domingo, abril 30, 2006

OS SONS DA MEMÓRIA



A primeira vez que ouvi “We are the champions” dos Queen foi num dia já quase esquecido nos finais de Maio de 1993, acho. Tinha doze anos, uma paixão assolapada e absolutamente irracional por um futebolista azul e branco, o meu deus cá na Terra, e um orgulho maior que os céus, o mundo e a vida: eu, ele e o Futebol Clube do Porto tínhamos acabado de ganhar o Campeonato nacional de Futebol!We are the Champions, my friends!”
Esse tinha sido um ano desportivamente muito difícil para o Porto: diferenças pontuais mínimas, surpresas a cada jornada, assimetrias norte-sul levadas literalmente ao rubro pelos “rubros” e pelos nossos também (convenhamos!) e a morte do Rui Filipe. O Rui Filipe era aquele rapazito loirinho, endiabrado com a bola nos pés, aquele rapazito com um ar típico de galã, uma loucura, uma festa e tantas piadas sempre na ponta da língua, prontas a descongelar o mais taciturno dos rostos… Época 92/93…(?)
Bem, o Porto ganhou o campeonato, agradeceu aos adeptos, dedicou-o (e bem) ao Rui Filipe e naquele domingo todos fomos um (até eu (!), a partir da Madeira, estava lá bem no meio do um!) e tudo foi festa no Estádio das Antas! “We are the Champions, my friends!”Adeus equipamentos, olá água, olá champagne! Olá FESTA!!!
Quando, nessa última jornada, se ouviu os Queen, eu que até esse momento não conhecia a música, senti um baque por dentro. A emoção da descoberta. Demorei-me em cada palavra e saboreei-a a cada imagem. Por entre abraços e sorrisos, gritos, cânticos e pulos de felicidade, na loucura e na alegria… Fartei-me de chorar.
Então, para mim, desde esse momento, a música, “We are the Champions”, tornou-se sinónimo de um certo sorriso, de uma certa loucura, de uma euforia colectiva, de uma modalidade de um clube em particular… da celebração da aquisição do título maior do futebol português pelo FCP.
É obvio que já a ouvi em outras circunstâncias, mas a gavetinha da memória que se abre está forrada a azul e branco e apenas contém FCP. No seu melhor. Já a ouvi quando outros clubes alcançaram o título, mas não teve o mesmo significado. É como se fosse outra música. Já ouvi quando outras modalidades, até mesmo do universo azul e branco, alcançaram títulos igualmente importantes, mas a música continua a ser outra. Acabo de a ouvir via RFM, com dedicatória politicamente correcta do responsável da emissão (fica registado) para o FCP. E aproveitei para fechar os olhos. E voltei a demorar-me em cada palavra. Voltaram as imagens – dessa época, das seguintes, da Champions…, voltou a alegria, voltaram as lágrimas, voltou o sorriso.
Reflexo imediato: Google. Tinha de ver as imagens de sábado, as imagens da sagração em Penafiel, tinha de procurar o sorriso, tinha de o encontrar, por favor, tinha de estar algures por entre a euforia… Tinha??? Devia…! Devia??? Podia…! Podia??? Porquê? Por todas as razões. Mas principalmente por uma: o banco, a antecâmara do mundo dos mortos, os Infernos. Lembra-te do banco. O BANCO. E, quando já imaginava Caronte, remando vagarosamente no Estige, com uma barca cheia e o meu deus-sorriso, desconfortável e apertado, a aportarem no Hades, não é que surgiu uma fotografia e essa imagem apenas bastou para me acordar do torpor e assim reduzir o meu cepticismo, e respectivo devaneio mitológico, à sua óbvia insignificância. Estava. Lá. Bem no meio da euforia que a alegria sempre contém. Com a mesma loucura, com a mesma ternura. Tal como da primeira vez, há treze anos atrás.
Pasmei. (embora já devesse estar habituada – é profundamente naïf e até infantil uma pessoa surpreender-se a cada momento!) Pasmei porque é incrível como, desde há treze anos, aquele sorriso se mantém assim! Puro. O cabelo esbranquiçou-se, o olhar está cansado, as rugas já espreitam, uma magreza – para mim inesperada – surgiu, mas o espírito ganhador está lá, a confiança e a segurança também, o sorriso de menino mantém-se.
… o sorriso de menino … mesmo do banco…
A minha irmã foi ao Dragão a semana passada, aguardou a chegada da comitiva, fez parte da festa, seguiu tudo de perto, e fala-me da inefabilidade de um sorriso que atravessa o tempo e desafia a vida. Fala-me de valores, liderança, modelos de vida, sabedoria e loucura. Fala-me de um mar de gente, uma cidade inteira, “We are the Champions, my friends!”, que grita um único nome (de quem será?), um mar de gente, uma cidade inteira, “We are the Champions, my friends!”, que honra um clube, um mar de gente, uma cidade inteira, “We are the Champions, my friends!”, que tem uma estima e um orgulho tão grandes que extravasam qualquer tipo de barreiras ou limites que o nosso intelecto possa construir. A minha irmã já não se surpreende, disse-me, por minha causa. Porque eu passei anos a fio a dizer que não havia no mundo uma escala para medir o talento do meu deus-futebolista-azul-e-branco, nem sequer ninguém à sua altura para o avaliar e muito menos comparar. Porque eu passei anos a dizer que o meu clube era o melhor do mundo por todas as razões, circunstâncias e contingências possíveis e inteligíveis… e, muito especialmente, porque soubera manter o meu deus.
Há quase três anos que moro no Porto, e, naturalmente, me farto de cruzar com o meu deus na rua, no centro comercial, na praia e no café. E, apesar da divindade permanecer indelevelmente na inefabilidade do sorriso, o meu deus já não é deus. Eu também já não tenho doze anos… E moro, por mero acaso ou coincidência, a minutos do Estádio do Dragão. Obviamente, as minhas obrigações profissionais não me permitem estar lá todos os Domingos (se fosse há uns anos atrás…), mas de quando em vez lá vou espreitar os actuais deuses, respirar um pouco de azul e sobretudo entrar e aninhar-me por momentos no colo daquele universo mágico. Naquele apoio, notável, contagiante, naquela massa humana, transbordante de paixão, naquele recinto, pleno de alma.
Estava no Porto quando ganhámos, “We are the Champions, my friends!”, a Champions League. E, por muito que os mais velhos digam que as celebrações têm vindo a perder o vigor e a autenticidade a cada ano que passa, trago na memória uma imagem (ou várias) que guardarei para sempre no coração: o cachecol azul e branco. O cachecol da senhora da peixaria, dos adolescentes no autocarro, do motorista do outro autocarro, do médico-assistente no São João, de várias pessoas no comboio para Braga. O meu cachecol azul e branco na aula. “We are the Champions, my friends!”
Porque no Porto todo este apego faz sentido e é, à boa maneira nortenha, despretensioso e espontâneo. Porque o clube limpa o céu, apaga o cinzento dos dias e das almas e anima os jovens. Porque o clube, como o pão, alimenta e sustenta os sonhos de quem trabalha desde a madrugada até à noitinha. Porque não é o clube que ganha, é o “nós”, colectivo, que constitui a cidade. “We are the Champions, my friends!”
Porque o clube é da cidade. Porque o clube é a cidade. Para o exterior. Porque só a cidade, pátria, berço, mãe, casa, que lhe deu o nome, a postura e o carácter, só a cidade no que tem de colectivo, intrínseco e mais autêntico, pode explicar a magia. “We are the Champions, my friends!”
Porque o clube tem esta mística que admiro, abraço, cultivo, mas me transcende. Tal como a constância do sorriso, sempre doce e juvenil, do meu outrora deus-azul-e-branco transcende a compreensão humana.
Porque hoje vai ser assim outra vez...

FCP Campeão Nacional - época 2005/2006.

sábado, abril 29, 2006

A IDADE DOS PORQUÊS

Não existe uma idade dos “porquês”. Lamento fazer o Sr. Piaget dar voltas e voltas no túmulo com esta minha afirmação, mas reitero: esse estádio não existe. E não existe porque pura e simplesmente passamos a vida toda a questionarmo-nos.
Perguntas infantis, triviais, de cultura geral, do senso comum, científicas, filosóficas, religiosas, de auto-conceito/imagem, retóricas… perguntas. Somos seres pensantes, questionamo-nos interiormente, perguntamos naturalmente. Procuramos constantemente saber.
O que pensam os outros do mundo e da vida. O que pensam os outros de nós. Porque é que as coisas acontecem/aconteceram de determinada maneira. Como é que as coisas acontecem/aconteceram. Quem fez o quê. Quem sofreu o quê. O que levou alguém a fazer algo. O que está para além do sensível.
Resumindo: desde que Prometeu roubou o fogo aos deuses para dar ao Homem, este, apercebendo-se do fosso existente entre ele próprio e a divindade, faz do racionalismo arma e da pergunta ponte e tenta, progressivamente, transpor essa barreira.

Por isso aqui vão algumas:
(Responda quem souber. Não se intimidem com as minhas tentativas de resposta.)

Porque é que simpatizamos logo à primeira vista com umas pessoas e antipatizamos com outras? (E o inverso também.)

Porque já as conhecemos de outras paragens (transmigração de almas?);
Porque há uma coisa que se chama intuição, o sexto sentido feminino;
Porque as más pessoas estão assinaladas secretamente, por convenção tácita;

Porque é que nos lembramos sempre primeiro das pessoas que nos marcaram negativamente e só depois, e às vezes com algum esforço, das outras?

Porque os maus desafiam e essa audácia encanta: tem um charme poderoso, inesquecível;
Porque os maus trazem consigo o perigo, a vertigem e isso hipnotiza e marca;
Porque simplesmente “Não compensa ser bonzinho.” – verdade universal.

(Nunca consegui perceber isto. Já o senti na pele e fiquei envergonhada. Não me conseguia lembrar de um dos meus melhores alunos, só me vinha a imagem do mais reguila.)


Porque é que o que sabe bem faz mal?

No outro dia comprei um gelado de baunilha sem corantes, nem conservantes, nem adição de açúcar… Bela porcaria! Nem a leite sabe. E queijo para dieta??? Yuck! É claro que se fosse um Hägen-Daaz… não me estava agora a queixar (…só daqui a duas semanas quando isso se reflectisse na balança!)…


Porque é que a melhor maneira de aprender é errando?

Só me lembra a anedota do miúdo que está a mostrar a mãe as acrobacias que consegue fazer com a bicicleta. “Mãe, mãe, olha… sem mãos, mãe, olha…. sem pés… A mãe espera uns minutos… e responde-lhe, “Olha… sem dentes!”

Porque é que nunca gostamos de quem gosta de nós? (E o inverso também.)

Porque o coração é independente da nossa vontade e diverte-se a pregar-nos partidas;
Porque o coração é como o criador do Matrix, gosta de ver até onde vão os nossos limites;
Porque assim tudo seria demasiado simples, aborrecido;
Porque de outra forma perderíamos tantos conhecimentos e amizades enriquecedoras;
Porque tudo o que não der luta, não é valorizado e nunca sabe tão bem;

Porque é que as escolhas/decisões mais importantes da nossa vida só podem ser feitas por nós?

