domingo, fevereiro 21, 2010

De cravos e brancas rosas


Quando éramos pequenos, muito pequenos, ao almoço ou ao jantar, já não sei, mas aos fins-de-semana porque tínhamos a disponibilidade jovial da nossa mãe, a nossa mãe toda para nós, esgotadas as histórias de sempre e as lengas-lengas do costume e as adivinhas mais que conhecidas e tudo o mais que era hábito lhe pedirmos, a minha mãe cantava:

Minha Terra é a Madeira / Embalada ao som do mar / Tem prados cheios de relva / e as Ribeiras a cantar // Ela toda é um jardim / de cravos e brancas rosas / por onde vou e torno a ir / estudantes mariposas // Minha Terra é a Madeira / Embalada ao som do mar / Tem prados cheios de relva / e as Ribeiras a cantar...

Confesso que não é das Quadras Populares que mais me agradam, mas, como quase sempre, é das que mais fica no ouvido. 'Minha Terra é a Madeira' não é apenas título de canção popular. Não se escolhe o nome. Não se escolhe a religião. Não se escolhe a ascendência. Não se escolhe onde se nasce.

Acabamos por nos chamarmos aquilo que os nossos pais decidem; frequentamos a Igreja e a catequese se eles assim decidirem; pertencendo-lhes ou não, somos deles, da carne deles, do sangue deles, da terra deles, pelo mais assombroso e admirável milagre de todos.

Quando os ingleses dizem que casa é onde está o coração estão a apontar com o indicador esta condição abandonada de nós mesmos, isto de sermos o que somos, isto que é anterior e, sobretudo, independente de nós.

A Madeira são os meus pais. A Madeira é a minha infância de mimo e a minha adolescência de brilho. Mas a Madeira sou eu também, não se escolhe onde se nasce. Mesmo se depois escolhemos percursos e amigos, profissões e casas. Mesmo se o meu presente é longe e não equaciono o meu futuro lá, a Madeira sou eu. Fatalmente, irremediavelmente. Verdade.

Quando vou para fora e me perguntam de onde és, digo venho do Porto, trabalho em Braga e sou da Madeira. Ainda não estive em nenhum sítio do globo onde não fosse comunicativamente mais fácil ser da Madeira que de Portugal. Às vezes penso muito nisso, na Madeira e na marca Portugal no mundo.

Uma calamidade assolou a Madeira este fim-de-semana. Não pararam as mensagens nos vários e-mails e telemóveis cá de casa. Comovemo-nos. Antes de sermos os lugares por que passamos e até aquele que escolhemos para nós, somos o lugar onde nascemos e deixámos coração.

6 comentários:

Rosario Andrade disse...

Verdade para qualquer pessoa. Nao tanto para mim... sou um ser arrizo.
Beijicos

Maria Rita disse...

E nada é melhor escrito quando é tão sentido.

Espero que esteja tudo bem, Joaninha!

Um beijinho*

Ouriço-Cacheiro disse...

Estive fora e chegou sou um zumzum. Hoje deparei-me com aquilo. Ainda bem que por este blog, à parte do coração apertadinho e triste, está tudo bem.
Beijinhos

Joana disse...

Rosário, Frida, Ouriço,

Tudo muito bem com os meus, felizmente.

Tudo menos bem por lá, por lá também. Vai levar algum tempo para que se volte à normalidade, mas já se trabalha nesse sentido. :)))))))

Jinhos a todas, um abracinho agradecido pela simpatia.

comboio turbulento disse...

Eu sei que a Madeira não tem comboio mas os tempos foram mesmo turbulentos! um beijinho grande para ti, cidadã do mundo mas com a Madeira na raiz

Joana disse...

;)

Outro, para ti. :)))