Santiago, 18 Nov. Pedro
Ontem estive com o Pedro em Santiago.
Santiago é, como a Bélgica, dos poucos lugares em que me sinto totalmente em casa, estando fora de casa. Podia viver em Santiago, ou na Bélgica, o resto da vida e, independentemente de tudo, seria feliz, tenho a certeza.
Estava chuva e frio – mais frio do que cá –; fomos almoçar ao chinês – bem pior que todos os chineses de cá –; perdi-nos umas quantas vezes – nada a que a minha des-orientação crónica não nos tenha habituado... já...
Fomos para a Biblioteca. Pelo caminho mais longo, mais cansativo e mais feio – não me lembrava do do costume. Mostrei-lhe os cantos à casa, ou à Faculdade, ou à Biblioteca – objectivo da viagem cumprido. Trabalhámos como doidos a tarde toda.
Regressámos. Pelo caminho mais curto, mais bonito, o meu, o do costume. Descemos a rua. Devagarinho. A ouvir a banda sonora do ‘Once’ e a tentar, o Pedro a tentar manter a nossa conversa. Então e Maugham, já leste, eu, de todos os escritores por que razão, eu a não querer, sim, O Fio da Navalha, The Moon and Six Pence, o Véu Pintado e... e A Servidão, eu a não querer mais, eu a não me esforçar por. O Pedro a não conseguir manter a nossa conversa, Joana, importas-te que paremos aqui um pouco, tenho de tirar uma fotografia a isto, não posso deixar de; eu a não me importar, eu já sabia que, naturalmente, tira as fotografias que quiseres, vou sentar-me para ali.
Longe. Bem no meio daquele fim de tarde todo Outono de folhas e sombras e recordações de tempos antigos. Eu e a música. Longe. Ali, no meio do parque. Longe. Um mundo não chega, um ano não chega, para apagar o Outono da memória. Ele dizia que os beijos dele eram melhores no Outono – viciavam – e que achava que os meus olhos lhe lembravam o Outono e não via tristeza nas folhas que voavam ao vento no Outono, nem no frio do Outono, nem nas tardes cinzentas de Outono passadas na companhia de uma certa rapariga de olhos castanhos, cor de Outono!... Depois ria-se e acrescentava que quando mudasse a estação, haveria de proclamar o mesmo. "Mas no fundo tenho razão." - concluía. "Razão? Acerca de quê?" "Acerca dos beijos!"
Imagino que, ontem à noite ao chegar a casa, o Pedro terá mostrado à Ana as fotografias daquele parque bonito, bem à saída da nossa Faculdade homóloga em Santiago. Imagino que lhe tenha falado da sua surpresa perante o meu desconforto em relação ao Maugham e das suas suspeitas de que as minhas lágrimas de ontem não teriam sido exactamente por causa da magia do “Falling slowly” e do “When your mind is made up”. Mas foram.