua-de-mel, lua de remel-as! Heeeeeellllllllpppppp!!!!!” E deste lado de cá do mundo, numa ilha perdida no Atlântico, a Jo chorou de tanto rir. Coisas admiráveis acontecem quando se manda um bocadinho de nós, em palavras, dentro de um envelope.
E tudo isto a propósito destes dias de chuva e mimo, muito mimo, numa Lisboa que cada vez mais me cheira a casa, tanto, tanto que não há "obrigado" grande o bastante; tudo isto por causa do postal que vou pedir em troca de uma certa fotografia; tudo isto por causa das gargalhadas e das histórias e do trabalho e do descanso e deste pequeno monumento (imagem) que o meu défice de inteligência social me impediu de ver na hora e agradecer em conformidade. Estas minhas amigas... monumentos erguer-se-ão em honra... proximamente.
*Aforismo latino: "As palavras ditas voam, escritas permanecem."
8 comentários:
A nossa tristeza é inversamente proporcional à quantidade de palavras que nos escrevem!...
Começo a crescer e fico a pensar que a vida é difi´cil, acabou-se a vida que levava, mas sinto-m muito mlhr...
Imagina, recebi o meu 1º salário fixo da mnh vida, do meu trabalho até á altura em que eu o desejarei acabr, q por este caminho, é nnc...
Beijinho*
Vou guardar este link/postal!!!!!!
Quem te escreveu aquelas linhas linhas lá em cima, tem de melhorar a caligrafia, hihihihi
Agora deixaste-me sem palavras...
:))))))))))))))))))))))))))))))))
Guevara,
Crescer custa, mas vale a pena, como não há como evitarmos, mais vale tudo fazermos para ser bom. No fim, importará a maneira como vivemos esse crescimento, nomeadamente no agarrar de oportunidades, nas aprendizagens, nos contactos estabelecidos, nos laços que se criaram!
Daqui a 100 anos, menos até, nada de nós restará por aqui, o que é que nos impede de sermos felizes em cada segundo que passa (nós próprios, nada mais ;)
O que alguém que eu conheço e tu também, dava para ter um ordenado fixo! Aproveita-o bem, quer o estoures, quer o poupes (em ambas as opções só porque é o primeiro eheh!!!)
E... Pedro, é bom acompanhar o teu "crescimento". :)
Orquídea,
Que nada. A caligrafia está "kalós", linda! (A fazer pendant com a dona e respectivo coração).
Com que então sem palavras?! ME AGUARDE!!! Muahahahahaha! ;)
Jinhos a ambos.
...e se forem amigas telepáticas, melhor ainda!Um grande beijinho. Foi bom escrever contigo!
Trocando então por míúdos: O que eu queria dizer é que adoro que os que amo me escrevam, cartas, postais, post-its, cantinhos de folhas, enfim... E que fico triste quando isso não acontece. E a verdade é com toda esta comunicação virtual isso vai acontecendo cada vez menos. Isso de guardar palavras não é só um prazer, é também uma necessidade. Se calhar baralhei-me na explicação...
100 remos,
Estás cá dentro! :)))))
Ouriço-cacheiro,
Ufa, era um comentário construtivo!
:) (Já o postei e tudo.)
Eu é que me baralhei...na leitura! ;)
Jinhos.
Não estava lá ainda...
Vai ao me blog, ve o texto q tnh num fotolog....
e diz algo dps...
Bjnh
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