quarta-feira, dezembro 30, 2009

Para 2010

Há tempos andei a fazer contas ao blog. (Há tempos em que o blog não faz sentido nenhum, outros em que faz algum. Mas mais, tenho vindo a aperceber-me, mais são os tempos em que faz pouco: da escrita, de mim, da vida que gosto de chamar, e crer, minha. E é assim que vamos dançando, eu e o blog, na corda de histórias mais ou menos bambas de vida por isto a que alguns outros chamam escrita.)

Já não me lembro dos pormenores - tenho andado a empregar a memória noutras coisas muito fora do âmbito da estatítica blogosférica - mas a indicação numérica de cada ano aqui à minha direita auxilia-me: em anos maus escreve-se assim-assim; em anos bons, igual.

Parece Woody Allenesco, mas não é. É a vida. E é bom assim. Que nada seja nunca tão mau que. Que nada seja nunca tão bom que. Não é a apologia da mediania, do estóicismo, do epicurismo, da racionalidade, da segurança, do pragmatismo, não. É a vida. O equilíbrio na vida. E é bom assim. É boa assim. (O Woody Allen é um guru.)

Não sei que vai ser de mim, da minha vida, deste blog para o ano. Mas sei o que quero. Para mim, para a minha vida, até para o blog. Sei como o quero. E sei que tenho comigo o mais importante para o construir e alcançar.

Para 2010.

Este saber, o sabor doce da certeza de ter promessas felizes à espera, é o que desejo a todos, também.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Que seja simples e maravilhoso e permaneça.



Podia desejar-vos um Natal santo, Um Santo Natal como nos postais da minha mãe, mas sei que isso não chegaria a todos por cá - há palavras impermeáveis, santo é uma.

Podia desejar-vos umas Boas Festas, como em postais outros, como no comércio, como nos transportes públicos, e com isso rematava desejos de Natal e votos de Ano Novo, mas sei, sei bem... por muito que se queira assim, por muito que os amigos assim o desejem, muitas vezes, as Festas são-no sem mais, sem serem Boas realmente boas.

Resta-me então desejar-vos um Feliz Natal, daquele feliz que não é tanto de felicidade - coisa que não se oferece ou deseja: se ganha - mas que é o da sorte de um acontecer.

Nestes últimos tempos de distância e trabalho, tem-me acompanhado uma imagem, uma espécie de flash-back, a nascer vezes sem conta na minha cabeça. É uma imagem simples - duas mãos entrelaçadas, uma mão grande e forte, uma mão pequena dentro dela, dois pulsos de dois braços a serem muito, a serem mais, juntos: o mundo a começar ali -, uma imagem simples e forte, quieta e viva. Pela frequência com que a revejo. Pela intensidade com que me toma quando fecho os olhos. Pela certeza.

Com mais ou menos crise, com mais ou menos frio, em família ou sozinhos, entre amigos ou com estranhos, perto ou longe de onde têm o coração..., o Natal feliz que vos desejo a todos é o desta certeza de uma mão entrelaçada. Que se sintam acompanhados, verdadeiramente acompanhados, nas vossas aspirações e nas vossas angústias, em tudo o que são e no que põem de próprio no que fazem.
Uma certeza destas no coração é o verdadeiro Natal, a melhor das prendas.

Que o vosso Natal seja simples - a maior beleza é simples -, maravilhoso, "cheio de graça e de verdade", e assim permaneça convosco tempo fora.

domingo, dezembro 13, 2009

De um Natal de natais


Há natais dentro do Natal. Natais pequeninos dentro do Natal. Natais pequeninos a acontecerem todos os dias do ano - quando, de novo no quotidiano, se espera muito pouco, e, talvez por isso, se tende a receber quase tudo de olhos e mãos dormentes; natais pequeninos a acontecerem também nesta altura de Natal e a serem diferentes, a serem mais: a surpreenderem-nos o coração, a acordarem-nos os olhos e as mãos, a redefinirem-nos a quadra.

