sexta-feira, março 27, 2009

Vejo-me obrigado a concordar com o seu amigo*



O meu amigo. Não é meu amigo, professora, ao contrário do que diz aqui o meu orientador, não é, não somos. Estou convencida de quem nem sabe o meu nome, conhece a minha cara - é obvio, mas se calhar é bom a memorizar caras, eu sei que sou. Parece-me é que não é tão arrogante, malcriado, insolente, mau, o papão que pintam. Foi muito generoso comigo, perdeu tempo, sacrificou tempo dele para explicar coisas que simplesmente. Digo-o com o conhecimento possível e duvidoso de quinze dias de Bélgica. Só isso. São amigos, está visto. Olhe ali o seu amigo, Joana, veja!

Nos EUA todos falavam dele com admiração. Alguns, os alemães, com reverência até. Nunca percebi a idolatria eufórica, marcou a Rice, marcou o Departamento, algumas cúpulas tremem, de orgulho, nunca percebi muito bem, depois li-lhe os livros. Muitos, muitos, muitos e bons. O futuro da teoria. Trinta e poucos anos e uma produção que faz inveja a muitos com o dobro da idade. À sua maneira, tão certa, tão forte, tão constante, tão determinada, subiu os degrauzinhos todos até onde se encontram os fundadores da teoria e até aquelas eminências outras, todos, os de sessenta e muitos anos agora, está com eles no topo. E fê-lo em menos de dez anos. Admiração e reverência percebidas, quase justificadas.


Ele trabalhou muito, trabalhou bem, sempre teve, tem, um sentido crítico notável e uma personalidade, bem, uma personalidade que de tão certa, tão constante, tão determinada, tão aguda, tão certa, não agrada a muita gente. As certezas dispensam subtilezas. Ganhou-me. Irremediavelmente. Para sempre (aquele sempre que não acaba, como a estima!).

Conheci-o já na Bélgica, um ano depois dos EUA, frequentei entre outros os dois seminários dele. O que o meu computador bloqueava com aqueles programas novos, o que eu ficava à nora com os mesmíssimos programas!... Don’t worry, we’ll deal with that during tea time. Germânicos! Durante o lanche continua-se a trabalhar, portanto, tea time, right..., com certeza. Foi assim que passámos a lanchar os dois. Passámos a lanchar sempre os dois. A bem dos meus quase nulos conhecimentos informáticos - as minhas aulas duravam mais trinta minutos do que as dos meus colegas, ali bem à vista da incompreensão de toda a gente, num jardim de Inverno magnífico de gargalhadas, descanso e os nossos trabalhos de linguística computacional. Depois, já para o fim do curso, sem dúvidas, sem dúvida, a bem dele próprio: quando não é um lugar complicado, o topo é um lugar solitário. Percebi.

Certa tarde, casualmente, para um espanto que eu não deixei que se desenhasse nos poucos que viram, logo que lhe descobri o embaraço de nós os dois na fila para o almoço vestidos exactamente... de igual!: ténis, jeans, pólo da Rice. Pólo da Rice!? O único pólo que tinha levado não se fosse dar o caso de, afinal era Junho. Como é que não me ocorreu que ele teria um, e que, tal como eu, o traria naquele dia, de tão confortável e quentinho e azul e tudo e tudo. Era Junho, devia fazer sol!, era Junho mas na Bélgica, no campo, no mosteiro liiiiiiindo, e o sol que fazia era o de um dos Fevereiros daqui. O frio varria as papoilas e o trigo mas não o discernimento. Subi ao meu quarto, vesti um kispo, menos quentinho é certo, mas definitivamente mais adequado. Depois do almoço, seminário, depois do seminário, o lanche do costume, os esclarecimentos do dia, a companhia de sempre... Um pólo da Rice lá longe na memória, um pólo da Rice dobrado, pela consideração, arrumado com estima, primeira peça de roupa do fundo da minha mala.

