terça-feira, julho 31, 2007

A Vida.

Um dia está-se bem, vai-se a Braga, trabalha-se de manhã, almoça-se com as amigas, está calor, não se trabalha à tarde - põe-se a conversa em dia com as amigas, regressa-se a casa ao fim do dia.
Parte-se no regresso, longo regresso de comboio, parte-se para longe, para sítios onde o corpo só chega de avião, para sítios onde está o coração. Manda-se um sms, mandou o coração. Recebe-se outro, a resposta, e responde-se à resposta, perfeitamente normal, com um dos sorrisos mais longos da História de uma vida: um sorriso anormal, de tão parvinho, um sorriso de mais de quarenta e cinco minutos. O tempo exacto para sair do comboio, correr para o metro e, à porta, a Vida nos vir acordar e dizer que a felicidade é bonita, existe e recomenda-se, mas por agora... "... a tua mãe não está nada bem e se calhar devias vir..."
Mãe. Mãe. Mãe. Nada bem. Nada. Bem. Mãe.
Vim. A correr. Sem tino, sem malas, sem sossego, mãos suadas, boca seca, coração a palpitar.
Claro que não demonstrei nada disso. Não posso.
Vim. Acho que morri um bocadinho. Por dentro. Morre-se sempre um bocadinho por dentro nestas alturas. Vim.
E subi as escadas e desci as escadas, e abri as janelas, e mudei lençois, e troquei pijamas, e agora a sopinha, e lavei roupa e passei roupa, e vá a salada, é fresca, vá, e recebi o Médico. O nosso Médico. O que ela recebia quando os meus avós ficavam doentes.
E falei com ele. E podia ser pior. Podia ser pior. Podia ser pior. Não vejo como, mas podia.
Podia. Uma noite, o coração, de longe, manda-me uma sms, esta com sorriso anexo à recepção. Sorriso. Maiúsculo. Nada parvinho.
E ela agora está melhor. Mas eu... não sei.

quinta-feira, julho 26, 2007

Dia Mundial dos Avós

Eu e os meus avós, ANSF, Funchal, 1982

As limpezas de Verão têm destas coisas. Encontrei há pouco esta fotografia. Infelizmente, a pior – já viram a luz e o total desenquadramento dos meus avós comigo na fotografia? – de uma série que temos em casa, na Madeira. Não faço ideia como é que esta fotografia veio cá parar. Bem, até faço: foi uma das muitas coisas de que o Alzheimer, que agora fala e pensa pela minha tia, achou que se devia ver livre.
Não é a melhor das fotografias, mas revela muito do melhor dos meus avós. O meu avô que se baixa para dar a mão à menina – e só não dá a mão porque a menina, como sempre, tem-na fechada como medo de perder os anéis –, a minha avó, que não dá a mão à menina, tem que lhe pegar na dita, que assim é que deve ser, não vá alguma coisa acontecer à menina, e que está preocupada não sei com que pormenor do vestido ou do cabelo ou de outra coisa qualquer de somenos importância para todos excepto para ela. Não me lembro da minha avó assim, gorda – sempre a vi magérrima, mas do cuidado, da sobreprotecção e da constante atenção aos pormenores recordo-me bem, aliás vivo-o quase todos os dias. Fazia anos na véspera do meu aniversário... Já do meu avô, lembro-me exactamente assim: com o seu chapéu de sair e aquele dar de mão apertado e suave ao mesmo tempo e aquele olhar menino e aquela postura de ai a minha linda menina.
Fui a primeira neta, menina, dos meus avós. A primeira lá de casa. E, por muitas queixas que os meus pais tenham deles, que as têm e razoáveis, os meus avós foram extraordinários com os netos, todos, sem excepção. Mesmo que não o expressem da mesma forma, ainda que a convivência com eles tenha sido mais limitada pelo tempo e pela vida, tenho a certeza de que os meus irmãos sentem o mesmo que eu pelos meus avós. Um amor muito grande. Muito maior que os dias. De convivência. De ausência. De saudade.
A minha mãe falava-me esta manhã das recordações que tem dos dela: do egoísmo da viuvíssima avó paterna, das poesias que lhe recitava a avó materna, das larachas do predilecto e sempre lembrado avô materno, o tal que aconselhava os netos a, como ele, não maldizerem nem a Deus nem ao Diabo, que se fosse para o Inferno, o demo dar-lhe-ia, no mínimo, o posto de sargento! A minha mãe perguntava-me acerca das minhas: Tinham o mesmo nome. Os dois. Ela, o feminino do dele; ele, o masculino do dela. Tinham um relacionamento perfeito. Ela prática, vanguardista, desembaraçada. Ele era um romântico, idealista. Ela puxava-o pra à frente, ele lembrava-a do que era realmente importante. Ela adorava os meus cabelos, comprava-me os melhores produtos, penteava-me todas as manhãs para escola, (fazia umas tranças lindíssimas!) e era com um orgulho e uma satisfação indisfarçáveis que me colocava uma flor, no fim de tudo, em jeito de remate da sua primeira tarefa matinal. Comprou-me as minhas primeiras calças de ganga. E o meu primeiro camafeu. Ele era diferente. Passava tardes inteiras comigo ao colo no canapé da rua; não falava muito, mas dava-me os beijos mais doces do mundo. Quando saíamos os dois, era com a mesma doçura que me apertava a mão. Conhecia muita gente no Funchal, todos o cumprimentavam com respeito e eu ficava a pensar no quanto devia ser especial aquele avô que me desafiava a comer com ele o bacalhau com o molho apuradíssimo de pimenta e só a mim permitiu uma participação activa nas nossas vindimas.
Hoje queria ter acordado menina. Na manhã do dia desta fotografia. Quando o meu pai se despedia à pressa e a minha mãe vestia-me a correr e a minha avó me penteava e logo me passava ao meu avô que se sentava comigo no canapé a olhar o dia à espera dos restantes. Hoje, só hoje. Menina.