Um dia, já estaria no segundo ou no terceiro ano do curso, cruzaram-se nos corredores da escola o meu professor de Grego e a minha irmã Teresa. Seguimos áreas diferentes, o meu professor tê-la-ia visto comigo uma ou duas vezes, mas terá sido o suficiente para. Perguntou-lhe por mim - nessa altura, ao contrário dos meus colegas de liceu, eu ia pouquíssmas vezes à Madeira, suponho que terá de alguma forma estranhado essa minha condição diferenciada -, disse à minha irmã que gostaria muito de não perder o contacto, deu-lhe o número de telefone de casa, obrigou-a a prometer que eu lhe ligaria nas férias do Natal.

Sem jeito, mas obediente, nesse Natal liguei. Tenho o meu professor de Grego cativo de uma estima e de uma admiração sem paralelo na minha vida escolar. Além de profissionalíssimo, antes e depois de o ser, humaníssimo. E o quanto estas coisas de decidem carácteres e futuros aos dezassete anos... No entanto, a ligação custou-me: eu a pensar no quanto há barreiras que são confortáveis, seguras, eu a pensar que a admiração é uma coisa que me apouca sempre - tendo a ser muito, muito lacónica quando; eu a pensar que o quanto preferia não ter de ligar era o mesmo quanto que o professor me merecia que ligasse.

Falámos. Recordo-me bem do regozijo na voz. (Anos depois viria a ter a impressão de não conseguir disfarçar o mesmo - coisas que só sentem totalmente, só se percebem, com anos de permeio, quando nos calha a vez de sentir um bocadinho nosso também o percurso de um aluno singular.) Antes de me despedir, acabei por me esquecer das barreiras e perguntei-lhe do Natal. "Foi à séria. Nasceu-nos um menino." À séria. Nunca mais me esqueci.

E hoje, hoje em particular, esta lembrança pulsou-me forte dentro. Um Natal à séria. Um que é de alegria, de paz, de esperança renovada, de fé, de futuro, muito para além das palavras 'alegria', 'paz', 'esperança renovada', 'fé', 'futuro', as palavras todas a caberem-nos no regaço, as palavras todas em doce soninho a sossegarem-nos a carga de mundo que, às vezes quase sem querer, levamos às costas.

Uma amiga vai ser tia. Não conheço natal mais Natal que esse.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

uma sombra que se ilumina

Um cair de cabelos nos teus ombros,
um suspiro preso à lembrança que
ficou, um brilho que se demora nos
olhos à janela, um eco que não passa

na memória de um murmúrio, o
abraço em que o tempo se suspende,
a voz que dança por entre ruídos e
silêncio, as mãos que não se libertam

num gesto de despedida, lábios que
outros lábios procuram, uma luz
que alastra na sombra que desce,

e uma sombra que se ilumina quando
a noite já cresce: tu, sonho que
faz real a realidade com que te sonho.

Nuno Júdice

segunda-feira, dezembro 07, 2009

quinta-feira, dezembro 03, 2009

J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans*

São Pedro de Moel

Dá-me saudades. Como quem dá um livro, música, um abraço, ou um elogio... - coisas que repousam sobre o mundo à espera daquele momento único de partilha para se nos aninharem no regaço e se cumprirem. Dá-me saudades. E eu sei que são daquelas que se dão, que me dá, que lhe dou talvez, daquelas que nos vamos dando nas distâncias que tentamos apagar cada dia, nas que não tentamos apagar e conservamos muito dentro, muito nossas, no caminho do caminho que vai de um ao outro, o coração uma borboleta a bater asas no espaço de uma mão aberta a duas mãos fechadas, o nosso mundo todo lá dentro, sei, porque quando lhe disse, me disse, anda! E eu.

