segunda-feira, dezembro 18, 2006

Hoje... chuva

Quando Deus criou os pássaros
disse: ide e voai
e aos homens disse:
ide e dominai as asas

mas os humanos não seriam
perfeitos como as aves
nunca souberam dar às asas
a correcta função da liberdade

construíram gaiolas
para amar os pássaros
e amá-los
foi essa perversa e patética forma de os ter encarcerados

Deus
dá-me outro dom de imaginar
que não seja
o de erigir palácios gradeados
desamparados simulacros de ninhos
onde o rasgo do olhar se quebra
e a vontade endurece como os ossos.

Irene Lucília de Andrade
Hoje quis tanto, tanto, tanto voar para aqui... É sempre assim, o querer muito obstaculiza tudo. Tremendamente. Hoje aliou-se ao tempo. Choveu todo o dia. Lembrei-me deste poema. O tempo todo.
Quando chove em Houston, chove torrencialmente. Não há guarda-chuva suficientemente grande, nem impermeável eficiente o bastante. Por isso (e porque só posso vir a pé para o campus), quando chove, fico a trabalhar em casa - até a chuva passar. Normalmente leva uma manhã, ou uma tarde, só muito raramente o dia todo, como hoje. Estava em casa a tentar trabalhar, tentar muito, muito esforçada, a tentar resgatar o coração daqui e a pô-lo lá, no trabalho. Um custo!
Mas chuva é recolher obrigatório e portanto nada a fazer! ... a não ser que alguma portuguesa burocracia, meaning urgente e sem qualquer aviso prévio, me force a ida aos correios ou ao banco, neste caso, hoje, a ambos.
Correio - checked. Banco - checked. Calças ensopadas até aos joelhos - checked. Sopa de sapato - checked. Tudo feitinho, exasperação e falta de paciência com mana mais nova- mais-linda-e-fofinha-do-mundo, e tentativa frustrada consolo da mãe-mais-querida-do-mundo incluidos, tudo direitinho, tudo certo. Com direito à já esperada, mas sempre surpreendente, molha monumental. (Note to self: não mais usar sapatinho Puma até à Primavera.)
Bem, pássaro molhado, desconsolado, amargo, revoltado, impotente, gelado (já disse molhado?), espirrante, pré-constipado, consegue voar. Vim para cá. Devia ter vindo muito mais cedo.
Recebi o abraço mais quente e terno e forte e suave e... ai, bom do Mundo! Aqueceu-me o coração. (Os pés deixamos para outra altura.)
Diziam-me há dias que escrevo com o coração. Não me parece. Mas acho que faço parte da vida de quem escreve. Exactamente assim.

4 comentários:

Anónimo disse...

OLÁ joaninha

Escreves com a razão, mas dás um toque encantador com o coração.
Cuidados com as molhas!

Beijinhos

Joana disse...

Rui,

Encantador, encantador é cada um dos seus comments (já para não falar num deslumbre de blog de fotografias... meu Deus que assombro!

Jinhos

Anónimo disse...

É de posts assim que se faz o melhor blog online que conheço!!! E isto não é por aprtilharmos 50% dos genes, porque eu infelizmente não escrevo assim!!! Ou melhor, tenho os 50% errados :P.. enfim, fiquei completamente high com este e o do Nicolas, é cerdade sim senhor, eu presenciei o relato da cena em tempo real, verdadinha!!!

Beijinhos, beijinhos do Porto
teresita

Joana disse...

"... o melhor blog..." as enormidades que o Amor faz uma SISTER dizer (estas a ver aquela coluna da direita, com os meus links, ESSES sao os melhores blogs ;)

Teté, escreves MUITO melhor do que eu. Em Fevereiro, provo-te! Tens é que parar menos por Matosinhos (aiiiiiiiiiiiii I wish!) para teres tempo para o NOSSO blog... pobres doentinhos, pobre medpeople, pobre Pedro Hispano... era o degredo total ;)