domingo, julho 22, 2007

"Saku, Saku!!!"



"Saku? My name is not Saku! My name is Kazuo!"
Risota geral, para o resto da nossa manhã de trabalho, para o resto do dia, da semana e das nossas vidas, da minha pelo menos - sempre que me recordo deste episódio. A S. tinha assimilado vagamente os sons que compunham o dissílabo do nome do nosso mais recente companheiro nipónico e, minutos depois nem hesita, desata logo a gritar-lhe campo fora que regresse, é hora do chá. "Ora, Saco-Caso... É tudo igual!" E eu pensava, assustadíssima, que a S. generalizava demasiado, ou seja, que os psicólogos são de facto malucos, porque nunca na vida Saco é igual a Caso, (quanto mais Saku a Kazuo!) por muitas Metáteses, Anástrofes e Hipérbatos que o nosso pensamento e a nossa memória diabolicamente tentem congeminar. Não obstante, a Assonância dissonante valeu umas boas gargalhadas. Até do próprio!

O Kazuo era um dos muitos jovens que, como nós, passava a Páscoa de 2004 em Taizé. Um dos que, como nós, integrara o grupo das manhãs na Oficina da Comunidade. Estou cansada: não me recordo por que razão escolhi trabalhar precisamente na Oficina. Pelas pessoas ou por mim? Possivelmente por causa das pessoas que comigo trabalhariam: o João, um miúdo muito especial, de uma sensibilidade / humanidade tocantes, que pessoalmente reverencio ainda hoje, e que por acaso se tornou amicíssimo da minha irmã T., a Ana, com quem aconteceu uma empatia imediata ainda na viagem de autocarro, para ela; licenciada em Artes Plásticas, seria uma opção mais ou menos previsível, e a outra meia dúzia de quem me fogem os nomes neste momento. Por mim - pelas pessoas. Definitivamente.

Assim se passavam as manhãs na Oficina: montar e desmontar estruturas para depois se montar tendas, reunir e arrumar parafusos, desarrumar armários, limpar prateleiras, varrer, pintar, colar, raspar, descolar - bem, tarefas que só ali são acompanhadas do mais largo dos sorrisos. É um lugar especial. Taizé.

Tem uma mística. Especial. Uma mística que tem a ver com as pessoas, certamente, mas que muito deve ao lugar e à vivência do tempo e das coisas, da vida em geral naquele espaço. Sem pressas, mas organizadamente, definidamente. Em oração, individualmente, em comunhão, mas também em comunidade, em grupo, em partilha. Em silêncio, mas também em coro(s), vivamente, participadamente. Perfeito. Como se aquela fosse uma bolha do mundo, o modelo a guardar no coração, a fórmula a importar para casa.

