Ontem. No passo apressado de sempre. Tenho sono, faz frio, nunca mais acaba, nunca mais acabo, faz frio, tenho sono, nunca mais, a rua inclina, a mala pesa, o trabalho pesa, o sono pesa, o frio.
Subida desalmada para o quentinho, nariz frio a imaginar-se batendo na porta do café. O café de sempre, fechado. Segunda vez em duas semanas, nariz arrebitado. As estatísticas, essas e as outras, a pesarem-me na nuca - as coisas mais tenebrosas pesam-me sempre na nuca -, estatísticas a juntarem-se a estatísticas, coisa irónica numa manhã atípica.
O trabalho que dá trabalho. A atenção que não quer nada com a atenção. O calor sem sol dentro da Biblioteca. O sol lá em baixo, no pátio. O sol espreitando a medo o pátio da Biblioteca. De tantas serem as vezes em que brilhou e fugiu na manhã, o sol de ontem devia ser muito muito novinho, ou, pelo menos, recém-chegado ao serviço. Inexperiências...
O pátio da Biblioteca, deserto; as mesas, como em tempo de chuva - cadeiras para cima... -, (tenho para mim que o frio é uma outra chuva), pessoas, cá dentro a trabalhar, dois namorados a viverem todas as sílabas da palavra coragem, lá fora: ela a fingir que lê para lhe fazer companhia; ele, gato, olhos fechados, deliciado a apanhar intermitências de sol. Reluzem-lhe, por cima dos sapatos, os atacadores, vermelhos. Eu a não conseguir deixar de olhar, para pensar melhor na perfeição daquele quadro.
Hoje. O mais amável sol de Inverno repousa descansado no dia. Escrevo isto na marquise. Um montinho de areia com quase um mês lembra-me, atacadores vermelhos, que as estações do ano só se sucedem para os outros.
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