Porque somos nós a vivê-la – ninguém a vive por nós;
Porque está culturalmente enraizada a noção de que temos que arcar com as consequências das nossas acções;
Porque só assim nos conhecemos verdadeiramente a nós próprios e crescemos;
Porque não é economicamente viável alguém se encarregar disso por nós;


Porque é que quando tudo está bem logo acontece qualquer coisa que deixa tudo mal?

Para dar emoção, como nos filmes de suspense – a (minha) vida é um filme;
Para testar o herói até ao limite (haverá um?) das suas capacidades;
Porque como o ouro passa pelo fogo para atingir a perfeição, o homem passa pela provação para prosseguir nesse caminho (da perfeição…)


(A portugalidade chama-lhe fado, sina, destino. Há também quem lhe chame acaso, sorte. Na Antiguidade eram os deuses, os fados. No Renascimento era a Fortuna. Eu vou mesmo pela sina: “Quem nasceu para abóbora nunca chega a melão.”)

Porque é que o doce nunca é tão doce sem o amargo?

Porque o ying e o yang são tão pandémicos – estão em todo o lado, até no paladar;
Pela mesma razão que não haveria Laurel sem Hardy, Telma sem Louise, Tom sem Jerry, Hitchy sem Scratchy, Beavis sem Buthead (e podia continuar…)


Porque é que não somos perfeitos?

Porque nem todos nascemos Reynaldo Gianecchini ou Giselle Bündchen – uma questão de genética, claro!

Porque é que ninguém quer morrer, mas todos querem ir para o Céu?

Porque conceptualizamos cognitivamente o bem com o alto e o mal com o inferior;
Por uma questão de marketing: não é lá que estão as quarenta virgens? (lembra a tradição humanista renascentista do Camões…a Ilha dos Amores…)

Por uma questão de opção pelo mal menor: Porque a morte é encarada como uma inevitabilidade, equiparável, sinónimo de mal, por não ser (ainda) humanamente controlável ou manipulável; implicando portanto o abandono daquilo que construímos, do que conseguimos alcançar e das pessoas que amamos – é fácil de perceber então que ninguém, no seu perfeito juízo, a queira. Daqui o raciocínio é simples, já que nada podemos fazer contra o mal que é a morte, porque a sofremos muito a contra-gosto, é profundamente humano (e compreensível) o desejo de que essa amargura seja recompensada com o bem-estar que se crê típico do Céu.)


Porque é tão difícil o Amor?

Porque é perfeito e nós não;
Porque é um mito, a versão do Pai Natal para adultos: não existe;
Porque tendemos a complicar o que é simples;
Porque não vemos o óbvio;
Porque somos eternos insatisfeitos;
Porque os homens são de Marte e as mulheres de Vénus;
Porque há uma incompatibilidade de momentos, oportunidades, circunstâncias e situações, que é intrínseca a ambos e que só muito raramente e a muito custo é ultrapassada;
Porque homens e mulheres andam portanto constantemente desencontrados;
Porque as mulheres idealizam e os homens pragmatizam ao máximo as relações;
Porque o homem pensa: Life is short: eat dessert first.
Porque a mulher pensa: Life is short, what do I do? What do I do? Dessert? No thanks, I can´t get fat!

E já agora, porque é que o “Big Phil” não convoca o “Bitinho”? ;)
(Aceitam-se sugestões, porque estas, as minhas, são demasiado fatelas:)

Porque a selecção é fiel à bandeira – verde e vermelha – somente;
Porque ele não é brasileiro nacionalizado português;
Porque ele não joga no estrangeiro;
Porque ele tem experiência;
Porque ele é líder;
Porque ele tem fair-play;
Porque ele ganha títulos;
Porque ele é bonito;
Porque ele tem voz máscula;
Porque ele não fixa os olhos no chão quando perde ou joga mal;
Porque ele assume quando a culpa é dele;
Porque ele é titular;
Porque ele é suplente;
Porque ele é FCP;
Porque ele nunca tira as luvas;
Porque ele é patrocinado pela Adidas;
Porque ele limita-se a defender, não marca, penalties;
Porque ele sempre manifestou a sua disponibilidade e não pôs e dispôs da selecção a seu bel-prazer;
Porque o “filhinho” Cristiano Ronaldo quer amigos, da sua idade mental, para se exibir, ocasionalmente jogar bem à bola e sempre que possível mandar uns quantos impropérios, cheios de perdigotos, ao público;
Porque o estatuto de “avozinho” é vitalício e pertence em exclusivo ao Figo;
Porque sim;
Porque não;

Porquê?

Está de parabéns o MEU seleccionador!...


«Não há ninguém como ele. Não, não vou dizer que é o «special one», nem esgotar adjectivos à exaustão, até porque a imprensa nacional já os gastou. Nesta altura de celebração julgo ser importante vincar a ideia de estarmos perante alguém único, que não só conseguiu transformar o futebol, através de conceitos, tácticas e abordagens da filosofia de treino, mas também devolveu algum orgulho ao ser português.

Não falo aqui na escolha hipócrita entre ser por uma equipa nacional ou apoiar um clube estrangeiro, mas naquele singelo pormenor de pegar num cachecol de Portugal e colocá-lo ao pescoço, momentos antes de terminar o jogo com o Manchester United. Lá no fundo, apesar de se queixar tanto (atributo genuinamente «tuga»), Mourinho sente a coisa nacional e mesmo estando no centro do mundo lá se deu ao trabalho de pensar no cantinho à beira mar plantado, se calhar no peixinho de Setúbal, no azul do mar, na recompensa ao sol.

Sabendo que tudo o que ele faz é estudado, aquele pareceu-me um gesto autêntico, assim como o atirar do casaco e da medalha aos adeptos. Percebeu-se, quando subiu ao palanque da vitória, a tentação de voltar a fazer a diferença. E Zé agradeceu a todos os que cantam «José Mourinio, José Mourinio» até à exaustão. Era motivo para regozijo, porque naquele momento não comemorava apenas o «Back to Back» em Inglaterra, mas a obtenção do quarto título nacional consecutivo (dois pelo F.C. Porto, outros dois pelo Chelsea).

Numa altura em que, por terras britânicas já começam a desconfiar do seu valor, pelo facto de não ter conseguido vencer a Liga dos Campeões, sou cada vez mais adepto dele. Dele e de Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, Maniche, Rui Faria, Silvino Louro e André Vilas Boas, portugueses de gema que não se esquecem das origens e fazem questão em erguer esta bandeira. Poderão dizer que é patriotismo bacoco, eu prefiro agradecer e falar em orgulho nacional. Algo que continua a fazer sentido neste mundo cada vez mais uniformizado.»
PORTUGAL NO SEU MELHOR... ISTO SIM!!!

Quando os suspiros trocam a ansiedade pelo êxtase da fruição estética...




O'KEEFE... BELEZA EM ESTADO PURO!!!

sexta-feira, abril 28, 2006

Sê tu a palavra


1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?


Eugénio de Andrade

Amor com Amor se paga!


Scolari está de malas aviadas. Ele já percebeu que isto por aqui não dá muito mais. O esforço do Euro 2004 foi grande e agora, no Mundial, as selecções têm outro peso e qualquer Grécia nos pode desfeitear depois de mostarmos ao mundo que sabemos jogar futebol. Também a febre das bandeirinhas não dura sempre. Agora tudo se vai passar longe da nossa porta e os estádios não se vão encher com os tugas. O pior, porém, é a nossa alma melancólica e contemplativa entalada entre os galegos do norte e os mouros do sul, que nos deprime à mais leve contrariedade. Os rapazes têm pernas e talento, mas falta-lhes folgo anímico. Scolari já percebeu isso. Além do mais, a Inglaterra paga em euros com sabor a libras, o que tem outro peso na decisão.
Diz a Agência Placar, de São Paulo, referindo-se à mudança de casaca de Felipão: Big Phil’, como já vem sendo chamado pelos ingleses, tem um ótimo retrospecto de conquistas nos últimos anos. Além de ser campeão mundial com a Seleção Brasileira em 2002, na Ásia, levou a modesta (destaque meu) Seleção Portuguesa ao vice-campeonato da Eurocopa em 2004, perdendo para a Grécia na final. Gostei da palavra modesta. Para uma selecção (a nossa) catalogada em 8.º lugar, no mundo, pela FIFA, os brasileiros demonstram assim uma atenção e um carinho muito especial pelos portugas. Amor com amor se paga.
Ha, ha, ha, ha, ha, ha, ha!!!!! Não consigo parar... sorry!
Eu ADORO quando tenho razão!!! Com que então o nosso (vosso, meu nunca!) venerando, mui nobre, sempre excelso e omnisciente "ENCOBERTO"/SAUVEUR DE LA PATRIE prefere umas brit pratas a conduzir os MELHORES futebolistas (vossos, meus nem por sombras!) do país-irmão na senda das vitórias e títulos...
Escondam todas as lâminas, melhor: acabem com a produção/importação de lâminas, não vá um dia destes o "afilhado" querido cortar os pulsos! (Para que precisa ele de pulsos anyways, quem defende sem luvas, defende sem pulsos!!!).
BIG PHIL, QUE BEM!!! QUE RECIPROCIDADE!!!
E o apontamento do jornal brasileiro... um must! De facto, AMOR COM AMOR SE PAGA! (Ah, não se esqueçam de encher os estádios e das bandeiras, por favor, ele agradece!)

quarta-feira, abril 26, 2006

Terceto lírico



Sirva o meu amor de voo.
Sirva a tua vida inteira
de azul.
Eu sirvo de pássaro.

Thiago de Melo
«Canto do Amor Armado»

Da enormidade do óbvio

“Não se pode conhecer, nem estudar, nem ensinar, nem viver, aquilo que, no fundo e em verdade, se não ama”.

Jorge de Sena

NUCLEAR RETURNS FROM THE DEAD...


