Que Banco é Caixa, aprendemos todos há tempos. De Pandora, aprendi eu apenas ultimamente. Tenho andado às voltas na caixa de Pandora que é qualquer banco, estes dias muito mais vezes do que desejaria. Que tudo o que seja máquina e eu somos absoltutamente incompatíveis, não é novo; que me debitem duas vezes compras no cartão de crédito de-que-me-estão-a-debitar-sempre-tudo-duplamente na mesma semana em que, para evitar isso mesmo, faço ao balcão uma transferência bancária internacional, que, claro, não chega ao destino, é que me parece conspiração do Universo, bancário, contra mim.
Vou sempre ao mesmo banco, trato de tudo com o mesmo senhor, sempre. Ele já me conhece. “Olá Menina, é o costume, não é?” A mesma pergunta que me fazem todos os dias ao pequeno-almoço, o costume também, desde há sete anos, com a interrupção dos EUA pelo meio. Gosto quando alguém assim me diz Menina exactamente assim, detecto no tom uma maiusculação de carinho que me consola como se me desse colo... Trato de tudo sempre com ele, dizia. Excepto a semana passada. Que aborrecido o senhor não estar cá! Deve estar de férias, supus. No lugar dele, um rapaz que eu nunca vi por aqueles lados, muito branco, muito novo, muito atarefadamente profissional. A senha mostra-me uma fila de dez pessoas até chegar a minha vez e eu não tive remédio senão esperar. E olhar o rapaz, a única novidade naquele espaço, exíguo, que já conheço de cor.
Parece-me demasiado novo para aquelas cãs, tantas... Parece-me demasiado branco para aquele fato cinzento, para aquele cabelo, loiro escuro, e para aqueles olhos, verde-musgo. Aquelas cãs. Aquele cabelo loiro escuro. Aqueles olhos verde-musgo.
Aquelas cãs. Aquele cabelo loiro escuro. Aqueles olhos verde-musgo.
A maneira como compomos as palavras interiormente é terrível. Pode mesmo ser cruel. Há palavras que juntamos para algumas pessoas apenas e quando as aplicamos a outras há um alarme que soa dentro. E a advertência chega natural, os olhos baços do abarrotar de dias de uma vida de outrora, agora.
Aquelas cãs... Chega a minha vez, sei porque oiço ao longe o meu número, encaminho-me para aquele som automaticamente. “Está a sentir-se bem?” Não oiço. “Perguntei-lhe se se estava a sentir bem?” mais alto, ouço. “Sim, sim, peço desculpa, por momentos estava longe daqui...” “Logo vi.” Sorriu-me, largo, sincero, bonito. E não consegui retribuir-lhe o sorriso, não consegui encontrar dentro o sorriso que aquele sorriso merecia. “Queria cancelar este cartão...” – disse, sorriso pequenino no olhar, o melhor que arranjei, disse, muito viva, muito objectiva, muito apressada, também. Mexe no computador e sempre a olhar para baixo, “Hum... zangou-se com o cartão, foi?...” E aí, não resisti, se há coisa que me derrete é uma boa Metáfora, uma tirada espirituosa, metáfora, metonímia, trocadilho, chalassa, o que for... Ofereci-lhe o melhor sorriso que consegui junto com as desculpas pelo que lhe havia negado injustamente minutos antes. “... Sim... não... talvez... um pouco, sim...” Novo sorriso largo e eu a corar. “A bem da minha conta bancária e da minha sanidade mental e da vossa, este é mesmo melhor cancelar!” Todo o vermelho do mundo a sorrir nas minhas bochechas. “Já está, ... Joana.” Estremeci. Empalideci. O meu nome. Ok, hora de ir embora. Rápido. “Já? Então, muito obrigada. Adeus, até à próxima.” “Adeus.”
E nas próximas vezes que as houve também, ainda há pouco, tratei de tudo com o senhor do “costume”. O rapaz cumprimenta-me com a cabeça e aquele sorriso. E eu procuro, dentro, em vão, o sorriso que umas cãs assim, uns cabelos loiro-escuro assim e uns olhos verde-musgo assim levaram outrora para parte incerta.
2 comentários:
ah, o entorpecimento de uns olhos verde-musgo... ainda que num banco ou numa seguradora!
Numa seguradora não, por favor!!! Não gosto de seguradoras, e menos, muito menos, das pessoas que lá trabalham... ;)
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