As pessoas eram muitas em Taizé. Os Irmãos, os Voluntários, os Responsáveis dos grupos e os muitos grupos de jovens que deles fazem parte. O Irmão responsável pela Oficina raramente passava por lá de manhã, quando lá estávamos, e quando o fazia falava sempre com o Voluntário responsável, nunca connosco. O Voluntário responsável era argentino, já lá estava à quatro meses, pelo que já lhe tinha sido informada a necessidade de partir para outro local, do género ou não - ele decidiria - e era de uma paciência inesgotável connosco. Mais, sempre simpático, bem-disposto e generoso, era um prazer trabalhar com ele. Quando percebeu que o nosso grupo era composto quase na totalidade por Portugueses, nós e o Kazuo, ficou ainda mais feliz: podia falhar castelhano! E falou, com a generalidade das pessoas. Comigo, achou que tinha que falar em Inglês, porque tengo que praticar el inglés, e porque meteu-se-lhe na cabeça que eu era professora de Inglês. "Não, sou professora de Português, mas pode ser: falo Inglês."

A língua molda as relações entre as pessoas. (Por isso é que dou tanta importância às palavras.)Sempre achei que ele tinha comigo uma relação muito mais formal do que com os meus colegas. Mais formal, cordial, mas paradoxalmente, mais profunda - pelos menos foi assim que a senti e a sinto ainda hoje quando, à força de me tentar lembrar do nome próprio que constituía o radical do sufixo -el, revejo perfeitamente o rosto, o riso fácil, o andar dinâmico na Oficina, a curvatura do corpo ajoelhado no chão e a postura, radicalmente transfigurada, no recinto da Oração.

Hoje foi oficialmente o meu Primeiro Dia de de Férias. Aquele que comecei a planear em Munique nas horas que estive à espera do voo de ligação para Lisboa, aquele vinha a planear no avião e no autocarro, aquele - cheio de sol e areia e gelados - com que me deitei esta madrugada. Aquele que não aconteceu esta manhã quando acordei. Nem esta tarde quando decidi recuperar Taizé. Estava frio e a chuva da hora do jantar ameaçava já quando, estendido o tapete cor de laranja, acendia as velas e, ao som dos cântico, tornava mais taizé aquele cantinho da sala.

A maior parte das pessoas vai a Taizé pelas pessoas, gosta de Taizé pelas pessoas, recomenda Taizé pelas pessoas. Fui, volto muitas vezes no cantinho da sala, gosto e recomendo Taizé por mim. Porque por detrás dos cânticos mais simples, da repetição de palavras, versos e ritmos, por detrás do laranja do tapete e da chama há algo que me aquieta e conforta.

E quase me faz esquecer o cansaço. Ainda bem que esteve frio e choveu e não fui à praia.

sexta-feira, julho 20, 2007

Foi ontem...

... e correu bem! O que quer dizer que estou DE FERIAS!!! Regresso amanha para duas semanas de dolce fare niente, espero eu.

quinta-feira, julho 19, 2007

Algum dia vens comigo. Mesmo.