Chernobyl: aftermath of the explosion and meltdown. Thirty-one firefighters died trying to control the blaze in Unit 4.Courtesy International Nuclear Safety Program, Pacific Northwest National Laboratory

O acidente nuclear de Chernobyl foi há 20 anos

Assinala-se hoje o 20.º aniversário do acidente nuclear de Chernobyl. Desde essa altura, a ComissãoEuropeia já disponibilizou mais de 479 milhões de euros em investimentos de segurança e no auxílio médico a pessoas cujas vidas foram afectadas pelo acidente. O apoio a projectos sociais e ambientais em Chernobyl tem também recebido o apoio da Comissão.
NUCLEAR PREOCUPA AUTORIDADES BRITÂNICAS
Mais de um terço do Reino Unido está ainda contaminado pela radioactividade resultante do desastre de Chernobyl. As medições oficiais confirmam que o território vai continuar radioactivo durante séculos, um problema que preocupa as autoridades, apostadas em evitar situação semelhante à da Ucrânia. Para isso, criaram um comité especial para decidir o que fazer, a longo prazo, com o lixo nuclear produzido na zona. Em Portugal, a Quercus aponta o dedo às autoridades, que acusa de favorecerem a opção pela energia nuclear. Diz a associação que os dados do 5.º Programa-Quadro comunitário indicam que a fusão nuclear recebeu 788 milhões de euros, contra 392 milhões para as energias renováveis.
SAUDADES DE CASA SUPERAM MEDO
Para muitos, sobretudo os mais velhos, o risco de voltar a casa, situada em zonas contaminadas, é preferível à tristeza de ter de viver longe. Por isso, milhares arriscam a sorte, num jogo que lhes pode custar a vida, alimentando-se do que a terra, envenenada pela radiação, lhes dá.Diz a ciência que os isótopos radioactivos que se libertaram da central nuclear – como o Iodo 131, Kripton 85, Estrôncio 90 ou Ruténio 106 – são responsáveis por diversos tipos de doenças, sobretudo cancerígenas. Os pulmões, a tiróide, os rins, músculos, ovários e ossos são as partes do corpo humano que mais têm sido afectadas pela radiação.
NÚMEROS DO ACIDENTE
200 Mil quilómetros quadrados de território ficaram contaminados com o desastre.
6000 Quilos de dióxido de urânio foram libertados na atmosfera, além de outras substâncias.
2300 Graus foi a temperatura a que chegou o núcleo do reactor, provocando a fusão.
200 Mil mortos perfazem o total de vítimas contabilizado pela Greenpeace.
350 Mil pessoas tiveram de abandonar as suas casas, evacuadas pelas autoridades.6Milhões continuam a viver em zonas contaminadas, correndo o risco de adoecer.

Ooooooooopppppppssssssss!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

“... a saudade é uma espécie de velhice ...”
Guimarães Rosa

Pelo aniversário da mais bela revolução da História...

Zeca,
Andamos longe da Grândola já mal sabemos a letra mas temos sempre a janela de abril nas nossas vozes em que te cantámos e nos cantámos com as manhãs a florir sem orvalho nem bruma, manhãs de sol já alto que a cor das noites passadas tornava mais azuis e tudo floria vermelho papoilas eram papoilas ou cravos vermelhos não brancos como agora se tem feito em cerimónias fúnebras a fingir que é abril.
Andamos sem cravos na lapela eram tão lindos os cravos nas bocas que pareciam de todos que se queriam beijar de fraternos que éramos as mulheres opulentas do Portugal que vinha de trás, redondas cheias e lindas a beijar os pés da liberdade nos rostos dos soldados que sorriam como se fossem nossos filhos e estivéssemos na praça a festejar o dia a noite o riso que se escondera no medo das noites atrás das cortinas tanta gente tantos irmãos tantos homens a morrer num corredor da morte morno e manso.
Já não morremos assim morremos de doenças globais e modernas o stress o avc o enfarte o cancro a surménage mas morremos cada vez mais de esquecimento daquela cor cada vez mais desbotada que se apodera de nós a caminho da casa das férias a correr das pausas que não temos do sol que não vemos da orla do mar que não sentimos sob os pés e queremos viver assim esquecidos de nós tão esquecidos que os votos escasseiam e os homens bons são muito poucos para trazer à malta o que faz mesmo falta um abrigo para os que dormem na rua sem querer uma manta de carícias para os meninos sem condição que são tantos e o tempo e o tempo e o tempo que não temos a gente tem que se ver tem mesmo que se ver tem mesmo tem.
Andamos às voltas com o fmi apesar do zé mário ter dito o que disse com o medo a cortar a luz ao futuro que queremos deixar aos putos perdidos nas estradas de alcatrão nos empregos desempregados à espera do fundo a fazer de conta que são gente num país que não tem lugar para velhos nem para putos as estatísticas dizem que pesam muito o orçamento é tramado anda a reboque dos mimos com que os políticos se alimentam uma fauna desocupada ociosa e servil que faria envergonhar o o’neill por ainda termos esta feira cabisbaixa por país.
Mas há um abril por abrir e um país por parir digo-te eu que tinha a minha filha a dançar-me no ventre quando cresci naquela manhã e vi até morrer este abril e os campos são verdes e não faremos mais recados às bruxas o nosso pensamento é maior que a dureza dos dias incertos como alçapões ninguém nos lava as canções com lágrimas o cortinado roxo que nos morde o coração mas ninguém nos tira a mariazinha com os olhos no mar. Somos cinco mais cinco mais cinco até sermos múltiplos de cinco que já não se contam pelos dedos contam-se pelos olhos pela palavra pelo gesto fraterno e uno que ficou debaixo da nossa pele agora para sempre marcada pela cor vermelha da liberdade do nascer e do morrer. Para sempre.

lisboa, 24 de abril de 2006
Maria Armandina maia

Pronúncia do Norte





Há um prenúncio de morte
Lá do fundo de onde eu venho
Os antigos chamam-lhe renho
Novos ricos são má sorte
É a pronúncia do Norte
Os tontos chamam-lhe torpe
Hemisfério fraco outro forte
Meio-dia não sejas triste
A bússula não sei se existe
E o plano talvez aborte
Nem guerra, bairro ou corte
É a pronúncia do Norte
Não tenho barqueiro nem hei-de remar
Procuro caminhos novos para andar
Tolheste os ramos onde pousavam
Da Geada as pérolas as fontes secaram
Corre um rio para o mar
E há um prenúncio de morte
E as teias que vidram nas janelas
esperam um barco pareceido com elas
Não tenho barqueiro nem hei-de remar
Procuro caminhos novos para andar
E É a pronúncia do Norte
Corre um rio para o mar

terça-feira, abril 25, 2006

NICOLAS, BEM-VINDO À MAIORIDADE!!!

