quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Sortes


Falava há pouco ao telefone com a minha mãe. Falávamos das coisas cá de casa e das outras, do coisas do coração e das outras, do tempo, da ilha, de futuros e do hoje de cada dia, de tudo o que é nosso, uma hora.

Às vezes a minha mãe telefona e despachamos a agenda em menos de cinco minutos. Às vezes eu telefono e ela despacha-me em menos de dois - muito ao contrário de mim, a minha mãe não gosta de ouvir silêncios.

Na realidade, o que a minha mãe gosta mesmo muito de fazer, mais até do que conversar, é de aconselhar. A minha mãe gosta de aconselhar. Houve uma altura na vida da minha mãe em que, tenho quase a certeza, nós éramos pequenas, e a minha mãe terá achado que tinha tido uma grande sorte: três filhas a crescer, uma eternidade vezes três de conselhos a dar; a minha mãe terá bendito essa sorte, imagino; a minha mãe ter-se-á regozijado com a lua. Depois, nós ficámos crescidas. E a minha mãe, e a sua sorte, pequenas.

Porque a eternidade não é bi-unívoca, não se prolonga nem se se multiplica; é, divide-se, a minha mãe percebeu que tem uma única filha a quem dar conselhos, a do meio; uma única filha a quem pedir conselhos, a mais nova; uma única filha com quem desabafar, a mais velha. A filha a quem dá conselhos, não dá conselhos, desabafa; a filha a quem pede conselhos não pede conselhos, apoia-a; a filha com quem desabafa, não desabafa, é uma espécie de faz-tudo: alegra-a. Parece tão confuso como um almoço de Domingo, mas não é.

Há pouco, por causa de amigos, dizia-me de como cada geração quer exactamente o mesmo, de como o mundo muda e com ele as maneiras, os timings, a forma, de o querer. Como se o mundo fosse uma pessoa a morrer mortes pequeninas muitas vezes pelo caminho, a tentar adaptar-se camaleónico à novidade e à erosão, a não desistir do caminho, a persistir em ser, mais, caminhando, um dia de cada vez.

Não sei se é grande, mas é uma sorte. Nossa.

9 comentários:

Maria Rita disse...

A sorte da tua mãe não é pequena de certeza. :)

Engraçado, a minha mãe também tem três filhas e nunca tinha pensado/reparado que, talvez... também fosse uma mulher de sortes. :)

Bacini!*

Joana disse...

Frida,

;)

A tua também é, certamente. Oh, se é! :))))))))))))))))



Jinhos.

Vanessa disse...

:)

ai as mães... que sorte!

Joana disse...

Vanessa,

Pois, a menina também sabe. :)))))))))

(E está no mesmíssimo comprimento de onda que eu - aquele poema do HH, meu Deus!)



Jinhos.

Jinhos.

Ouriço-Cacheiro disse...

Muito bonito. Mesmo. Tenho uma mãe que me inspira, me irrita, me apoia, me aconselha, me exaspera, me acarinha,me, me, me. Sou filha única, não dá para distribuir nada. (In)felizmente.

Andas particularmente inspirada. Fico feliz por ti.

Ana disse...

:) [confesso que fiquei com um lágrima ao canto do olho, prontinha a saltar...]*

Joana disse...

Ouriço,

Te, te, te parece-me que deve ser uma delícia. ;)

(Ando? Ficamos as duas, eheheheh!)


Ana,

Oh! :)))) Um abracinho apertado, de (a)perto, para amparar esse saltinho.


Jinhos a ambas.

miradouro das cruzes disse...

Amiga JJ,
Gosto de tudo o que expressou nos seus últimos artigos, mas não aceito a questão de sentir um peso do tempo. A amiga JJ é fabulosa tanto na sua maneira de pensar como na sua fisionomia. Afinal somos únicos numa imensidão de biliões de seres, e torna-nos tão ricos e únicos que não tem explicação. Valha-nos São Valentim!

Joana disse...

Loo Rock,

Manias minhas! ;)

Obrigada pelo comentário tão espirituoso e simpático como sempre.


Jinhos.