A Polónia é o primeiro país de Leste que visito. Nunca prestei muita atenção à Polónia, no entanto lembro-me de há alguns anos atrás ter visto na 2 um programa sobre a História da Polónia e de ter ficado com um nó na garganta e a imagem dos “sete cães a um osso”. Isto por causa das sucessivas invasões e tomadas de poder dos países vizinhos ao longo dos tempos. (Há qualquer coisa de louco na audácia e na veleidade que leva desde sempre alguns a violarem o domínio do outro que me choca e me perturba profundamente.) Rússia, Prússia, Aústria, Alemanha, (eles próprios, reféns de si, na época do Comunismo). Gostava de dizer que o nó na garganta se deveu às consequências, devastadoras para este país, da segunda guerra mundial, mas não. Foi por tudo. Claro que os horrores que os Americanos deram a conhecer ao mundo em 45 são inigualáveis, creio e espero, mas eras e eras de sobrevivência de um povo inteiro de olhos postos numa liberdade que nunca chega é para mim algo muito próximo de um Holocausto.
A Polónia é um país bonito. Tem parques, muitos, e jardins, verdíssimos, rios lindos, de águas escuras, mas calmas. Uma bela metáfora do país. Aos fins de tarde enquanto algumas pessoas se sentam na margens relvadas dos rios a ver o sol descer, ao fundo, no horizonte, pares de namorados estendidos, segredam carinhos e fazem planos para futuro. Sem pressa, nem constrangimentos. Em liberdade.
Existem muitos jovens. As raparigas são lindíssimas, os rapazes quase nunca usam nada sobre o tronco – está muito calor também – e isso faz-me confusão. A generalidade das pessoas que encontro na rua, da minha idade, não fala inglês – é estranho, ou talvez não – mas nunca temos problemas sempre que vamos jantar, e os empregados de mesa das esplanadas da praça principal são muito novinhos. Vamos sempre lá jantar, a comida é muito boa e os preços, exorbitantes para o comum dos polacos, são considerados pelo grupo o preço médio de uma refeição em Portugal. A Polónia precisa de dinheiro, todos os dias há animação variada no centro da cidade, para turistas ou não, a Polónia precisa de dinheiro e a operação de charme em curso, como eu a vejo, tem qualidade: os serviços são bons, os transportes também, a cultura razoável…, a Polónia precisa de dinheiro, entendo isso muito bem – há prédios e monumentos que precisam de obras, há fachadas que precisam de alguma limpeza, há ruas que precisam de consertos, entendo, mas isso não é suficiente para eu perceber porque tenho de pagar para ir à casa de banho ou para tirar fotografias nas Minas de Sal.
Hoje fui às Minas de Sal. Um conjunto de câmaras extensíssimas, donas de uma imponência natural, verdadeiramente preciosas. A capela principal das Minas é de uma beleza!, francamente rara em muitos templos à superfície!…
Fui só com o meu Orientador, os outros dois não quiseram vir. Encontrámos no autocarro uma quinta portuguesa, que o meu Orientador e um dos outros conhece e que, aparentemente, pelo trabalho que tem desenvolvido, diverso do nosso, foi uma (agradável) surpresa por cá. É tão querida! Nada como o outro descreveu, “A F. é assim um bocadinho espaçosa…” É. A F. é espaçosa: no sorriso, capaz de encher-nos a alma de emoção e o coração de calma. Gostei muito dela. A F. estava com o marido, radicalmente diferente dela, melhor: de nós, mas nota-se que gosta muito dela. E isso das diferenças, acaba por ser como o espaço: relativo, para mim pelo menos.
Regressámos a tempo de irmos jantar os quatro do costume ao sítio do costume, bem, hoje até variámos, mas a qualidade e o preço da comida, felizmente, não. Por mera coincidência, pouco depois de nós, chegou ao mesmo restaurante a F. e o marido. Não havia mesas vagas perto de nós, foram para outra mais distante. Quanto a mim, teria muito gosto em que pudessem comer connosco, mas o máximo que pude fazer, dadas as circunstâncias, foi um aceno, efusivo, e um sorriso. A meio da refeição deles, o outro, que estava, como sempre, a jantar connosco, faz-nos o relatório completo do que eles estavam a comer – não era muito também – mas o tom… mil vezes pior que o do adjectivo “espaçoso”. A comida começou a cair-me mal. Eles acabam entretanto e vêm despedir-se de nós. Felizmente a F. vai falar logo com o outro, por quem é evidente que tem grande apreço. Curioso, não? Felizmente porque dessa forma ficámos nós, eu, o meu Orientador e um colega nosso, a falar com o marido da F. Ou melhor, com a cerveja que teve para jantar e que falava agora por ele.
Durante a tarde já se tinha percebido: sotaque o mais transmontano possível, linguagem rústica, extraordinária atenção à qualidade das madeiras que compunha o soalho de certas câmaras das grutas, notáveis considerações acerca do verniz – foi engraçado! E bonito. Duas pessoas tão diferentes decidirem percorrer ambas um caminho tão pedregoso como o da vida, não pode deixar de ser bonito. O problema mesmo foi/é a cerveja. A cerveja mina o coração das pessoas e faz detonar aquilo que o senso normalmente impede que venha ao de cima. À despedida, ele: “Como o meu avô costumava dizer… estou a ser muito chato, desculpem, desculpem mesmo, uma pessoa nunca sabe como falar com os doutores…”
Em Roma, sê Romano. Na Polónia, fui Polaca, naquele momento. Manietada na expressão, calada à força. Para não chamar a atenção do outro. A liberdade é como o ar: em défice, sufoca. Então, por entre “nãos” disparados de todos os lados, sorrimos todos e disse-lhe, eu, por fim: “Doutores? Doutores são os médicos.” (E a mulher dele e o meu Orientador e o outro. Na realidade só eu e o meu colega é que não. Ainda. Mas isso é algo que cerveja nenhuma deveria ser capaz de trazer ao de cima, à ponta da língua de nenhuma pessoa, de nenhuma condição, nunca.)