Ontem fiz anos. Vinte e cinco. Um quarto de século.
Talvez a isso se deva a minha recente introversão, a angústia ansiosa e a inquietação que se tem prolongado para além do razoável. Como se algo interior exigisse de mim um balanço.
Que fizeste? Que construiste? Que possuis? Muito? Pouco? Algo? Nada? O quê?
Às vezes, quando recordo as minhas amigas mais próximas e demais colegas de curso que já casaram (ou o farão daqui a nada), que vão “casando” mesmo em casa dos pais, que estão a dar aulas, que não estão a dar aulas mas trabalham, que têm um salário fixo ao fim do mês, … nessas alturas penso que não fiz nada, não construí nada, não tenho nada. E a minha vida é de uma sensaboria incomensurável: os dias são cinzentos e abafados, a rotina desesperante, os meus pares desinteressantes e nem eu própria consigo aturar o meu mau feitio.
Outras vezes, quando recebo um mail ou uma sms de um antigo aluno, quando um me encontra por acaso no Hi5, na rua, no Centro Comercial … então os meus dias ganham cor. Todas as cores possíveis e imaginárias. Tudo faz sentido. Tenho a certeza de que posso não ter muito mas construí uma coisa absolutamente preciosa, inefável, que não sei nomear, mas de que me orgulho. Profundamente.
Ontem passei quase todo o dia no Messenger. Recebi milhentos mails e mensagens e entre elas uma sms de Parabéns do Nicolas, meu “ex-aluno”, como o próprio se auto-intitula. Todos os anos é assim. Todos os anos o visito também. Mas este ano teve um sabor especial porque estou longe, ficando a visita portanto adiada para finais de Maio.
Comecei a dar aulas aos vinte e um e terminei o ano passado. Leccionei no Ensino Básico, no Secundário e no Superior. Estive a fazer contas e pela minha vida, pelo meu entendimento e discernimento, e pelo meu coração já passou o futuro cerca de 110 pessoas. Em apenas três anos.
Podia agora discorrer acerca do estado actual da Educação em Portugal, eterna paixão adiada até às kalendas gregas; de como o sistema é injusto, redutor e inadequado; da descredibilização social da classe docente; de como existem professores incompetentes ou simplesmente sem vocação. Podia, mas não vou. Conheço a realidade por dentro e admito que todos os factores que enumerei existem. Infelizmente. Mas não vou perder tempo com isso, até porque para mim a Educação é/deve ser aluno-cêntrica. E note-se que no panorama negro que tracei não falo em indisciplina discente. Considero que isso não existe. É claro que tenho a plena consciência de que esta afirmação é chocante para muita gente que me vai logo atirar à cara com a minha pouca experiência; mas o que é facto é que durante a minha curtíssima incursão pelo sistema de ensino português conheci de facto muita gente, bons e maus profisionais, sim, existem efectivamente professores incompetentes, malformados, mesquinhos, deparei-me com um sistema que prejudica e penaliza tanto os professores, como os alunos, tive muitas vezes que me dominar para não responder em conformidade às pessoas que me sorriam com condescendência ou cinicamente ou secamente quando sabiam qual era a minha profissão… mas nunca conheci um aluno indisciplinado. Conheci, todavia, muitos com carências afectivas. Muitos.
No meu ano de estágio tive muita sorte, dizem-me vozes distantes, cobiçosas. Só porque a minha turma de nono ano tinha catorze alunos e a de oitavo era a melhor do ensino básico da escola. Claro que se esquecem que os catorze alunos dispunham de um conhecimento mediano das matérias, eram muito fracos na língua materna, profundamente desinteressados e absolutamente influenciados pelo líder da turma: o H., um adolescente de dezassete anos, problemático, profundamente inseguro e portanto rebelde, modelo e inspiração os rapazes de treze e catorze anos da turma, louca paixão das meninas da mesma idade. Um adolescente que, como a maioria dos adolescentes, tinha uma inconveniente paixoneta (nº1) pela professora. Claro que se esquecem que os alunos da outra turma, a melhor da escola, eram trinta (!) e tinham Português, a minha aula, no pior horário possível: às cinco da tarde, imediatamente a seguir à aula de Educação Física. E pensam que tudo foi sempre fácil, que nunca me zanguei, que nunca levantei o tom, que nunca mandei ninguém para fora da sala de aula refrescar as ideias.
… Que tudo era perfeito. Não era. Nunca é no início. Mas acaba sempre por ser.
Porventura ajudou o facto de ser muito maternal, possivelmente por ser a mais velha de quatro irmãos, possivelmente ajudou o facto de ser muito jovem e nada influenciável, de estar em início de carreira e ter a energia e a ousadia de ver as situações de uma perspectiva diferente, mais próxima.
O ano passado voltei a ter uma turma de trinta alunos, de sétimo ano, ao último tempo da tarde, com um líder adolescente de dezassete anos, rebelde, com uma paixão inconveniente (nº2) pela professora (quase COPY PASTE de cima) e voltei a ter uma turma de nono ano, desta feita com vinte e alguns alunos, desta feita a pior da escola: a mais terrível e temida, a razão para um atestado médico por depressão da colega anterior, a razão para três processos disciplinares, a razão para o choro frequente, por ofensas verbais, da auxiliar de educação do bloco… uma turma DAQUELAS. Que não se esquecem. Que não se querem esquecer. Vinte e quatro miúdos desinteressados, provocadores, inteligentes, mas no fim absolutamente maravilhosos e adoráveis! Claro que nem tudo foi fácil. Não entrei na sala de aula a sorrir e nem sequer lhes dei oportunidade para entrarem no tão ambicionado diálogo comigo. Falei eu, apenas eu, mas não aos berros, nunca. Primeiro disse que não os conhecia, portanto não tinha nenhuma imagem formada, disse que era suficientemente inteligente para tecer eu as minhas conclusões a respeito deles. Falei de regras, de direitos, de deveres. Mandei-os ler alto, um a um, alternadamente, muitas vezes. Fiz-lhes muitas perguntas, dificílimas, de sinonímia, morfologia e sintaxe, e cada resposta era registada no registo no caderno, à minha maneira, como modelo para as respostas dos testes. Fartaram-se de escrever naquela nossa primeira aula! Queixaram-se dos pulsos, dos cadernos que se iam gastar muito rápido, da economia familiar que não ia suportar despesas extra. Mas aprenderam e descobriram. Muito. Aprenderam que eu não me compadecia deles, não ligava a essas minudências, perceberam quem dirigia o curso dos acontecimentos em aula, quem perguntava, quem respondia, perceberam que afinal não sabiam muito - havia muito para saber. Descobriram que o tempo passa depressa quando estamos ocupados com várias actividades diferentes, interessantes, desafiadoras; descobriram que afinal até sabiam umas coisas e isso levava-os a mais facilmente perceber outras, descobriram que Português não é uma disciplina aborrecida. E que a professora, que quando se chateia é pior que o “Sapinho” dos Morangos, gosta muito deles, porque não ligou à fama e aos boatos e apostou neles. Viu o melhor deles. Tornou-os melhores.
Os meus alunos da faculdade nunca me deram problemas destes, claro está. Mas deram-me outros. Demasiada proximidade. Etária, ideológica, humana. E uma paixão inconveniente (nº3) pela professora (quase COPY PASTE de cima) continua a ser (é sempre!) inconveniente (será Karma?). Seja em que idade for, seja em que grau de ensino for.
Mas hoje é o dia do Nicolas. PARABÉNS!!! Bem vindo à maioridade!
O Nicolas é uma das pessoas que mais marcou a minha vida. Profissional e em geral. É com muito orgulho e uma estima sem fim que lhe reservo um lugar muito especial no meu lado esquerdo do peito. Foi um dos alunos da minha primeira turma de nono, do ano de estágio.
Era (e é) francófono, tão inteligente quanto preguiçoso, irrequieto por vezes, mas dos melhores da turma na generalidade das disciplinas. Sabia disso e portanto calculava, mediante as exigências de cada disciplina e o carácter de cada “prof”, o quanto deveria trabalhar para atingir pouco mais que a mediania. Todavia, tudo acabaria por mudar ao longo do ano…
Não sei se foram os deuses ou simplesmente o acaso que conspirou contra nós (ou a favor…) mas o que é certo é que certo dia, aquele miúdo, que normalmente até era amoroso e que até chamava o adolescente líder da turma à razão, de quando em vez, em contextos extra-aula, estragara-me os noventa minutos de leccionação por completo. Intervenções incovenientes, a recusa em ler, em registar no caderno os conteúdos da aula, a constante tentativa de distrair os colegas em redor, o maior número de colegas possível… enfim, tudo o que o outro faria sem pejo e que agora até para esse era chocante. Não tive outra alternativa (não ma deu!) senão isolá-lo ao fundo da sala, prosseguindo então a aula com normalidade. Escusado será dizer que assim que tocou para sair, o senhor Nicolas, que tinha sido o primeiro a arrumar as suas coisas para sair e se preparava para abrir a porta, foi advertido de que o intervalo teria que esperar porque a professora precisava de falar com ele. Amuou, mas permaneceu ali, à minha frente, de olhar no chão, embaraçado e triste, com uma tristeza muito maior que o arrependimento pelo caos gerado na aula. Na verdade, porque tratei de sanar, isolando, o foco de instabilidade, a aula nem tinha corrido muito mal e então, sem explicação, quase reflexivamente, saiu-me: “Então, conte-me lá, o que é que se passa consigo?” E não é que contou mesmo? Palavras santas, palavras mágicas. Para minha grande admiração (leia-se surpresa e estima), respondeu à pergunta com a mesma espontaneidade, na mesma pureza e com verdade. Uma situação familiar complicada, um coraçãozinho de treze anos partido de fresco, as dúvidas existenciais típicas da adolescência e imensas hormonas a atrapalharem o raciocínio e a ofuscarem a percepção das soluções…
… E do alto dos seus vinte e um anos e da sua larga inexperiência profissional a jovem professora percebeu que a formação para a vida e o desenvolvimento da inteligência social é muito mais importante que a distinção entre orações relativas substantivas e completivas integrantes (e nunca deixei ficar nenhum conteúdo por leccionar!). Porque o desenvolvimento integral da pessoa humana que o professor tem como missão é uma coisa absolutamente simples de se fazer se o amor, o carinho, a compreensão e a solidariedade estiverem lá, junto ao punho que corrige os testes, junto à voz que chama à atenção mas também incentiva e elogia, junto à mão que gesticula, pede silêncio, demonstra e interroga.
Desde aquele momento desenvolvemos uma cumplicidade que, com o passar do tempo, se transformou numa amizade que perdura. É meu amigo. E tenho imenso orgulho nisso e nele. Agradeço a Deus o facto de o ter posto no meu caminho. Enriqueceu-me. Espero ter contribuído também para o seu percurso pessoal e profissional. Sei que sim. Já mo disse. Quando for um arquitecto de renome, será com profunda alegria que direi “Foi meu aluno. É meu amigo.” Tal como outros, tantos, que outras histórias hão-de dar a conhecer.
Agora, à distância de anos, um continente, um oceano e milhões de quilómetros, de todos os meus alunos guardo boas recordações. Dos rebeldes, dos inoportunos, dos apaixonados, das aplicadas, dos bajuladores, dos certinhos, dos tímidos, das faladoras, das sorridentes, das sonhadoras, dos inseguros, dos atletas, dos galãs, dos associativos, dos djs, das meninas, dos meninos, dos agora senhores professores, de todos.
Como para tudo na vida, há que encontrar a chave certa que lhes abre o coração e desperta a mente. Como tudo na vida, se olharmos as pessoas directamente, nos olhos, e lhes falarmos com calma e segurança a verdade, não há indisciplina ou agressividade que resistam.

segunda-feira, abril 24, 2006

Efemérides... há dias assim!

Efemérides são dias importantes.
Nos dias importantes não se trabalha.
Hoje faço anos e não se trabalha em Portugal.
Logo,
Os meus 25 anos são uma efeméride!
*Mas apenas em Portugal, em Houston trabalha-se normalmente. Bem, não agora que tenho um muito internacional jantar de aniversário à espera... Ah, e lá porque não se trabalha em Portugal não há desculpa para o BLOGGER ter deixado de funcionar esta manhã, grande prenda!

Há vinte e cinco anos foi assim...

domingo, abril 23, 2006

23 DE ABRIL - DIA MUNDIAL DO LIVRO


O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, é comemorado, desde 1996 e por decisão da UNESCO, a 23 de Abril, dia de São Jorge.
Esta data foi escolhida para honrar a velha tradição catalã segundo a qual, neste dia, os cavaleiros oferecem às suas damas UMA ROSA VERMELHA DE SÃO JORGE (Saint Jordi) e recebem em troca, UM LIVRO.
Em simultâneo, é prestada homenagem à obra de grandes escritores, como Shakespeare e Cervantes, falecidos em 1616, exactamente a 23 de Abril.
Partilhar livros e flores, nesta primavera, é prolongar uma longa cadeia de alegria e cultura, de saber e paixão.
Todavia, para ler um livro não é necessário esperar que chegue o dia Mundial do Livro. Ler um livro é sempre um bom motivo, independentemente do dia. No entanto, e para que o dia de hoje não passe despercebido, eis cinco dos meus livros preferidos, cinco escolhas para um tempo bem passado, neste dia ou não, para oferecer ou não.
Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa
Lueji, Pepetela
Nenhum Olhar, José Luis Peixoto
O Livro do Desassossego, Bernardo Soares
A Origem da Tragédia, Friedrich Wilhelm Nietzsche
Boas leituras!!!

sábado, abril 22, 2006

Quero um "Concorde"!

"WE ARE THE CHAMPIONS!!!!!!!" ... e o Dragão tão longe!

House, M.D.