Um ano depois, já em Cracóvia, voltei a encontrá-lo. Encontra-se sempre muita gente nos congressos internacionais. Mas estou convencida de que ter-me-ia certamente passado despercebido, não fosse ele apresentar quatro comunicações e participar em, pelo menos, três sessões temáticas. Típico, Joana, está a ver? Fui a algumas, ele lá à frente, irrepreensível, igual a si próprio, e a Bélgica tão perto. – Trabalha muito, trabalha bem, é por isso, professora. – O seu orientador não diz nada, mas olhe Joana, vê? Vejo. De facto, é o terror de toda a gente nas sessões temáticas. Vê? Opõe-se com muita força, opõe-se muito alto. Vê? Levanta-se para falar. Vejo. Mas tem um sentido crítico notável!... O meu orientador torce-lhe o nariz à postura, a professora, entre as chamadas de atenção e as observações de sempre, choca-se, ri-se, cochicha com o meu orientador, e eu, eu a tentar, eu a vê-los grego e troianos, eu a querer percebê-los a todos.

Encontrámo-lo nas escadas e nos corredores e na rua, Joana, olhe lá em baixo o seu amigo, está a vir cá para cima, olhe, Joana, olhe o séquito, o séquito do seu amigo... Pois, pois, professora, ... (Ele tem um séquito, uma espécie de mini-corte, colegas de Departamento, que o aplaude e entretém enquanto come, bebe e fala com outras pessoas.) A professora a rir-se desde que lhe topou os apêndices e diverte-se ao me encarar sem resposta. O meu orientador a continuar a torcer o nariz.

Eu a vê-lo, a passar por ele, nas escadas, nos corredores e nas ruas, eu a querer sorrir-lhe o cumprimento educado, eu a não conseguir ser suficientemente rápida, antes do orientador e da professora se. Ele a ver-me, ele quase a retribuir, o séquito a turvar-lhe a vista, a deixá-lo na dúvida. Num dos lanches, tão bons!, daqueles dias intensíssimos de congresso, num raro momento em que me consegui escapulir ao orientador e à professora, num instante em que conversava amenamente e bebia cházinho com colegas, por acaso, da Bélgica, sempre o bendito tea do tea time, dispersou o séquito, veio ter comigo, afugentou toda a gente à nossa volta, como – nunca percebo, mas como sempre – enfim!, olhou-me, muito fundo, muito sério, olhou para o crachá – não gosto nada dos crachás dos congressos! Nome e Filiação académica, produto de origem certificada! – e disse:

- Rice University. I went to Rice, and been to Belgium... last year in June ...
- I know. So have I.

Sorriu. (Coisa rara.) Passou-me a mão no ombro. (Os mitógrafos não consentirão nunca.) E foi reunir o séquito.

* O meu orientador agora num mail acerca de uns atrasos institucionais, efeitos da crise global, contra os quais se ele insurgiu da única maneira que sabe: fundamentada e fortemente.

quarta-feira, março 25, 2009

A Ana ciciou-me um desafio

e eu que não lhe resisto ao Cicio, e não é porque só sabe escrever o que o meu coração sente, não, esta menina Ana 'desarmante' Salomé é a minha querida Ana Catarina - de pérolas salgadas que se partilham ao rolar da face, coisas de meninas bonitas, e dos risos de quase todos os dias na Biblioteca, cá vai:

Desafio Primeiro:

Da Página 161 de um dos livros na cabeceira:


Douglas Coupland, Geração X
Dia de Natal. Logo de manhã, fui para a sala com as minhas velas - centenas, talvez milhares delas - e também com montes e montes de papel de estanho a rosnar de raiva e sacos de pratos de deitar fora. Coloquei velas em todas as superfícies planas livres, com as folhas de estanho não só a proteger as superfícies das gotas de cera como a servirem para duplicar as chamas por reflexo. Há velas por toda a parte: no piano, nas prateleiras dos livros, na mesinha do café, na pedra da lareira, no parapeito das janelas...


Podia ser outro, mas este é o actual, sou rapariga de um livro de cada vez, e esta passagem, curiosamente, tem tudo a ver comigo. A cor do fogo sublinha o óbvio. Para quem não me conhece.


Desafio Segundo:

Uma pérola retida na mémória


Poesia

como meter o mundo
num poema? traduzir-lhe
a áspera realidade,
a doçura
intranquila ?

como meter o trabalho
dos homens, os seus dias,
nessas escassas linhas,
seus ócios, seus espelhos,

seus desvarios, suas
catástrofes de amor ?
como meter a morte
nas palavras ?

só que uma coisa bela
é para sempre uma alegria inquieta.