Algum dia vens comigo. Mesmo. Por todas as razões, mas muito especialmente porque preciso, de vez em quando, como agora, de um abraço teu.
Krakow, 18 quase 19/07/07

terça-feira, julho 17, 2007

When in Poland...


... eat pierogie (ruskie - que sao vegetarianos)...

sexta-feira, julho 13, 2007

Vou

... amanhã, esta noite.
Vou sozinha, com uma mancha dentro e uma nuvem fora. Cinzentas. Da cor das sombras.
Vou até ao fim do mês.

quarta-feira, julho 11, 2007

Não.

Não foi. Não foi. Não foi. Mil vezes: Não foi isso que eu disse! (Não foi!...)
Porque é que as pessoas têm de "supôr" e "assumir que..." e "depreender que..." e assim "julgar que..."? Meu Deus, porquê?
Repito: Não é nada disso. Não.
Ai, o medo...

terça-feira, julho 10, 2007

Doenças de Coração

Esta manhã no comboio vinha a pensar em como as emoções conseguem comandar tão totalmente a vida de uma pessoa, em como a vida nos prega partidas de bom e mau gosto, em como os Latinos chamavam estômago ao dito, ao fígado e ao coração, em como o coração é um órgão vital, mas absolutamente distante de qualquer emoção, em como o cérebro nos controla, controlando as emoções, em como seria estranho ver um cérebro desenhado em tatuagens do estilo "Amor de Mãe" ou no típico I <>YOU. Enfim, vinha a fazer das minhas, a pensar, como é hábito, demasiado, tolices.
O tempo passa mais rápido quando penso e num ápice chego a Braga. Corro como sempre, hoje para as fotocópias, depois para os Correios, depois, finalmente para a Faculdade. Chegada ao gabinete, desacelero, convém. A Faculdade está vazia, terminaram os exames. O gabinete está meio vazio, o meu Orientador não está, prepara em casa a conferência. Melhor para mim, preparo cá a minha, ligo o computador, automaticamente liga-se o Messenger, espalho olás, começo a trabalhar. A meia manhã resolvo metade do meu dia. (Coisa fantástica, o Messenger!). Mando jinhos bons. Vou almoçar à hora certa para regressar meia hora depois ao trabalho. Não devia, mas o tempo escapa-me por entre os dedos esta semana como nunca. Trabalho sem parar, Messenger sempre ligado que hoje é o aniversário da Soninha e ainda não a apanhei para lhe dar os Parabéns! em tem po real. Trabalho sem parar até às quatro.
Às quatro dói-me o peito. De uma maneira pungente, não física. Não como as dores que me impedem de sentar direito e de uma só vez - asneiras de um fim de semana de limpezas de Verão. Tinha de ver a minha tia. Porque desde a última vez já passaram dois meses e afinal estamos na mesma cidade. E somos tão iguais. E gosto tanto dela. E se estivesse exilada no ponto mais alto de Braga, morria. E se estivesse exilada em mim própria, nem sei que seria.
Fui. E perdi o autocarro, e perdendo-o perdi quarenta preciosos minutos, contabilizados pela voz interior mais diabólica do Universo. "Estás a ver como tens tempo?! Ou melhor agora nem tanto, acabas de perder hum... quarenta minutos!"
Cheguei. Ela, contentíssima, como eu estaria se, estando lá, viesse alguém ver-me. Estava bem. Agora acho sempre que está bem. Em Fátima, fica pior. Deve ser da agitação e do muito trabalho que aquela Casa sempre lhe exigiu. Aqui não me pergunta ad eternum as mesmas coisas. Já não. Agora não. Ainda assim: "Essa roupa é esquisita, uma blusa maior que o casaco, tens que te ver ao espelho antes de sair de casa!" Rio-me. "Não é blusa, é... bem, nem sei o nome, e o casaco não é casaco é bolero, e agora usa-se assim, é a moda!" Não me liga, pergunta pelos manos, diz-me que falou com a minha mãe Domingo passado. "Como sempre, não é?" "É. Quando te casas?" "Não sei, não há perspectivas disso." "Vais ser como a tua mãe?" (A minha mãe casou aos trinta.) "É possível." "Está bem, vamos cá ver o que tenho para vos dar..." A minha tia sempre foi muito generosa, giving em Inglês é a palavra mais apropriada, sempre gostou de nos dar coisas. Vinha no Natal carregada de prendas. Quando passávamos com ela os Verões carregava-nos de prendas. Também. A doença não lhe tirou a mania das prendas. E nós que passávamos tão bem sem isso, mas com ela!... Mostra-me uma caixa de cartão repleta de rebuçados. "São para vocês, estive a juntar desde a última vez!" (Aqui é quando quero chorar e dar um berro daqueles de fazer tremer a cidade e rasgar os céus ou a mim mesma, porque...) "Não era preciso." Também queria dizer-lhe que andamos todos com a mania das dietas, por causa do Verão, e que os rebuçados fazem mal aos dentes. Mas não deu. Só tive voz para as três palavrinhas anteriores. "A Irmã D. já regressou do internamento, queres ir vê-la, então? É nossa conterrânea. A médica disse que nota grandes melhorias. Quase aposto que conseguiram erradicar o cancro dela." "A Medicina agora está muito avançada e ela ainda é mais ou menos jovem, pode ser que sim." "Vens então?" "Não. Tenho que ir, porque daqui a nada passa o autocarro." (E assim evito desatar a chorar à sua frente porque nem só o cancro é doença...). "E os manos como estão?" "Quando te casas?" "Vais ser como a tua mãe?" "Antes de sair de casa tens que te ver ao espelho" "É a moda. Agora é assim. Vamos? Acompanha-me até à paragem?" Acompanhou. Lá chegadas suspira. "Está cansada?" "Não. É o coração. O meu. Está doente. Amei demais. Foi isso. Amei demais." Olho-a, não sei que lhe diga. O autocarro aproxima-se. Abraço-a com toda a força do mundo. Não para me despedir. Não para ir. Para ficar. Para ser. Para estar. Para a ter. Sempre.
Porque nunca se ama demais.