A vida tem coisas engraçadas. Desde há algum tempo tenho notado que a minha existência teima em entrecuzar-se, entrançar-se e, as mais das vezes, emaranhar-se com a Medicina. Nem sempre de forma pacata. Infelizmente.
Primeiro foi no fim do liceu. Recebi milhentos “Parabéns, tem uma média digna de Medicina!” babadíssimos… de boa educação (alguns), admiração (no sentido da surpresa – claro! – muitos), inveja (um sem-número) e por aí fora… Uma média digna de Medicina… que paráfrase tão inesperada para traduzir uma média a roçar os…! (não vale a pena especificar, todos sabemos as cifras em questão) É sintomático do país que temos, suponho.
O que vale é que as Humanidades eram a minha área e decidi abraçá-las como carreira de futuro com a mesma dedicação e entrega com que teria abraçado a Medicina ou outro campo qualquer do saber se tal me tivesse despertado interesse. “Que desperdício, podia ao menos ter enveredado pela Magistratura!” Ainda ouvi. Será que em Portugal só é importante que é médico ou juiz? Não se incomodem, eu sei a resposta. Infelizmente. A pergunta é mesmo retórica. É que isto de ter DR antes do nome é muitíssimo bom… Duas letrinhas apenas, mas que abrem muitas portas, muitos sorrisos e fazem desdobrar toda uma panóplia de infindáveis e subservientes atenções. Em Portugal. Só. Graças a Deus.
Fiz o meu curso na minha paz de espírito e terminei-o basicamente com a mesma média do liceu. É claro que, sendo professora, ao fim do curso seguir-se-ia necessariamente o desemprego. E lá ouvi outra vez “E a Medicina, isso é que é uma carreira de futuro!... 22 anos, tão jovem, ainda vai tão a tempo, prometa-me que vai pensar nisso…”, curiosamente da boca de um dos meus professores, enfim… até o entendo. Mas Medicina… ainda não.
Esqueci-me de mencionar que, em parte, a minha paz de espírito (e consequentemente alguns bons resultados) ao longo do curso também se deve à Tuna de Medicina do Porto que vi pela primeira vez actuar em 98 ou 99, não me recordo ao certo, ainda no mítico Teatro Circo em Braga. Lembro-me de ter ficado completamente estupefacta e com as lágrimas a correrem-me incessantemente pela cara… A partir dessa altura guardei-lhes uma devoção extrema que conservo tal como os cds que adquiri posteriormente e que até hoje me acompanham quando estou longe de casa. E apesar de os tempos terem mudado, as pessoas serem outras e termos tido as nossas grandes diferenças, a devoção mantém-se quase inalterada (acreditem eles ou não) na esperança de voltar um dia a ficar estupefacta e chorar com a mesma alegria pura…
Bem, depois do curso não fui para o desemprego, salva pela média (dá sempre jeito ter uma média de Medicina!…) e fiquei a dar aulas na Faculdade. Descobri que essa minha actividade não o era – apenas e simplisticamente – em boa verdade, já que todos a encaravam (menos eu, até ao momento do embate com a realidade) como um cargo que, curiosamente, também se incluía no escalão DR, independentemente de ter ou não um Doutoramento – a ver não tanto pelo (sempre cordial) tratamento dos meus alunos – mas mais até pela abertura quase automática não tanto de portas, mas de sorrisos e delicadezas. Na realidade o que acontecia era o seguinte: como não me tinha ainda apercebido da importância do “cargo”, quando inquirida a esse respeito, dava invariavelmente uma definição genérica da actividade. “Dou aulas. Sou Professora.” Suspiro. Sorriso condescendente. Sorriso amarelo. Sorriso cínico. “…na Faculdade. Dou aulas na Faculdade.” “Ah, muito bem.” “…bem me queria parecer que a menina…” E assim foi-me revelada a POLISSEMIA da palavra “professor” na Língua Portuguesa, ou melhor, no país pequenino que é Portugal. É como se de repente nascesse o Sol, um sol enorme, nos olhos pequeninos dessas pessoas ainda mais pequeninas e a iluminação da constatação tomasse todo o espaço envolvente. Abrem-se sorrisos, desdobram-se atenções. Isto sem esquecer o louvor da inteligência que se impõe após a iluminação. “Tão nova…, deve ser muito inteligente...”
Acho que não existe algo denominado “oscilação de QI”. Se existe, não considero que padeça dessa maleita. Portanto, era tão inteligente nos anos em que leccionei no Ensino Superior, como naqueles dois em que dei aulas no Ensino Básico e Secundário (houve até um ano em que cheguei a trabalhar simultaneamente no Básico e na Universidade). Sou tão inteligente agora que faço investigação, como o seria se tivesse optado por constituir já família e dedicar-me a ela em exclusivo. A inteligência não é uma questão de resultados. É uma questão de abordagem, interpretação e (re)solução de problemas. Sejam eles de que ordem forem: intelectuais, sociais, emocionais, pragmáticos/quotidianos. Daí falar-se frequentemente em vários tipos de inteligência.
Tenho a certeza de que sou, em alguns campos, muito menos inteligente do que alguns meus colegas (que, sim, estão no desemprego – ou muito longe de casa, ou numa outra qualquer actividade menor, as mais das vezes exploratória e portanto mal paga – porque, pura e simplesmente, são jovens licenciados, professores, em Portugal.) E, porque já lhes disse e falámos longamente sobre isso, sei que só eu é que lhes reconheço essas qualidades. Infelizmente.
Entristece-me profundamente o facto de a Universidade não só não o ter feito – o que é gravíssimo –, mas pior, surpreende-me, como não os conseguiu motivar para o demonstrarem mais abertamente. Nem toda a gente é observadora como eu.
Fico feliz por estarem a investir em mestrados e pós-graduações, pois no dia em que depender de mim, e esse dia vai chegar, quero-os a trabalhar comigo. Definitivamente. E se não for comigo, quero-os pelo menos no cargo que a inteligência que revelam merece. Objectivamente.
Mas voltando à Medicina. Impor-se-ia agora a alusão óbvia à conjuntura (estrutura?) nacional: a inflação das médias para esse curso (sintomática do poder de certos lobbies e da luta destes pela manutenção do status quo e pelo assegurar do “negócio de família”), a assimetria entre os dezanoves e a cultura (ou falta dela) que ALGUNS futuros médicos revelam, a aberração que é ALGUNS optarem pela área ou para seguirem a tradição familiar ou para resolverem as frustrações profissionais dos pais, a enormidade que é MUITOS abraçarem tão nobre e sagrada actividade com o fito nos rendimentos (com tudo o que daí advém) só porque é a única carreira de futuro, estável e segura economicamente, no nosso país.
Não vou falar disso. Conheço gente que contradiz todos os exemplos que acabei de dar. Factualmente. Felizmente. E, apesar guardar estórias (reais, pessoais) pouco abonatórias para a classe em termos humanos e até de competência profissional, tenho fé que as novas gerações conseguirão inverter a tão portuguesa tendência da crítica gratuita com exemplos, bons exemplos, de profissionalismo e humanidade. Porque o mal das pessoas pequeninas do nosso pequenino país é considerarem os médicos criaturas sobre-humanas (seja pelos sinais de riqueza que ostentam, seja pelo esforço constante que deve ser não soçobrarem quando as cargas horárias de trabalho são francamente inumanas). Convenhamos: eles não são deuses, mas tão-somente pessoas normais, com qualidades e defeitos como as outras, humanos como nós. Admito que por vezes isso seja difícil de percepcionar até porque o português comum mais frequentemente (e conscientemente, invejosamente se calhar também…) se cruza com os que passeiam o descapotável ou jantam em restaurantes de primeira categoria do que com os que, em missões nacionais ou internacionais, tantas vezes se esquecem de si próprios em prol dos outros. São pessoas. Como nós. E os que trabalham horas e horas a fio, de dia e de noite, e passeiam o cão ao Sábado de manhã e vão ao supermercado? Pessoas. Como nós. Será que o português comum os conhece? Até é possível. Mas nunca os associará à classe. Não da mesma forma subserviente e gulosa. Portuguesa.
Mas talvez… um dia… quem sabe?...

Quando cá cheguei, tratei de arranjar alojamento e por uma série de razões acabei por alugar um apartamento num dos muitos condomínios adjacentes ao reputadíssimo Centro Médico de Houston, pelo que os meus vizinhos são TODOS alunos de… Medicina. E, acabei por perceber, têm um perfil que é universal. Ou pelo menos igualzinho aos congéneres portugueses. Têm o mesmo aspecto (típico!). Vestem igual. Estudam na mesma proporção. E falam das mesmas coisas: Medicina, Medicina, Medicina… Assim fiquei a aprender que: as cadeiras difíceis são… as mesmas (!); a actual rotação dos blocos é sempre mais injusta do que a da turma anterior; também cá existem professores a leccionar quando já deviam estar a gozar a reforma e que muitos dos profissionais pouco ou nada ligam aos estudantes que povoam os corredores. Enfim, recapitulação das estórias que sei de cor e que ouvia com fraternal atenção (e francamente com uma curiosidade infantil de tão intensa) quando estava em Portugal. A diferença é que aqui todos os futuros médicos, tal como os mais comuns dos mortais, andam de autocarro. É aí que as ditas conversas têm lugar. E, na paragem, deixam passar as meninas à frente. Mesmo que isso implique ir de pé no autocarro. Esta manhã passei à frente de uns dez, só porque, chegando na hora h, o primeiro da fila me deu o lugar. Ainda olhei para os outros com um pedido de desculpas tímido e embaraçado nos olhos. Mas todos me abanavam a cabeça que sim e sorriam. Pura e simplesmente adoráveis!
Sábado comprei uma televisão. Um colega cá do Departamento queria ver-se livre da dele e estava a pedir 10 dólares. Ainda hesitei porque estes três meses sem televisão têm sido fantásticos para mim. Tenho lido e escrito muito mais do que é costume. Já dormi ao relento apenas pelo gozo de olhar o céu, já apanhei uma senhora molha… E tudo porque só há pouco me apercebi que se não viver o momento que passa intensamente jamais o poderei capturar na memória. Porque se esvai na efemeridade do tempo. Tem-me feito bem. Muito bem, aliás. Mas, como a módica quantia de dez dólares não é nada módica em argumentos, conseguindo até ser muito persuasiva, lá sucumbi ao ímpeto consumista. Porque ver televisão é importante. Até em termos sociológicos. Sobretudo em termos sociológicos. Porque de resto, é tal como em Portugal: quase nada se aproveita. Os blocos informativos, porém, têm a duração de 30 minutos. Ah, civilização!...
Então, assim que liguei a televisão, pasmei ante a natureza dos anúncios publicitários deste país. Qual sumo, qual pacote de bolachas, qual detergente, qual esfregona mágica!?… Aqui anuncia-se saúde. Medicação para tudo. Medicação. Para baixar o colestrol, para as falhas de memória, para a insónia, para a disfunção eréctil, para a depressão… Quase exclusivamente medicação. De quando em vez, muito de quando em vez, um cartão de crédito, um ou outro restaurante de comida rápida, um carro (Chevrolet, o “chevy” dos americanos, pois claro!). Fiquei extremamente surpreendida. Apanhou-me desprevenida. Mas estive a pensar e faz todo o sentido. Num país onde circula tanto dinheiro, onde tudo é adquirível por (quase) todos, a única coisa que lhes falta, por não ser, precisamente, adquirível, é mesmo a saúde. Se calhar, por isso também (porque ninguém está imune) é que abundam as séries televisivas que espelham ou retratam (ou, mais realisticamente, pretendem impor) uma mundividência hospitalar baseada no dia-a-dia, nas relações humanas referentes aos doentes e muito especialmente ao pessoal médico. Senão vejamos: E.R., Scrubs, Grey’s Anatomy, House, M.D. – as que conheço até agora, pode haver mais…
Quando era adolescente vibrava com o “E.R.” Acho que toda uma geração passou pelo mesmo. Já vi cá episódios actuais e, como todas as séries televisivas que se estendem para além do admissível, desiludiu-me um pouco. Mudaram as personagens, mudaram os cenários, mudou o carácter dos que ficaram, mudou o olhar… É como se de uma outra série se tratasse. E essa será porventura a melhor maneira de a ver: fugindo às comparações – dessa maneira já não desilude. “Scrubs” é do tipo de comédia que me passa absolutamente ao lado. Não gosto. Já tinha visto na TV Cabo e não gostei e apesar de aqui estar muito avançada, continuo a não simpatizar com o personagem principal e com a orgânica da série em geral. “Grey’s Anatomy” parece-me um decalque baratinho dos bons tempos do E.R. e dispenso fotocópias ou imitações (apesar do trocadilho/jogo de palavras que preside ao ao título ser excelente!). “House, M.D.” vi há dias o primeiro episódio da segunda temporada na Fox, não conhecia. Surpreendeu-me quase tanto como a profusão de propaganda médica nos intervalos para publicidade. É claro que é mais uma série, americana, e desta feita, uma série de suspense. Puro suspense. Pelo que me foi dado a entender, de cada vez, uma pessoa com sintomas estranhíssimos vai ter ao hospital onde trabalha o House, M.D. (importante, não esquecer!) e ele, numa luta, desigual e injusta, contra o tempo, tenta salvar o paciente em questão. Suponho deve ser bem sucedido a cada episódio. Ontem foi. Mas os insucessos também lá estão, num passado que paira sobre a cabeça do dito qual espada de Damócles. A série não ganhou, por agora (não tenho tempo!), mais um espectador, mas gostei do ambiente humano, da história e dos perfis que traçaram, especialmente para o House: meia-idade, esbanjando charme, louco – unanimemente considerado louco, audaz, determinado, incansável, altruísta, louco, louco, louco. Louco ao ponto de deixar um jantar de caridade, chiquíssimo, uma pilha enorme de fichas ganhas à colega cheia de si e o amigo, marido da colega, para atender um miúdo de sete anos, paciente da colega, com aparentes sintomas de desidratação provocados por uma diarreia. Louco ao ponto de trazer consigo da festa os três internos para juntos tentarem perceber o que se estava a passar e procederem às análises/despistagens necessárias. Louco ao ponto de em circunstância alguma retirar à colega o sabor da vitória ao jogo, ardilosa e conscientemente instilado por ele via telemóvel através do amigo. Louco por persistir. Louco por acreditar. Louco por ser como é.
Apesar da loucura e da pouca ortodoxia dos métodos deste homem, eu que tenho pavor à doença e consequentemente aos médicos, sentir-me-ei segura se houver nearby um médico assim.
Parece-me que a série está a passar agora em Portugal. Acho que quando regressar terei mais tempo livre e portanto vou dar uma hipótese ao House. Aliás, basta atentar no percurso de Hugh Laurie - de britânico típico a médico americano atípico! -, de George, príncipe-regente da 3ª série de Blackadder, passando por pai do Stuart Little, a House, M.D. - genial!

