quinta-feira, julho 19, 2007

Algum dia vens comigo. Mesmo.

A Polónia é o primeiro país de Leste que visito. Nunca prestei muita atenção à Polónia, no entanto lembro-me de há alguns anos atrás ter visto na 2 um programa sobre a História da Polónia e de ter ficado com um nó na garganta e a imagem dos “sete cães a um osso”. Isto por causa das sucessivas invasões e tomadas de poder dos países vizinhos ao longo dos tempos. (Há qualquer coisa de louco na audácia e na veleidade que leva desde sempre alguns a violarem o domínio do outro que me choca e me perturba profundamente.) Rússia, Prússia, Aústria, Alemanha, (eles próprios, reféns de si, na época do Comunismo). Gostava de dizer que o nó na garganta se deveu às consequências, devastadoras para este país, da segunda guerra mundial, mas não. Foi por tudo. Claro que os horrores que os Americanos deram a conhecer ao mundo em 45 são inigualáveis, creio e espero, mas eras e eras de sobrevivência de um povo inteiro de olhos postos numa liberdade que nunca chega é para mim algo muito próximo de um Holocausto.
A Polónia é um país bonito. Tem parques, muitos, e jardins, verdíssimos, rios lindos, de águas escuras, mas calmas. Uma bela metáfora do país. Aos fins de tarde enquanto algumas pessoas se sentam na margens relvadas dos rios a ver o sol descer, ao fundo, no horizonte, pares de namorados estendidos, segredam carinhos e fazem planos para futuro. Sem pressa, nem constrangimentos. Em liberdade.
Existem muitos jovens. As raparigas são lindíssimas, os rapazes quase nunca usam nada sobre o tronco – está muito calor também – e isso faz-me confusão. A generalidade das pessoas que encontro na rua, da minha idade, não fala inglês – é estranho, ou talvez não – mas nunca temos problemas sempre que vamos jantar, e os empregados de mesa das esplanadas da praça principal são muito novinhos. Vamos sempre lá jantar, a comida é muito boa e os preços, exorbitantes para o comum dos polacos, são considerados pelo grupo o preço médio de uma refeição em Portugal. A Polónia precisa de dinheiro, todos os dias há animação variada no centro da cidade, para turistas ou não, a Polónia precisa de dinheiro e a operação de charme em curso, como eu a vejo, tem qualidade: os serviços são bons, os transportes também, a cultura razoável…, a Polónia precisa de dinheiro, entendo isso muito bem – há prédios e monumentos que precisam de obras, há fachadas que precisam de alguma limpeza, há ruas que precisam de consertos, entendo, mas isso não é suficiente para eu perceber porque tenho de pagar para ir à casa de banho ou para tirar fotografias nas Minas de Sal.
Hoje fui às Minas de Sal. Um conjunto de câmaras extensíssimas, donas de uma imponência natural, verdadeiramente preciosas. A capela principal das Minas é de uma beleza!, francamente rara em muitos templos à superfície!…
Fui só com o meu Orientador, os outros dois não quiseram vir. Encontrámos no autocarro uma quinta portuguesa, que o meu Orientador e um dos outros conhece e que, aparentemente, pelo trabalho que tem desenvolvido, diverso do nosso, foi uma (agradável) surpresa por cá. É tão querida! Nada como o outro descreveu, “A F. é assim um bocadinho espaçosa…” É. A F. é espaçosa: no sorriso, capaz de encher-nos a alma de emoção e o coração de calma. Gostei muito dela. A F. estava com o marido, radicalmente diferente dela, melhor: de nós, mas nota-se que gosta muito dela. E isso das diferenças, acaba por ser como o espaço: relativo, para mim pelo menos.
Regressámos a tempo de irmos jantar os quatro do costume ao sítio do costume, bem, hoje até variámos, mas a qualidade e o preço da comida, felizmente, não. Por mera coincidência, pouco depois de nós, chegou ao mesmo restaurante a F. e o marido. Não havia mesas vagas perto de nós, foram para outra mais distante. Quanto a mim, teria muito gosto em que pudessem comer connosco, mas o máximo que pude fazer, dadas as circunstâncias, foi um aceno, efusivo, e um sorriso. A meio da refeição deles, o outro, que estava, como sempre, a jantar connosco, faz-nos o relatório completo do que eles estavam a comer – não era muito também – mas o tom… mil vezes pior que o do adjectivo “espaçoso”. A comida começou a cair-me mal. Eles acabam entretanto e vêm despedir-se de nós. Felizmente a F. vai falar logo com o outro, por quem é evidente que tem grande apreço. Curioso, não? Felizmente porque dessa forma ficámos nós, eu, o meu Orientador e um colega nosso, a falar com o marido da F. Ou melhor, com a cerveja que teve para jantar e que falava agora por ele.
Durante a tarde já se tinha percebido: sotaque o mais transmontano possível, linguagem rústica, extraordinária atenção à qualidade das madeiras que compunha o soalho de certas câmaras das grutas, notáveis considerações acerca do verniz – foi engraçado! E bonito. Duas pessoas tão diferentes decidirem percorrer ambas um caminho tão pedregoso como o da vida, não pode deixar de ser bonito. O problema mesmo foi/é a cerveja. A cerveja mina o coração das pessoas e faz detonar aquilo que o senso normalmente impede que venha ao de cima. À despedida, ele: “Como o meu avô costumava dizer… estou a ser muito chato, desculpem, desculpem mesmo, uma pessoa nunca sabe como falar com os doutores…”
Em Roma, sê Romano. Na Polónia, fui Polaca, naquele momento. Manietada na expressão, calada à força. Para não chamar a atenção do outro. A liberdade é como o ar: em défice, sufoca. Então, por entre “nãos” disparados de todos os lados, sorrimos todos e disse-lhe, eu, por fim: “Doutores? Doutores são os médicos.” (E a mulher dele e o meu Orientador e o outro. Na realidade só eu e o meu colega é que não. Ainda. Mas isso é algo que cerveja nenhuma deveria ser capaz de trazer ao de cima, à ponta da língua de nenhuma pessoa, de nenhuma condição, nunca.)

Algum dia vens comigo. Mesmo. Por todas as razões, mas muito especialmente porque preciso, de vez em quando, como agora, de um abraço teu.
Krakow, 18 quase 19/07/07

4 comentários:

Maria de Lourdes Beja disse...

Nunca viu o comentário que fiz no dia em que partiu para aí,em que lhe perguntava se gostaria de ter o contacto do meu amigo MARIUSZ...Agora quero desejar-lhe um bom regresso e algum descanso, Bjs.

Fora de mão disse...

:-)
Pagar para ir à casa de banho é de doidos. Merecem um xixizinho à porta, não?
Por falar nisso, esse tipo que parece tirar tanto prazer em ridicularizar os outros também merecia uns xixizitos à porta :-)
Bom regresso

Joana disse...

Maria de Lourdes,

Ja respondi no seu.

Brutal,

Foste brutal. ;) Mas tens razao (e ainda me fizeste rir!) Xixizinhos a porta, coisas de homem mesmo! :P Nunca me passaria pela cabeca. Eheheheheh!

Jinhos.

rui disse...

Olá Joaninha

Pois, pois..., já percebi, mesmo com alguns momentos não muito bons a ida a Krakow, foi um sucesso e penso que te apaixonaste por este país.
Como é hábito uma bela narrativa.

Beijinhos