segunda-feira, julho 09, 2007

sexta-feira, julho 06, 2007

(Very Important) Notes to self:

- Nunca mais, na vida, deixar o cartao de crédito com a pessoa mais perfeita da Humanidade,a irma mais confiável e distraída(!) do Universo;

- Aprender os Dias da Semana em Galego: Xoves = Jueves = Quinta-feira(!);

- Aprender Castelhano, para fazer jus ao físico e poder explicar a toda a gente como perfecta española "Donde és eso...?" e tudo o mais que me perguntam todos os dias;

- Arranjar um carro (ou um escravo) para a tonelada de fotocópias que, junto com o ordenador personal da Idade da Pedra, me vai dar cabo da coluna daqui a nada;

- Deixar de ser totó: dar o desprezo a quem brinca com coisas demasiado sérias e portanto merece.

quinta-feira, julho 05, 2007

Pergunto

se posso dizer o teu nome a uma flor
flor o teu nome sussurrado pétala a pétala
letra a letra uma flor desfolhada na terra.

José Luis Peixoto

quarta-feira, julho 04, 2007

Los españoles

Querendo ou não, todos temos pré-conceitos, preconceitos em linguagem corrente. São parte integrante e viva de cada cultura e de cada sociedade. Olhamos o outro, invariavelmente, através da lente do estereótipo que a nossa sociedade e a nossa cultura nos legaram ou ensinaram. É obvio que cada regra tem a sua excepção – um olho aberto vê a dita sempre e, não raro, sem grandes surpresas. Depois também há a idade. Ou a vida vivida. A vida impede-nos de julgar, de partir para o outro de lente (em punho?). Porque há tanto que não se vê, mas explica. Porque há tanto que não sabemos. Porque há tanto.
Sempre que passa na televisão alguém do PP o meu irmão começa a sua mais recente ladainha: “Olha o teu confrade! Conheces? Não? Mas devias. É lá do teu planeta!” O meu irmão quer gozar-me porque, tal como a generalidade dos PPs, sou arranjadinha e tento pautar a minha conduta por uma série de valores. O meu irmão goza-me descaradamente. E eu não posso fazer outra coisa que não seja juntar-me à festa e digo enormidades – dentro da linha mais conservadora – para nos rirmos, e ele fecha os olhos às minha ironias e finge achar que lhe estou a dar razão e congratula-se e quando voltar a aparecer algum PP lá vou ter que ouvir o mesmo. E quando sairmos e eu me vestir com a primeira roupa que me surgir do armário ele vai relembrar os PPs e por aí além. Para nos rirmos. Mais ele que eu. Mas eu também acho (alguma) graça.
Conheço mal a Espanha. Conheço os espanhóis ainda pior. Sou da Madeira, não do Norte. Não passei a infância a ir aqui ao lado comprar caramelos, o meu pai nunca foi lá atestar o depósito, a minha mãe não é adepta das clínicas que proliferam por lá, o meu castelhano é vergonhosamente fraco, fraquíssimo. Por tudo isso, por ter passado a infância a ouvir “De Espanha nem bom vento…”, por terem levado – e magoado – o Vitinho, por ter passado verões numa hospedaria de turismo religioso transbordante de velhas senhoras espanholas muito faladoras (uns bons decibéis acima do normal), muito elegantes mas excessivamente perfumadas, por algum desinteresse e despeito meus nunca dei muita importância ao país aqui do lado. As primeiras cidades que conheci foram sempre as que ficavam a caminho para… Enfim, agora que a necessidade me obriga a vir mais frequentemente a Santiago, começo a concordar com quem dizia que a Espanha é um Portugal bem tratado: limpinho, alegre, culto, eficiente, rico, orgulhoso. Espanhóis também só há pouco é que entraram na minha vida. Conheci uma na Bélgica, com a qual devo ter trocado três palavras no máximo. Correspondia ao estereótipo: igualzinha à Penélope Cruz, achava as aulas, os professores, o mosteiro, uma seca e dançava, se pudesse, as vinte e quatro horas do dia. Travou logo (profundíssima) amizade com a Emiliana, a italiana que adoptou a Corunha como pátria. A Emiliana era diferente mas comungava do, para mim, “espanhol” princípio de que o mundo vai acabar amanhã e como tal que se dance sem parar até lá que o mais é nada!