sexta-feira, abril 21, 2006

...mesmo se vida bai amanhã...


Voá borboleta, abri bôs asas e voá
Bem trazêm quel morabeza
Qaund m'oiábô
Bô ca têm ninhum tristeza
Mesmo si bô ta morrê manhã
Dôr ca ta existi pa quem voá

Borboleta, borboleta
Abri bôs asas e voá, mesmo se vida bai amanhã
Borboleta...Se um prende vivê ess vida
Cada dia voá

É um mensagem ap tude gente
Qui tá sobrevivê, tude alguêm sim força pá voá vivê
Lá na mei de escuridão,
Nôs podê encontra razão
Só nôs credita
Nôs podê voá

Borboleta, borboleta
Abri bôs asas e voá
Mesmo se vida bai amanhã
Borboleta
Nôs podê vivê nôs vida
Cada dia voá

Sara Tavares

quinta-feira, abril 20, 2006

Supõe

Supõe que já cruzamos pela vida
Mas nos deixamos sempre para trás
Porque eu andava sempre na avenida
E tu corrias pelas transversais

Supõe que num comício colorido
A praça, enfim, vai nos conciliar
Supõe que somos do mesmo partido
Supõe a praça a se inflamar
Bandeiras soltas pelo ar
E tu começas a cantar
Supõe que eu vibro, comovida
E supõe que eu sou tua canção

Supõe que te apresentas como amigo
E me perguntas nome e profissão
Comentas que faz sol, ou tem chovido
Ou outro comentário sem razão
Supõe que eu te observo, compreensiva
Porém não tenho nada a acrescentar
Supõe que falas coisas dessa vida
Como querendo aparentar
Que tu tens muito o que contar
Que és um tipo original
Supõe que rio, divertida
E supõe que eu sou tua canção

Supõe que nós marcamos um cinema
Mas chegas lá pro meio da sessão
Pois teu trajeto tem algum problema
Que só te leva numa direção
Supõe que agora a tela me ilumina
Tu ficas assistindo ao meu perfil
Supõe a minha mão tão recolhida
Que não percebe a tua mão
Que não percebe a minha mão
Que não é sim, que não é não
Supõe que eu sigo distraída
E supõe que eu sou tua canção

Supõe que a boa sorte é nossa amiga
E que das 3 às 5 pode ser
Meu pai acaba que dobrar a esquina
E tu vens me encontrar, enfim mulher
Supõe que sem pensar nos abraçamos
Supõe que tudo está como previmos
É a primeira vez que nos amamos
Supõe que falas sem parar
Supõe que o tempo vem e vai
Supõe que és sempre original
Supõe que nós não nos despimos
E supõe que eu sou tua canção

Chico Buarque

quarta-feira, abril 19, 2006

DEIXA-ME RIR!!!!!!!!!!!


Um jornal croata, mais concretamente o "Jutarnji list", publicou ontem uma polémica entrevista de Joseph Blatter, presidente da FIFA. Ora, por estranho que possa parecer, tenho de confessar não ser um leitor assíduo da imprensa croata. Assino um ou outro tablóide sérvio, não perco a imprensa desportiva tchechena, mas os jornais croatas passam-me ao lado. Não sei se o "Jutarnji list" é um jornal de referência ou um pasquim, se é credível ou incrível, se é o Público ou o Inimigo Público e, enquanto não o souber, tenho que admitir a possibilidade de tudo não passar de um enorme equívoco ou até de um erro de tradução. Se não for nada disso, se Blatter disse mesmo o que vem lá escrito, então talvez seja altura de começar a equacionar a obrigatoriedade da realização de testes psicotécnicos para avaliar a inteligência dos candidatos à presidência da FIFA. Entre outras coisas que lhe são atribuídas, Blatter terá dito que uma delegação de Portugal - não especifica quem, nem a que título, nem como raios representavam Portugal - se terá queixado de pressões por parte de vários políticos e empresários no sentido de forçar a convocação de Vítor Baía para a selecção portuguesa contra a vontade de Scolari. E terá ido mais longe, garantindo que "os poderosos" insistem que Baía seja convocado pelo menos como terceiro guarda-redes. E para quê? Para poderem vendê-lo por um preço maior, claro. Bonita a forma como o presidente da FIFA terá reduzido Portugal a uma espécie de República das Bananas ao melhor estilo da América Latina onde os políticos e os empresários não têm nada melhor para fazer senão pressionar o seleccionador nacional. Já estou a ver José Socrates e Belmiro de Azevedo agarrados ao telemóvel a tratarem de tudo. Mas o melhor, a cereja no topo da asneira, é que toda esta corrupção tenha como objectivo forçar uma fantástica valorização de Vítor Baía chamando-o ao Mundial como terceiro guarda-redes. Depois de 80 jogos pela Selecção, depois de oito títulos de campeão nacional, de quatro Taças de Portugal, de sete Supertaças, de uma Liga dos Campeões, de uma Taça UEFA, uma Taça das Taças, uma Taça Intercontinental, um título de campeão de Espanha, uma Taça do Rei e uma Supertaça espanhola, aos 36 anos, Vítor Baía é um desconhecido e só precisa desesperadamente de um empurrãozinho de Scolari. Se ao menos o seleccionador o chamasse, nem que fosse para terceira opção, então sim, os grandes clubes europeus perderiam a cabeça oferecendo o céu e a terra para o contratar. De facto, como dizia a minha avó, não há limites nem fronteiras para a estupidez.
JORGE MAIA
In "o Jogo", 19/04/06

segunda-feira, abril 17, 2006

De um adeus agridoce a "Morangos": FRANCISCO, até sempre!


"... porque juntar um nome (conhecido, de uma pessoa querida) a uma morte trágica de acidente de viação é mais horrível que um número ..." (porque fere cruamente, magoa...)

NOME: FRANCISCO AMARO RODRIGUES ADAM.

13 DE AGOSTO DE 1983 - 16 DE ABRIL 2006.

SIGNO: GÉMEOS.

CLUBE: SPORTING.

SONHO DA SUA VIDA: DAR A VOLTA AO MUNDO.

Para memória futura.

Que bom agora estar assim por dentro!...





Porque sim.

Porque existem pessoas que trazem a Primavera no coração.

Porque existem pessoas que naturalmente plantam a Primavera no coração dos outros.

Porque existem pessoas que espontaneamente embrulham a Primavera em papel de alegria e atam fitinhas de risos e oferecem a Primavera com o olhar.

Porque um almoço internacional de Páscoa, ao sol, no jardim, em boa companhia, consegue chegar muito perto da perfeição.

Porque a perfeição é a doce serenidade da fruição da beleza.

Porque existe uma beleza absolutamente inefável nas pessoas que conversam como se desfiassem pérolas ou espalhassem pétalas ou aspergissem perfume.

Porque palavras e sorrisos são música. E a música faz bem à alma.

Porque a música embala, encanta, encadeia e embriaga.

Porque sim.

A felicidade é uma coisa simples.

Ai Pascal, Pascal...!

domingo, abril 16, 2006

Bom Domingo!!!




Yam... yam..., agora a salivar (mais que os puppies do sr. Pavlov) outros afazeres requerem a minha atenção... Doces beijos para todos. Aproveitem o dia!

Uma das mais belas definições de Páscoa...

Pela voz contrafeita da poesia

Dá-nos os passos os teus passos
de manhã triunfal de cidade à solta
os gestos que devemos ter
quando a alegria descobrir os dedos
em que possa viver toda a vertigem
que trouxer da noite
os primeiros dedos do sonho
do teu sonho nosso sonho mantido
mesmo no mais íntimo abandono
mesmo contra as portas que sobre nós:
em silêncio e noite
em venenosa ternura
em murmúrio e reza
se fecharam já
mesmo contra os dias vorazes
que por todos os lados nos assalta
me consomem
mesmo contra o descanso eterno
a viagem fácil
com que nos ameaçam vigiando
todo o percurso do nosso sono
interminável sono coração emparedado
no muro cruel da vida
desta que vivemos que morremos
assim esperando
assim sonhando
sonhando mesmo quando o sonho
ignorado recua até ao mais íntimo de cada um de nós
e é o gemido sem boca
a precária luz que nem aos olhos chega

Não digas o teu nome: ele é Esperança
vai até aos que sofrem sozinhos
à margem dos dias
e é a palavra que não escrevem
sobre as quatro paredes do tempo
o admirável silêncio que os defende
ou o sorriso o gesto a lágrima
que deixam nas mãos fiéis

Não digas o teu nome: quem o não sabe
quem não sabe o teu nome de fogo
quem o não viu entrar na sua noite
de pobre animal doente
e tomar conta dela
mesmo só pelo espaço de um sonho

O teu nome
até os objectos o sabem
quando nos pedem um uso diferente
os objectos tão gastos tão cansados
da circulação absurda a que os obrigam

As coisas também gritam por ti

E as cidades as cidades que morreram
na mesma curva exemplar do tempo
estão hoje em ti são hoje o teu nome
levantam-se contigo na vertigem
das ruas no tumulto das praças
na espera guerrilheira em que perfilas
o teu próprio sono

*
Ah
onde estão os relógios que nos davam
o tempo generoso
os dedos virtuosos os pezinhos
musicais do tempo
as salas onde o luxo abria as asas
e voava de cadeira
em cadeirade sorriso em sorriso
até cair exausto mas feliz
na almofada muito azul do sono

Onde está o amor a sublime
rosa que os amantes desfolhavam
tão alheios a tudo raptados
pela mão aristocrática do tempo
o amor feito nos braços no regaço
de um tempo fácil
perdulário
vosso

Hoje não é fácil o tempo
já não é vosso o tempo
viajantes do sonho que divide
doces irmãos da rosa
colunas do templo do Imóvel
prudentes amigos da vertigem
deliciados poetas duma angústia
sem vísceras reais
já não é vosso o tempo.

