Ando, desde Lisboa, com um livro na estante à espera de tempo para lhe ler o final. Ando à espera de disponibilidade de coração, que todo o tempo é isso, para lhe ler o final. Mas não tenho disso agora e por essa única razão não me ocorre nunca ir buscá-lo. Lembro-me ocasionalmente, no comboio, na biblioteca, mas em casa, em frente à estante, nunca! - e é por andar sem tempo, sei. Andar sem tempo é uma coisa muito avassaladora.
Fugiu-me. O tempo fugiu-me, não quer nada comigo, prefere ver a banda que eu sou passar - o tempo anda ocupado a ver-me passar, inacreditável. Mas eu banda, ora essa, com todo o gosto. E é assim que trepo paredes - passo o dia a trepar paredes, e janelas; acomodo a cabeça às esquinas - não há como as lá de casa, mas não sou esquisita; deixo-me descair, suspensa, de toda a esquina, de todo candeeiro de tecto, dos tectos - pendo muito, cabeça para baixo, do tecto do meu quarto, à noite, - antes da gravidade da brincadeira me descer toda adrenalina para as bochechas, num beliscão de realidade. E resulta. Volto a mim: começo a pensar - o costume... Primeiro, na minha triste figura - eu a imaginar o meu peso, pouco amigo de malabarices, dividido por dois pés, dez dedos que se agarram não sei como ao rebordo do candeeiro, o meu peso no rebordo do candeeiro grego, num dos rebordos do, eu a pensar que não é candeeiro que se diz - que a minha mãe diria lustre, que candeeiros são os das mesinhas, que eu diria que não, que lustre é a cristalice bomba-relógio que lhe faz pontaria aos órgãos vitais todas as noites e aquilo, muito diferente, é um candeeiro de tecto - eu a olhar depois para o relógio e a perceber que ao contrário de mim, a minha sanidade comporta-se, já dorme, é tarde..., devo portanto apressar-me a fazer o mesmo que daí a nada começa a ser cedo, aquele cedo muito cedo de quando a irmã mais nova mais velha do mundo entra no quarto a apontar isso vai cair, isso vai cair, ora por isso é que está todo inclinado para esse lado, então és tu, para o que te havia de dar agora, olha que isso um dia, pior que o lustre da mamã.
O bom de ser a irmã mais velha mais velha do mundo é a naturalidade com que intuitivamente uma pessoa faz do edredão burka, e se antecipa, embora no fio da navalha, à luz que se desliga, aos passos arrastados no corredor, à porta que se abre e fecha devagarinho - há irmãos mais novos que crescem para rivalizar connosco em intuições e dar trabalho, muito trabalho: não se pode sorrir como se não houvesse amanhã - não há tempo, não há amanhã, boa!, mas não se pode; não se pode ir ao cinema só porque sim; não se pode vestir saias todos os dias, nem deixar de por os anéis - mesmo que tenham começado apertar muito - não podem, é Inverno!, no Inverno isso não acontece, eu não digo!?, não andas bem...-, não se pode tardar mais um bocadinho ao espelho, nem perder o metro - mesmo que se peça calma, que não se perde coisa nenhuma... -, nem perder o lugar no comboio e a mesinha de sempre no café - ainda que se afiance que não há por que desesperar, que dá tempo... -, não se pode; não se pode porque não se é, nunca se foi, assim. E ela sabe, vê tudo, e preocupa-se. (Numa outra vida, eu faria exactamente o mesmo.)
A funcionária desta sala acaba de me dar uma maçã, a sua de sobremesa que trocou pelo bolinho de aniversário da colega, que a menina está aí a trabalhar tanto e sem nada no estômago, ora tome, e eu, desistindo de perceber, cabeça para baixo, obrigada!, recebendo o pomo como se fosse um tesouro, sorrio-lhe, um sorriso muito anterior ao tempo a descer inteiro do tecto. A minha vida estes dias é isto.
Ah, mundo perfeito!
9 comentários:
Eu acho que ninguém resiste ao teu sorriso e ao teu coração. Não vai ser um livro que vai ter a ousadia de o fazer... :)
E se toda a gente tivesse dias ocupados com maçãs oferecidas por uma senhora simpática ao lanche, certamente o mundo seria melhor! :)
(e esta foto...tão gira ;)
Baci*
Frida,
Não é bem assim, sabes?... Há dias em que euzinha francamente não me suporto, imagina os outros...
(Toda a gente diz o mesmo acerca da fotografia, tenho que reportar ao fotógrafo que o mérito é todo-todo dele.)
Baci mille, bella!
P.S. E Roma aqui tão perto! :D
Adoro a foto, os teus dias ocupados-felizes e essa burka maravilhosa, a única que nos fica tão bem. Bom ( e produtivo) trabalho!!!
Bjitos
Ouriça,
THANKS!!!
Jinhos.
Ah... E podes sugerir links à vontade que eu não grito, gosto sempre!
lá vai um comentário original: a fotografia está bem gira:)
Ouriça,
Oki.
Comboio,
Ehehheeh!
Jinhos a ambos.
(Sorrisos!)
Beijicos grandes de Lanzarote.
Rosário,
:)))
Ena, ena, Lanzarote!
Jinhos.
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