Não é muito bonita a imagem que dou dos espanhóis. E no entanto, nada tenho contra eles, e até acho as pessoas que encontro por cá muito bonitas e simpáticas. Esta manhã ao vir conheci finalmente um rapaz espanhol. Na realidade não conheci. Tive a oportunidade de observar. Já tinha reparado nele quando fui comprar o bilhete: tinha uma faixa vermelha de um canto ao outro do rosto, na zona dos olhos. Numa atitude radicalmente PP – regojizar-se-á o meu irmão – disse para mim algo como “Estes espanhóis com a mania que a dança impede o mundo de acabar desgraçam-se de uma maneira…” Fui má. Muito má. Entrei no autocarro, um autocarro enorme, com três pessoas apenas, uma das quais sentadinha no meu local de eleição, pelo que não me restou outra hipótese senão escolher o segundo melhor lugar, por acaso ao lado do do rapaz, corredor a meio a separar-nos. Não o vi. Estava entretida a fazer as últimas recomendações à minha irmã T. através do vidro, estava divertida, distraída, a gesticular e possivelmente a falar mais alto que o normal. O rapaz percebeu, eu percebi que o rapaz tinha percebido, ele voltou-se, logo, logo. Sentei-me direita, a viagem começava. Olhei, pelo cantinho do olho, para o lado. Ele ajeitava-se no lugar ao mesmo tempo que punha o mp3 e os fones. Fechei os olhos, quase adormecia – ainda não me compus das noites perdidas na Bélgica e cá – não fosse um soluço, enorme, profundo, acordar-me num sobressalto. O rapaz estava a chorar como se o mundo já tivesse acabado. Para ele. Para sempre. Sem dança que o pudesse salvar. Fiquei em choque. Ele continuava. Não sabia o que fazer, não podia ser da música, já vinha de longe… aquela faixa vermelha nos olhos… ele tinha estado a chorar! Eu e as minhas palermices! Se tivesse menos dez anos – ou mais cinquenta, ainda me levantava a perguntar se estava tudo bem. Eu e as minhas palermices! Mas não é óbvio que não está? Menos dez anos porquê? Aos vinte e poucos já não é gente? Já não precisa de apoio? Tu e as tuas complicações! Passa-lhe um pacote de lenços que o rapaz precisa, vá! Isto era eu a debater-me comigo até o rapaz perceber que eu já estava a olhar para ele há um século com cara de o-que-é-que-eu-faço-meu-Deus e se ter virado, a fungar, para o outro lado. Fê-lo de todas as vezes que tentei olhar para aquele lado ao longo da viagem. Houve alturas em que adormeceu. Um sono sincopado, nervoso, agitado. Durante esse tempo estive a velá-lo.
Era tão jovem. Tão bonito. Tão espanhol. Também. (Corte de cabelo espanhol, pulseira de couro no pulso à espanhol, pele morena à espanhol. E um sinal no nariz, lindo, sem nacionalidade. Eu e os meus estereótipos, protótipos, preconceitos e sinais!)
Prosseguiu a viagem quando eu saí, suponho que vá para a terra da italiana mais espanhola que conheço: A Corunha. Como os milagres acontecem todos os dias, espero que encontre por lá o conforto que não lhe consegui dar – nem que seja a dançar, como se não houvesse amanhã, com a Emiliana.