Noivas do invisível
não é vosso o tempo
Relógios do eterno
não é vosso o tempo

*
Impossível

Impossível cantar-te
como cantei o amor adolescente
colorindo de ingenuidade
paisagens e figuras reduzindo-o
à mesma atmosfera rarefeita
do sonho sem percurso no real

Impossível tomar o íngreme caminho
da aventura mental
ou imaginar-te pelo fio estéril
da solitária imaginação

Tão-pouco desenhar-te como estrela
neste céu infame
dizer-te em linguagem de jornal
ou levar-te à emoção dos outros
pela voz contrafeita da poesia

Impossível

Impossível não tentar dizer-te
com as poucas palavras que nos ficam
da usura dos dias
do grotesco discurso que escutamos
proferimos
transidos de sonho no ramal do tempo
onde estamos como ervas
pedrinhas
coisas perfeitamente inúteis
pequenas conversas de ferrugem de musgo
queixas
questiúnculas
arrotos comoventes

*
Mas de repente voltas
numa dor de esperança sem razão de ser

Da sua indiferença
agressivamente as coisas saem

Sentimo-nos cercados
ameaçados pelas coisas
e agora lamentamos o tempo perdido
a dispô-Ias a nosso favor

Porque é tempo de romper com tudo isto
é tempo de unir no mesmo gesto
o real e o sonho
é tempo de libertar as imagens as palavras
das minas do sonho a que descemos
mineiros sonâmbulos da imaginação

É tempo de acordar nas trevas do real
na desolada promessa
do dia verdadeiro

*
Nesta luz quase louca
que se prende aos telhados
às árvores aos cabelos das mulheres
aos olhos mais sombrios
falamos de ti do teu alto exemplo
e é com intimidade que o fazemos
falamos de ti como se fosses
a árvore mais luminosa
ou a mulher mais bela mais humana
que passasse por nós com os olhos da vertigem
arrastando toda a luz consigo

Alexandre O´Neill (1924 - 1986)
"Poesias Completas 1951/1981",
Biblioteca de AutoresPortugueses, Imprensa Nacional - Casa da Moeda

sábado, abril 15, 2006

SAUDADES (IV)





Ponte S. Luis (Eiffel), Ponte da Arrábida, Palácio de Cristal.

Catálogo de Saudades

Meu querido amor da minha vida, e eu que tanto queria escrever-lhe uma carta que a acompanhasse, como um espécie de mapa que nos dissesse respeito, só a nós, para cada um de nós saber, a cada momento, onde é que o outro está e como está. Pensei, pensei, achei que não era capaz de lhe dizer aquilo que gostava de saber exprimir completamente por me transtornar de mais só de pensar em si, em termos que as palavras não conseguem formular, e também por me ocorrer que há vários dias que não nos vemos e que você também se dê conta de como isso é insuportável.
Senti-me, sinto-me já tão amarrado a tristezas, mesmo antes de esses tempos começarem, que me parece às vezes que o melhor seria fazer um catálogo de saudades para que soubéssemos sempre situar-nos a partir delas e para que nos enternecêssemos com um exercício em que nos poderíamos recapitular, fosse de dia, fosse de noite.
Tudo ponderado, se é que se pode dizer assim nestas minhas circunstâncias tão emotivas e tão desoladas, achei que temos e vamos continuar a ter várias saudades de diferente natureza que vou procurar descrever enquanto o meu carro avança como se seguisse sem destino e a vejo sorrir comovida, como só você sabe sorrir e comover-se, à medida que vai lendo e as vai sentindo tantas e tão fundas, tão lancinantes, como eu.
A primeira saudade é a de um bem-estar fulgurante e tranquilo, de uma sensação que inunda alma e corpo por dentro e que nos leva a sentir que nada está fora do seu lugar, que se está certo nesse lugar e certo na relação de um com o outro, que tudo é musical e luminoso, que a harmonia está numa compreensão íntima a vir de uma tensão permanente de ternura, inteligência, sensbilidade e desejo.
A segunda saudade é a de ver e ouvir, de perto, de se estar ao pé um do outro, de haver olhos que se olham, caras que se vêem, risos deslumbrados que se têm, palavras que se dizem ou é como se fossem ditas, gestos que se fazem ou apenas se esboçam, e de sentir que nisso se é naturalmente intensional nos recados que se dão por cada um desses meios, como se é naturalmente capaz de adivinhar e de decifrar tudo o que se quer realmente dizer.
A terceira saudade é a que se liga aos momentos mais importantes que se vivem, passeios e paisagens, deambulações, pessoas que se passam a conhecer, coisas que se contam, confidências repentinamente tornadas necessárias, sonhos e palpites, expressões que se surpreendem, efeitos de luz, flores, ruídos do campo e do mar, músicas tantas vezes ouvidas quando se atravessa a noite, cores e sabores, emoções em que o íntimo e o de fora se combinam de um modo único e partilhado como não se pode acreditar que a mais ninguém tenha acontecido, em que o que já se passou continua a estar presente e é cada vez mais intenso e activo.
A quarta saudade é a do contacto da pele: mãos que se apertam e percorrem, afagos que se aventuram, bocas que se encontram, sensações que se sabem de cor e se querem inesgotáveis, corpos à beira de explodir ansiosos, tanta fome e tanta sede, liberdade e pudor, impaciência e timidez, contenção e promessa, tudo a renovar-se e tornar-se ilimitado a cada momento, repassado de uma doçura que nenhumas palavras conseguem descrever.
A quinta saudade é a da vida prática do dia-a-dia, ideias e projectos, tentativas e certezas, coisas que têm conta, peso e medida, espessura, ritmo, existência concreta, efeitos reais, coisas que se vão criando porque se está a remar na mesma direcção e se tem consciência disso, coisas que são reciprocamente induzidas e aperfeiçoadas, combinações de risco e de bom senso que se sente que resultam graças a esse empenhamento e a uma alegria da seriedade com que são postas em andamento.
A sexta saudade é a que faz com que um esteja sempre a falar com o outro e a fazer parte dele, a respirar nele e a existir nele, veia a veia, fibra a fibra, tecido a tecido, músculo a músculo, a ter de dizer-lhe sempre do seu amor das maneiras mais variadas e a propósito das situações mais diversas, com efeitos de luz e sombra, veemência e desvario, ansiedade e contentamento, sem nunca querer ou ser capaz de distinguir esse amor da própria vida e a só conseguir ser feliz assim.
A sétima saudade é a mistura transbordante de todas as anteriores, criando uma dimensão em que cada uma delas leva a todas as outras e recupera todas as outras, como se estivesse a olhar um caleidoscópio, ou como se estivesse dentro dele e fosse parte activa desse universo de reflexos interactivos, de brilhos, jogos de espelhos, formas coloridas, tempos sempre em mutação, espirais alucinantes mas invariavelmente ancoradas no coração das coisas e no coração propriamente dito e uníssono: é uma saudade que funciona como uma espécie de cursor no tempo, deslizando para trás e para a frente, girando em todas as direcções, revivendo as anteriores, inventando as próximas, entrançando uma e outras, agarrando-se a esperanças, sobressaltando-se com acasos, e sofrendo, sofrendo, sofrendo, só de pensar que se pode estar a uma distância de dias ou de apenas umas horas.
Vasco Graça Moura in “Meu amor, era de noite”

quinta-feira, abril 13, 2006

PARABÉNS, PIQUININHA!!!


Hoje a “piquininha” faz anos. Dezanove.
A “piquininha” tem vários epítetos que, com o passar do tempo ascenderam à categoria de nomes (alternativos). Porque nós assim a chamamos, também e muitas vezes, chama-se “piquininha”, “Cockie”, “Tootsie” “Toot”, “fofix”, etc.
A “piquininha” também tem um petit nom, de uso restrito, exclusivamente familiar: lá em casa é a Nininha. E a explicação é simples (senão óbvia!); precisamente por ser a mais nova dos quatro é a “(pequi)nininha” de toda a gente. Dos pais, das manas e do mano, bem entendido.
A “piquininha” tem finalmente um nome, como temos todos. Mas o dela é especial: Agostinha. Ora nem mais, um diminutivo, cheio de carinho, amor e ternura até às bordas, mas um diminutivo. Porque ela é a nossa mais nova, benjamim, caçula/caçulinha, é a nossa “piquininha”. Vai ser sempre! Digo-lho constantemente. E até mesmo quando tiver noventa e muitos anos, andar de bengala e lhe rarearem os dentes, eu continuarei a dizê-lo, do alto dos meus cento e muitos, da mesma forma sentida.
Ser o mais velho é difícil. Não obstante, tenho muitas vezes a sensação de que, a existir realmente um, o estatuto do primogénito é constantemente alvo de desejo potencial, inveja ou cobiça, especialmente da parte dos irmãos mais novos. Aparentemente, ser-se o irmão mais velho só traz vantagens. São as roupas e os livros que são novos, são os professores que fixam o nosso nome com interesse, é a autoridade e porventura o monopólio em algumas situações domésticas… Eu não concordo. Na verdade, sou a mais velha, mas vantagens creio que têm os mais novos e em dobro, no mínimo. Aliás, quanto mais novo, maiores e mais numerosas vantagens. Na mentalidade dos pais; na estabilidade profissional e financeira entretanto adquirida; na maior proximidade que esse desafogo trouxe; no apoio, acompanhamento e partilha de experiências com os pais e mesmo inter-irmãos… Em tantas coisas! Não concordo, mas entendo. Roupas usadas, livros escritos, falta de identidade própria – “a irmã ou o irmão de…” –, eu entendo, opções constantemente pesadas, comparações…, eu entendo.
E se entendo foi pela revolta da “piquininha”. É que ela tem um feitiozinho! (novamente o diminutivo…) Digamos que é um furacão com vocação para sindicalista. Porém, a maior parte das vezes tem razão. E isso, apesar de não me agradar no momento – no calor das nossas discussões –, agrada-me profundamente depois, quando racionalizo. A capacidade crítica é uma grande virtude e deve ser cultivada por todos os homens. E ela é exímia nisso. Na crítica fundamentada – tornada fundamental (!), na captação imediata, quase instantânea (e invariavelmente correcta) de personalidades e na (invejável para mim) arte de mandar “indirectas”. Nunca na minha vida conheci ninguém cuja agilidade de raciocínio e prontidão de resposta fosse tão extraordinária. E sempre adequada. Por entre um sorriso ou de semblante fechado, conforme o receptor. Adoro! Invejo! Considero sinónimo de inteligência, garra, segurança, perspicácia e sobretudo maturidade.
A rapariga é, além disso, um poço de mimo. E a culpa é unicamente minha. Admito. Mas não lhe resisto. Desde tempos imemoriais foi assim. Em miúda andava sempre com ela ao colo. E alinhava nas suas aventuras malucas. Tal como daquela vez em que se atirou da escada para o meu colo. Fenomenal! Escusado será dizer que ela já não era assim tão pequena e o impacto fez-nos cair às duas. Felizmente, eu amparei-lhe a queda. Não aconteceu nada de grave. E ainda hoje nos rimos quando recordamos esse episódio. Ri-se mais ela (da minha triste figura!) do que eu, mas enfim… É verdade que às vezes dá-lhe uma preguiça, mas é tão fofinha!... Por isso não entendo quando me dizem que lhe dou mimo a mais: se tenho tempo livre e até me apetece espairecer, porque não a hei-de levar às aulas?
Tudo nela é Arte. Ela é Arte. E penso muitas vezes que a Arte é ela. Que ela e a Arte são um só. E que só a Arte pode explicar tudo o que ela é.
Um dia será com certeza uma grande Violinista. Sei. Sabemos todos. Saberá ela? Nasceu para isso. E essa evidência é tão óbvia e natural que, quando toca, – dizem os colegas – toca como um anjo. Quanto a mim, que nunca vi anjos, mas que já a vi tocar e conheço desde sempre o bom coração (por vezes demasiado bom!), o apego à amizade (nem sempre vantajoso), a defesa da união familiar e do valor individual, a ausência de preconceitos, a honra e a fidelidade à palavra dada, considero que está de parabéns o Mundo por haver um ser humano assim, está de parabéns a Música por ter uma executante tão dotada, estou eu e estamos Nós, família, de parabéns por ela fazer e ser parte da nossa vida. O nosso “anjinho”.