Vasco Graça Moura


Esta é uma pérola recente. Deste cantinho que tanto me ajuda a crescer. De paragem semanal obrigatória para recolha de pérolas e outras gemas de doce encanto e despertar.

terça-feira, março 24, 2009

24 de Março

De hoje a um mês faço anos. Vinte e oito. Lembrei-me disso agora há pouco por causa do telemóvel, por causa do fim de uma chamada que me pôs a olhar para o céu azulíssimo do visor, para me certificar, para a data de hoje branca no céu azul que me ocupa, quase total, o écran do telemóvel. Hoje é dia, aquele dia, de receber uma série de chamadas e sms de Parabéns enganados, ou – os amigos nunca se enganam! – antecipados, um mês exactamente.

Começa hoje portanto, começo eu, rapariga tonta!, a contagem decrescente para o dia, de todos os dias do ano, em que me sinto mais seca e mais caquética, mais cansada e mais desalentada, mais aborrecida e mais feliz. Genuinamente feliz! Seca e caquética e cansada e desalentada e aborrecida por todas as razões mais ou menos evidentes. Feliz, muito feliz, por conseguir reunir pessoas, muitas vezes apenas dentro, naquele dia, só meu e delas, e o que eu gosto de reunir pessoas!, tantas pessoas, algumas pessoas, aquelas pessoas, as de sempre, as do costume, as de agora, e aquelas, até aquelas, especialmente aquelas que teimam em cantar cada ano como se fosse o primeiro, coisa importante, Parabéns a você nesta data querida, muitas felicidades tantas vezes do outro lado de uma linha que não conheço, nunca vi, com esta coisa dos telemóveis se calhar nem existe..., essa linha, que só imagino e horizontal: ao redor de quem se quer.

Sou uma rapariga muito tonta. Tenho esta mania das contagens decrescentes para dias, tempos, felizes. Foi aquela da semana passada para o dia do meu irmão, é esta de hoje, depois seria a da Califórnia, lá para o fim do ano uma outra para chegar ao Natal... Rapariga tonta! Se me estragam os dias – a crise é nisso perita! –, se me estragam os planos, meus, incrivelmente elaborados com carinho e reflexão, e tenho que deitar tempo, e com ele muitos bocadinhos de mim, fora, meses e meses de contagens rasgados do calendário pessoal, fico barata. Tonta, tonta, tonta!

Passei uns dias maravilhosos de amigos e sol em Lisboa. Esta coisa de se regressar aos lugares onde sabemos ser certa uma nossa dose de felicidade é verdadeiramente extraordinária! Os amigos são uma coisa extraordinária. Seguram-nos nos afectos com o doce conforto dos sorrisos, abrem-nos os olhos para o óbvio com a naturalidade dos abraços, salvam-nos das nossas típicas complicações com aquelas palavras primeiras e os risos que partilhamos, repartimos e contêm todas as palavras e os gestos e tudo o mais que as primeiras palavras não disseram. As melhores conversas, os risos da chegada, o melhor soninho, chocolatinhos à cabeceira, os melhores almoços, os risos da partida, a melhor companhia, múltipla mas una, as conversas de sempre, o melhor dos dias, nós, os encontros, o sol, os desencontros, a graça de um azul-marinho replicado, nós, o Monte da Lua, sob céus de luz de uma Lisboa que borboleteava tão primaveril quanto se podia pedir em sonhos...!

Parece que se renasce de uns dias assim, coração e olhos amorosamente lavados para o mundo e para a vida. A felicidade é uma coisa simples. E chega-se-nos ao regaço num dia do calendário sem círculo vermelho de início ou fim de contagem decrescente.

segunda-feira, março 16, 2009

De hoje até sexta em Lisboa,


As incríveis pautas do Nuno

na Fundação Calouste Gulbenkian, está a decorrer o Workshop da Orquestra Gulbenkian para Jovens Compositores Portugueses - na realidade já começou no dia 11, Quarta-feira última, e termina na próxima Sexta-feira, dia 20 com um Concerto, sob a direcção da Maestrina Joana Carneiro, pelas 19h, no Grande Auditório - a entrada é livre -, do qual faz parte a Peça "ArRestare" de Nuno Jacinto (versão 2009) em estreia.