Partiu-me a lente das taxonomias, pela enésima vez. Homem (Espanhol) que chora assim não pode ser má pessoa.

Santiago, 02/07/07

terça-feira, julho 03, 2007

Da pluviosidade e outras coisas cinzentas

Blue, em inglês. Where do you go when you're lonely, when the stars are blue...
Chove em Santiago and I'm feeling blue. Como as coisas tristes lembram sempre coisas boas, tempos melhores - bem entendido, andei a remexer nas pastas da Bégica, onde choveu que se fartou também, mas como o B. tinha o dom da ubiquidade e de tornar o difícil fácil, nem tive tempo para entranhar a chuva lá. Porque custa deixar ir a Bélgica e me dava jeito um B. em cada canto do mundo, aqui e agora muito especialmente, aqui fica um pouco de sol, o último dia de Bélgica.


Na despedida

Há na despedida uma morte interior. Pequenina. Como se o mundo que se vem construindo, aquele em que vivemos e aprendemos tanto, aquele feito de rotinas aparentemente insignificantes e quase sem fundamento, fosse um castelo de cartas prestes a desmoronar. Há na despedida uma morte interior. Pequenina. Daquele pequenino que mói e assim magoa mais que tudo e dá ao coração um aperto que chega à garganta. Há na despedida uma morte interior. Pequenina. De sítios, dias de sol, tardes de chuva, pessoas, sons, vivências, gestos, emoções. De tudo e de nada. De um tudo que é quase nada. De um nada que é quase tudo. Há na despedida uma morte interior. Pequenina.
Nunca me despeço. Não gosto. Será porventura o medo da morte. Interior. Pequenina. Que a outra não temo. Nunca me despeço. Não gosto. Do Adeus. Da palavra “Adeus”. Uma espécie de invocação. Em caso de morte (?). Nunca me despeço. Não gosto da palavra “Adeus”. Digo: “Até sempre!” Porque não há morte que destrua o “sempre”. Gosto da palavra “sempre”. Digo: “Até sempre!” Porque me parece ridículo dizer “Até já!”, sou idealista, mas nem tanto. Quando partia dos EUA disse: “I will be seeing you.” Não me despedi com o típico “Até sempre”. “I will be seeing you”.“I will be seeing you” é uma canção da Billie Halliday, muito ao estilo sulista. E o Texas é no sul. E na realidade sentimos sempre o que vai acontecer: efectivamente, vou ver muitos dos amigos que fiz lá, este Verão, cá. And I will be seeing them, e continuarei a vê-los, a eles e, de certa maneira, a Houston – tenho a certeza.
As despedidas são hoje e fujo, fogem de mim também, mas eu fujo mais, quero fugir, para não dizer “Até sempre!”, e ao mesmo tempo quero ficar, para não ter que dizer, nem ouvir (?) “Até sempre!”.
Partindo, ficarei. Para lá do tempo. Tenho a certeza. Sinto. Sei. Deixo, sem querer, um bocadinho de mim aqui. Para sempre.
Há na despedida uma morte interior. Pequenina. Daquele pequenino que mói e assim magoa mais que tudo e dá ao coração um aperto que chega à garganta. Há na despedida uma morte interior. Pequenina. De sítios, dias de sol, tardes de chuva, pessoas, sons, vivências, gestos, emoções. De tudo e de nada. De um tudo que é quase nada. De um nada que é quase tudo. Há na despedida uma morte interior. Pequenina.
Nunca me despeço. Não gosto. Não gosto da palavra “Adeus”. Digo: “Até sempre!” Porque não há morte que destrua o “sempre”. Gosto da palavra “sempre”.

La Foresta 22/06/2006

segunda-feira, julho 02, 2007

A felicidade é uma coisa simples

O Rui voltou! O Rui voltou!

http://pestanamadeira.blogspot.com/

Podia postar sobre muita coisa. Hoje.
Mas nenhuma me faz assim feliz. O Rui voltou à blogosfera.

domingo, julho 01, 2007

Amanhã vou aqui ao lado...

Mas queria estar... aqui.
Ou ali.


Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri

Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter
Felizes, nós? Ali, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez,

Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar;
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar
Ah, nesta terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.



Fernando Pessoa