Perdi a boleia, perdi o comboio, perdi o tempo, o espaço, a chuva a cair muito sem nunca me molhar, o guarda-chuva a sucumbir ao vento, Braga tão bonita! Um milhão de passos em volta, à volta do imperativo de andar, todas as poças de água a fecharem-se para eu passar, as pessoas longe. Um sorriso novo a tomar tudo, a tomar conta de mim, eu a revê-lo chegar - coisa memorável, a chegada de um sorriso - desde que saí da Biblioteca: eu a entregar-lhe automaticamente os meus dias, a rotina que me impus, o balão de planos por onde vou respirando, ele a ficar com as minhas coisas, ele permanecendo ali, naquele ali que sou eu e é em mim: eu aquele sorriso, a vista turva para o resto - todos os condutores cavalheiros, e atentos - sobretudo atentos -, nas passadeiras do meu caminho até à estação.

Dá-me saudades. Como quem dança. Como se dançassemos, e eu não danço - eu sempre quieta muito quieta, eu com medo de tudo o que, como eu, não dança, de tudo o que troca a dança pela espera - eu com medo do tempo - eu encostada à música, de olhos fechados, com força. A música a ser sorriso, a tomar-me toda, a dançar comigo, eu a dançar, incrivelmente: eu a dançar!, um bocadinho, à revelia do tempo, devagarinho, em segredo. Entre uma coisa e outra na preparação do jantar mais atrasado da semana.

Há uma coragem muito grande no imperativo de certos verbos: um fogo a arder no peito das pessoas bonitas mesmo bonitas a darem-se, uma vertigem de inefável, do mais profundo e misterioso da alma, a viver, independente, num presente para além do presente de ir e voltar.

Dá-me saudades. Como quem conta uma história, eu a ouvir cada palavra, a compor cada imagem, eu toda encostada ao dentro mais dentro do seu lado esquerdo, eu olhos fechados a fixá-las, palavras e imagens, uma por uma, na memória, as palavras.imagens a tomarem conta de mim, uma após outra, após outra, após outra. Até não haver mais palavras nem imagens, e a memória persistir nas vagas de um mar imenso de ternura.

* Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal

terça-feira, dezembro 01, 2009

Faltam 24 dias para o Natal!


É feriado, a casa dorme. Abro as janelas a pensar no quanto são bonitos os dias quietos. Como nos aconchegam na espera de um fruto que deles se desprenda inteiro e nos ilumine os passos ao ritmo do coração. É, por isso, por esse fruto, que me movo leve, pequenina como a chuva lá fora - a chuva que quase não se ouve bater nas janelas, a quase não se sente fora da humidade, embaciada nos vidros, solta na rua, a fustigar-me o nariz.

Tinha o dia mais ou menos bem organizado: agenda simples de árvore e presépio a compor na manhã, que de tarde devia ir a lanchar à cidade dos amigos - uma cidade minha de todos os dias, mas incrivelmente definida, e bonita, quando é dos amigos e no Natal -, Braga, que faltam vinte e quatro dias para, e menos, muito menos que isso, na realidade, para mim, para esta casa que dorme, para toda a gente que vai pelo Natal a casa, àquela casa que não sendo a nossa, é-o, sê-lo-á sempre, antes e depois de tudo.

Rabisco árvores e estrelas de Belém sobre os planos. A manhã está quase no fim, o fruto em caixotes vários no sotão, a casa a demorar-se no quentinho, eu aqui. Agenda da manhã a escorrer mansas agulhas e brilhos de estrela para a tarde, lanche da tarde procrastinado para as kalendas gregas... (Procrastinar é uma coisa tão difícil de fazer quanto de dizer.)

Ainda assim, o primeiro dia do último mês do ano, hoje, é um dia cheio. O Natal franqueando-nos a entrada, serenamente, confiadamente, ou aos saltinhos, passam hoje 75 anos desde a publicação da Mensagem, e 11 desde o primeiro Dia Mundial de Luta contra a SIDA, "morrer é só não ser visto" escreveu Fernando Pessoa.