sexta-feira, março 13, 2009

O lugar onde cessa toda a procura

Se apagarmos as paredes, as janelas e as portas, à força de as vermos em todas as paredes, janelas e portas; se pusermos para trás das costas o jardim, e todos os jardins forem nossos; se fecharmos no coração o lago, as árvores, o cheiro das flores e dos frutos, se desligarmos as luzes dos candeeiros, corrermos as cortinas, se deitarmos para dentro do escuro a mobília, toda a mobília, que fica da casa?

Tenho andado a pensar muito nisto.

Porque tenho andado por fora, porque tenho andado por casa, porque tenho andado por dentro, porque tenho andado com saudades. Porque tenho muitas casas. “Casa é o lugar a que se regressa sempre”, dei comigo a concordar há dias. (Tenho muitas casas. É por isso.)

É um regresso maior. Não é um regresso qualquer, o regresso sistemático. É um regresso bonito, daquele de quando a menina do bar ainda se lembra do chá que costumo beber ao fim da manhã ou ao fim da tarde e isso, é este!, me faz sorrir e não apenas para disfarçar que corei. É um regresso com significado, daquele de quando vou almoçar com uma amiga, demoramos, muito, queremos regressar ao trabalho, pouco, e acende-se-me, azul piscante, uma mensagem no telemóvel que contém invariavelmente “Joana não a tenho visto pela Biblioteca, espero que esteja tudo bem consigo, ...”, e me lembro de que terá sido porventura muito tempo, muito tempo sem ir à Biblioteca, muito tempo dentro do gabinete da Faculdade, muito tempo passado em casa, terá sido porventura duas semanas, muito tempo, duas semanas e três dias, exactamente, muito tempo.

Mas não é o regresso. Absoluto, concreto e definido. O regresso. O regresso a casa. Um lugar, casa, que pode nem ser morada com direito a entrada na lista telefónica; um lugar, casa, que pode nem ter jardim ou cortinas; um lugar, casa, que pode ser um corpo, um lugar, casa, de abraços, palavras e gestos; um lugar, casa, em que se morre, se nasce, se renasce, se sonha, se espera – se vive; um lugar, casa, nosso, quando cessa toda a procura. Um lugar – aquele onde cessa toda a procura. Casa.

8 comentários:

V. disse...

e quem procura sempre?

(...)

Oásis disse...

"Voltar a casa"... tive de ler o teu e ir ver novamente o último post do antídoto porque acho que os textos se complementam.

Para mim a casa é o lar, é regressar às origens, mas há outros sítios que também são a nossa casa. Não é à toa que ouvimos os professores a chamarem casa às faculdades onde estudaram e onde dão aulas.

Jinhos.

miradouro das cruzes disse...

As casas marcam-nos para sempre! Aqueles jardins "perfumados de flores", as vozes familiares, os ruídos da nossa rua, do autocarro que passa sempre no tempo exacto. Chegamos a ter saudades de determinados cantos, do caramanchão com heras, da fruta que amadurece sem pressa, daquele olhar que se estende pelo horizonte. Nada melhor do que o nosso Monte para sentir a melancolia duma tarde de Verão.
Loorock

Maria Rita disse...

Eu também tenho muitas casas. Eu também 'sinto' muitas casas. Para mim, Casa, é conforto. É sentir que podem vir todos os ventos e todas as tempestades do mundo que vou estar protegida e que nenhum pedacinho de ar vai tocar na minha face. E isso encontro em muitos sítios [- leia-se 'em muitas pessoas']. Em muitos abraços, em muitos sorrisos que se desenham para mim. E as minhas casas, as de paredes e portas e janelas, podem ser acolhedoras. Mas não são melhores, nem sequer mais importantes, do que as Casas, que guardo aqui dentro.

Um beijinho :)*

Anónimo disse...

a nossa casa é o mundo em nós: são os cheiros, os cantos, os calores e os frios, as coisas que o mundo nos diz. chegamos a casa quando estamos no conforto espacial que nos protege

kelly disse...

que conforto: onde cessa toda a procura. que alívio, que delícia!
**

K. disse...

Tenho tantas casas... O Porto e a de que sinto mais falta. S. Pedro de Moel e a que recordo todos os dias. Lisboa e a por qual suspiro de vez em quando. Madrid e a que faz o meu coracao com forca. Barcelona e onde vivo e onde me sinto feliz. Quem pode dizer onde vai ser a nossa proxima casa?

Joana disse...

Vanessa,

Os ingleses dizem que triunfa na vida quem faz as perguntas certas, muito mais do que quem lhes tenta responder.

Diz que triunfar na vida é ser feliz. :))))))))))))))))))))))))


Marisa,

Casa é o lar. Mesmo!

Loo Rock,

O seu comentário só podia... O comentário de um conterrâneo, fervente de sentimento ilhéu. :))

Frida,

As casas que guardamos dentro. Como me lês bem! ;)

Comboio,

A nossa casa é o mundo em nós. Outro bem leitor! :))))))))))))))))

Raquel,

Está tudo dito...

K.,

Ninguém pode dizer. Sabe-se.


Jinhos a todos.