Vou lá estar pelas razões óbvias, fica aqui a informação para todos os amigos, os colegas, os curiosos e os outros. Todos estão convidados.

sexta-feira, março 13, 2009

O lugar onde cessa toda a procura

Se apagarmos as paredes, as janelas e as portas, à força de as vermos em todas as paredes, janelas e portas; se pusermos para trás das costas o jardim, e todos os jardins forem nossos; se fecharmos no coração o lago, as árvores, o cheiro das flores e dos frutos, se desligarmos as luzes dos candeeiros, corrermos as cortinas, se deitarmos para dentro do escuro a mobília, toda a mobília, que fica da casa?

Tenho andado a pensar muito nisto.

Porque tenho andado por fora, porque tenho andado por casa, porque tenho andado por dentro, porque tenho andado com saudades. Porque tenho muitas casas. “Casa é o lugar a que se regressa sempre”, dei comigo a concordar há dias. (Tenho muitas casas. É por isso.)

É um regresso maior. Não é um regresso qualquer, o regresso sistemático. É um regresso bonito, daquele de quando a menina do bar ainda se lembra do chá que costumo beber ao fim da manhã ou ao fim da tarde e isso, é este!, me faz sorrir e não apenas para disfarçar que corei. É um regresso com significado, daquele de quando vou almoçar com uma amiga, demoramos, muito, queremos regressar ao trabalho, pouco, e acende-se-me, azul piscante, uma mensagem no telemóvel que contém invariavelmente “Joana não a tenho visto pela Biblioteca, espero que esteja tudo bem consigo, ...”, e me lembro de que terá sido porventura muito tempo, muito tempo sem ir à Biblioteca, muito tempo dentro do gabinete da Faculdade, muito tempo passado em casa, terá sido porventura duas semanas, muito tempo, duas semanas e três dias, exactamente, muito tempo.

Mas não é o regresso. Absoluto, concreto e definido. O regresso. O regresso a casa. Um lugar, casa, que pode nem ser morada com direito a entrada na lista telefónica; um lugar, casa, que pode nem ter jardim ou cortinas; um lugar, casa, que pode ser um corpo, um lugar, casa, de abraços, palavras e gestos; um lugar, casa, em que se morre, se nasce, se renasce, se sonha, se espera – se vive; um lugar, casa, nosso, quando cessa toda a procura. Um lugar – aquele onde cessa toda a procura. Casa.

terça-feira, março 10, 2009

De dias assim

Luminosa_Pic (Só percebi agora, Ana Salomé_Catarina!)
Eu, Clérigos, Agosto de 2007 - o pior verão de sempre (e não por causa do cabelo!)

Há dias em que estou mesmo bonita. Dias raros. Como hoje.

Dias em que me levanto, lavo os dentes, olho o meu sono ao espelho, continuo a lavar os dentes - e a olhá-lo, tomo banho, acabo de tomar banho, visto-me, faço a cama, tomo uma amostra de pequeno-almoço, lavo os dentes, volto a lavar os dentes, penteio-me, vou buscar a mala e saio porta-fora.

Há dias, como hoje, em que estou mesmo bonita e queria que me visses. Queria muito que me visses assim. Realmente bonita. Queria muito que me visses num dia assim como hoje. Há qualquer coisa de dádiva nisto, uma dádiva especial, de qualquer coisa que não se vê, qualquer coisa que vem de dentro, da maior tranquilidade, de uma alegria serena, de luz, talvez.

Acontecem coisas extraordinárias em dias assim. A Ana Catarina, por exemplo, apareceu por cá de manhã e antes de se render à desilusão de não ser eu quem trabalhava no lugar que ela diz que é meu – o que eu gosto de a ouvir dizer “Quando não vens, não é a mesma coisa. Hoje no teu lugar estava...” É bom quando, até aos olhos dos outros, pertencemos a um lugar –, antes de se render à desilusão, dizia, veio espreitar cá à frente. “ Pelo sim, pelo não, sabes? Mas... Não te estava a reconhecer.” É do cabelo. “Não é não, estás tão diferente, tão magra e...” Estou a pesar exactamente o mesmo, é da roupa, reconheceste-me pelo castanho de certeza... “Não é nada, estás mesmo...” Estou. Tens razão, e não é da roupa. É de dentro, sabes? Estes dias... Assentiu.