Parabéns, “piquininha”!

terça-feira, abril 11, 2006

O Seu Olhar

seu olhar lá fora
o seu olhar no céu
o seu olhar demora
o seu olhar no meu
o seu olhar, o seu olhar melhora
melhora o meu

onde a brasa mora e devora o breu
como a chuva molha o que se escondeu
o seu olhar, o seu olhar melhora
melhora o meu

o seu olhar agora,
o seu olhar nasceu
o seu olhar me olha
o seu olhar é seu
o seu olhar, o seu olhar melhora
melhora o meu

Marisa Monte

segunda-feira, abril 10, 2006

Dez boas razões porque é bom viver nos E.U.A.

1) Poder ir comer fora em fato de treino, ler ou simplesmente apanhar sol, sentada na relva, em pleno campus, sem quaisquer olhares de reprovação ou comentários ou cochichos.

2) Poder ser vegetariana e ver essa opção premiada com um vasto leque de opções de pratos e sítios variados e em todos comer bem.

3) Espaços informativos de 30 minutos e intervalos publicitários de 7 minutos.

4) As melhores séries (ER, CSI, Lost, 24, Seinfeld...) muito mais avançadas.

5) Acordar às seis da manhã e ir para o Departamento trabalhar a essa hora e ver que muita gente faz exactamente o mesmo. Alegremente.

6) Polidas conversas de circunstância. Em todo o lado: na paragem, no supermercado, nos correios, na pastelaria...

7) Meritocracia: poder ser-se branco, preto, amarelo, verde, gordo, magro, baixo, alto, tímido, simpático, modesto, intratável... o que interessa é a capacidade de fazer o que mais ninguém faz.

8) Ir no autocarro, notar que sou a única pessoa branca, contar umas outras quatro raças e ver a observação reconhecida com uma piscadela indiana...

9) Subir ao septuagésimo quinto andar de um prédio, olhar - sequiosa - a cidade minúscula lá em baixo, ganhar asas e planar sobre a urbe.

10) Comprar muito bons livros a partir de 90 centimos! (Bookstores mass culture!!!)

Ai..., ai... Ainda vou ter saudades disto!...

domingo, abril 09, 2006

A perfeição, a graça, o doce jeito


A perfeição, a graça, o doce jeito,
A Primavera cheia de frescura
Que sempre em vós florece, a que a ventura
E a razão entregaram este peito;

Aquele cristalino e puro aspeito,
Que em si compreende toda a fermosura,
O resplandor dos olhos e a brandura,
Donde Amor a ninguém quis ter respeito;

S'isto, que em vós se vê, ver desejais,
Como digno de ver-se claramente.
Por muito que de Amor vos isentais,

Traduzido o vereis tão fielmente
No meio deste espírito onde estais
Que, vendo-vos, sintais o que ele sente.

Luís Vaz de Camões


Pelos vistos há cinco séculos atrás já havia gente assim... à "Mary Poppins": PERFECT IN EVERY WAY!

SINGULARIDADES DE UM GUARDA-CHUVA COR-DE-LARANJA

Muitas coisas na vida são inexplicáveis. O tudo (ou o nada) que eu sou é inexplicável. Absolutamente inexplicável. Inusitado. Estranho. Extraordinário, às vezes, para alguns. Diferente. Orgulhosamente diferente, para mim.

Quando eu era pequena tinha um guarda-chuva cor de laranja.
Em boa verdade, laranja era apenas o fundo do tecido. Além disso, tinha padrões de leves linhas azuis claras, umas, e castanhas, outras, que ou eram verticais, ou se entrecruzavam ambas. Não sei ao certo. Essas linhas terminavam, cada uma, com um desenho magnífico de uma rosa branca, de contornos castanhos, que coincidia com a bolinha branca que prendia o tecido à vareta, na borda do guarda-chuva. As linhas coincidiam com as varetas, as flores com as bordas do dito. A pega, em forma de caracol, era branca, e de plástico, e a base – ponto de apoio do guarda-chuva fechado –, no mesmo material, tinha uma forma encantadoramente esférica. Não era uma sombrinha. Não tinha folhos, nem rendas. E certamente haveria outros muito mais bonitos. Era apenas um entre muitos guarda-chuvas de criança. Mas era o MEU guarda-chuva. Eu gostava dele. Inexplicavelmente. Como tudo aquilo de que gosto.
Recordo-me dele ao pormenor, mas quando me dizem que sempre fui uma criança sui generis (!) – bonomia parental típica – quanto mais não fosse porque passava o tempo toda agarrada a um guarda-chuva e desprezava as bonecas e até os carrinhos que, em desespero de causa, os meus pais tinham comprado para mim, tudo fica turvo e se esvai nas brumas da memória. Bonecas? Carrinhos? Não me recordo.
“De trapos, de lã, de louça, Barbies, Cindies, Kens, peluches, bebés-chorões, carecas, coelhinhos à Duracell...” Não sei. Não me lembro. Lembro-me vagamente...
“Lá está, eram-te mesmo indiferentes!” Ainda o são. Hoje. Actualmente.
Mas lembro-me do guarda-chuva laranja. E da Pantera Cor-de-Rosa. Aparentemente, os meus únicos companheiros de lazer. Os únicos que me despertavam o interesse. Para espanto de toda a gente. Admito que uma Pantera Cor-de-Rosa em pelúcia, quase do meu tamanho nessa época, não é certamente o brinquedo prototípico das meninas. E apesar de ter estado muito em voga no dealbar dos anos 80, quando nasci – até porque estava a passar na televisão em desenhos animados, poucas crianças de tenra idade terão simpatizado com a figura desconcertantemente descontraída da pantera. Além do que a acutilância, a inteligência e a crítica personificadas por esta singular personagem tinham, julgo, como público-alvo uma faixa etária bem mais madura. Aliás, de menina a pantera só tem mesmo a cor. Os critérios para tão peculiar e porventura apurada selecção? Nem eu sei. Por isso, entendo naturalmente o espanto, a estranheza dos adultos e até a frustração da inexplicabilidade que o inusitado contém. Sempre. Não sei como não me levaram a um psicólogo. Na verdade, suponho que escapei à consulta do especialista por ser uma criança muito pacata: nunca fazia ondas, não mexia em nada, nunca saia do lugar e falava muito pouco. Preferia observar. Se calhar daí adveio o fascínio pela Cor e talvez o critério que tenha presidido à selecção e eleição desses dois “porta-brinquedos” tenha sido esse mesmo. Eis, então, uma explicação possível. Talvez…
A Cor.
Recordo-me, com efeito, dos livros de colorir que, da mesma forma, me costumavam entreter (e muito!), mas só até ao momento em que descobri a pintura, no infantário. Duvido que em tão tenra idade me tivesse apercebido da função catártica subjacente ao exercício, ofício, sacramento, devoção a qualquer arte ou da respectiva capacidade criativa, alternativa, individual, grupal, humana e humanista. Mas adorava pintar. E criava. Das minhas mãos saíam telas lindíssimas. Absolutamente fantásticas. Ou tanto quanto o podem ser as pinturas de uma criança de quatro anos. Até há bem pouco tempo tinha a minha primeira “obra de arte” pendurada no meu quarto, em frente à cama. E, a cada noite, de cada vez que ia dormir, olhava para aquele turbilhão de cores – as mais das vezes por entre um suspiro de êxtase e o friozinho bom que o contentamento coloca normalmente no estômago – e ouvia dizer dentro: “Fui eu que fiz!” Outras vezes olhava para aquela sopa de arco-íris, um arco-íris muito próprio, sui generis – como diriam os meus pais –, característico, meu… com uma saudade, um aperto e uma pena… De não poder saltar para dentro do amarelo. De não me poder esvair e misturar com o laranja. De não conseguir agarrar o vermelho e respirar o verde. De o tempo não poder voltar para trás. De não mais ser criança. De não mais pintar. De não mais saber pintar. De não mais poder espreitar para dentro do caleidoscópio, cair no precipício, desintegrar-me na admirável pluritonalidade da cor e criar.
O quadro acompanhou-me quase um quarto de século e depois foi-se, quebrado acidentalmente por alturas das limpezas de Verão. O guarda-chuva não cresceu comigo, tornou-se inadequado, esbranquiçou-se pelo uso e pela fidelidade. Foi-se. A Pantera Cor-de-Rosa não acompanhou o meu crescimento, tornou-se inadequada, e foi perdendo a cor e a suavidade, envelheceu. Foi-se. A pintura ficou com a infância. Nem sei porquê. E este facto é tão inexplicável como a minha adoração pelo guarda-chuva em detrimento das bonecas.

O quadro foi-se, tal como o guarda-chuva cor de laranja, a Pantera Cor-de-Rosa, a pintura e a infância.
Ficou a cor.
Em mim. Na Natureza. No mundo. Na vida.
Nas folhas, nas flores e nos frutos; na pele; no entardecer e no amanhecer; nos cabelos; nas paredes, nas portas e nas janelas; nos olhos; na luz, nos reflexos e na sombra; nos céus; no chão, na terra, nos rios e no mar; nos animais; na noite e no dia; nas nuvens e nas estrelas; no sol e na lua; em mim... e em nós...

Ficou a Cor: fascínio, criação, enleio, vertigem, poesia, vida.