Tenho andado por fora. Pela sombra, estes dias. Por aquela sombra mais sombra. Estava a precisar, há muito tempo já, de uma sombra onde me recolher até a necessidade da luz ser urgente, absoluta.

Somos feitos de luz e sombras, todos, mas mais alguns, como tudo, como sempre. E eu de tanto precisar sempre de luz, devo ser muito sombra dentro. Preciso de uma janela de luz para trabalhar, por exemplo. E de uma parede que me fique ao lado. Agora que penso nisso chega a ser poético, uma candeia para iluminar um caminho e uma parede ao lado.

Em casa, a janela do escritório é a mesma em que chorei um amor quase perfeito, e a parede não fica ao lado, mas em frente, a bater-me branca no branco dos olhos. Se calhar é por isso que não consigo trabalhar muito naquele meu espaço; se calhar é, se calhar não, mas, no fundo, se calhar é – teimo em justificar de mim para mim.

Na Biblioteca, a janela da sala onde costumo trabalhar dá para um jardim interior, mas o sol que me faz cócegas no braço desde o meio da manhã é total. E a parede, a parede fica à minha direita, como a minha melhor amiga quando vamos almoçar ou tomar café, como a minha mãe quando nos sentamos à varanda ao fim do dia a conversar.

Há dias assim. Como hoje. Dias raros em que uma luz perfeita incandesce a beleza mais simples.

quarta-feira, março 04, 2009

terça-feira, março 03, 2009

Hãããããã?????

Esta minha amiga muito querida mandou-me - ao ir para Andaluzia, parou necessariamente no Alentejo - e não resisto. Absolutamente de-li-ci-o-so!

Poema Alentejano
Ê vi-te no jardim no tê jardim,
Andavas colhendo hortelã!
Ê cá gosto de ti,
E tu? Hããããããããaããããã?????

segunda-feira, março 02, 2009

Uma versão mais minha


E então ela disse, para mim, para que eu ouvisse com a cabeça, para que eu o precisasse futuro, necessário, urgente, próximo, para que eu o fizesse por meio de palavras, mas de palavras vivas, ditas, ela disse, se eu soubesse imitar a tua voz..., ela disse, para mim, muito para mim, depois de uma semana inteira das nossas conversas, da minha amargura, ela disse para que eu pontuasse enfim, ela: “Ouve, eu chamei-o de pulha – disse-lhe que ele era um pulha.”

Com razão, com justiça. Declarativa, final. ‘Pulha.’

Um dia gostava de conseguir chamar ‘pulha’ a um alguém. Mesmo que ‘pulha’ me saísse da boca ‘meu querido amor impossível’. Uma versão mais minha.

Gostava muito, um dia, traçava uma linha, estás aqui, dentro no dentro mais dentro para sempre, aqui dentro só, não fora, não em todo o lado, não mais em lado nenhum, nunca, nunca mais. Aqui só.

Ela disse ‘pulha’ e os olhos reluziram-lhe em sal, disseram com ela: ‘pulha’. E eu presa, naqueles olhos, naquele brilho de lágrima contida, naquela força tão grande e tão doce, eu a querer ser assim, eu a pensar, ela, esta menina, tão, tão doce, ‘pulha’!

Ela pensa o mesmo. Eu sei.

Ela disse.

Ela disse. Que eu sou tudo e tudo, amigas!, e possivelmente a única pessoa que, Joana tens que acabar com isso, por favor!, por ti!, que se não se ilumina é porque, ‘pulha’. É pulha quem um dia nos deita nos olhos, em pingos certos, a conta-gotas, o sal dos dias.

E eu . um dia.

Um dia gostava de conseguir chamar ‘pulha’ a um alguém. Mesmo que ‘pulha’ me saísse da boca ‘meu querido amor impossível’. Uma versão mais minha.