quinta-feira, dezembro 03, 2009

J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans*

São Pedro de Moel

Dá-me saudades. Como quem dá um livro, música, um abraço, ou um elogio... - coisas que repousam sobre o mundo à espera daquele momento único de partilha para se nos aninharem no regaço e se cumprirem. Dá-me saudades. E eu sei que são daquelas que se dão, que me dá, que lhe dou talvez, daquelas que nos vamos dando nas distâncias que tentamos apagar cada dia, nas que não tentamos apagar e conservamos muito dentro, muito nossas, no caminho do caminho que vai de um ao outro, o coração uma borboleta a bater asas no espaço de uma mão aberta a duas mãos fechadas, o nosso mundo todo lá dentro, sei, porque quando lhe disse, me disse, anda! E eu.

Perdi a boleia, perdi o comboio, perdi o tempo, o espaço, a chuva a cair muito sem nunca me molhar, o guarda-chuva a sucumbir ao vento, Braga tão bonita! Um milhão de passos em volta, à volta do imperativo de andar, todas as poças de água a fecharem-se para eu passar, as pessoas longe. Um sorriso novo a tomar tudo, a tomar conta de mim, eu a revê-lo chegar - coisa memorável, a chegada de um sorriso - desde que saí da Biblioteca: eu a entregar-lhe automaticamente os meus dias, a rotina que me impus, o balão de planos por onde vou respirando, ele a ficar com as minhas coisas, ele permanecendo ali, naquele ali que sou eu e é em mim: eu aquele sorriso, a vista turva para o resto - todos os condutores cavalheiros, e atentos - sobretudo atentos -, nas passadeiras do meu caminho até à estação.

Dá-me saudades. Como quem dança. Como se dançassemos, e eu não danço - eu sempre quieta muito quieta, eu com medo de tudo o que, como eu, não dança, de tudo o que troca a dança pela espera - eu com medo do tempo - eu encostada à música, de olhos fechados, com força. A música a ser sorriso, a tomar-me toda, a dançar comigo, eu a dançar, incrivelmente: eu a dançar!, um bocadinho, à revelia do tempo, devagarinho, em segredo. Entre uma coisa e outra na preparação do jantar mais atrasado da semana.

Há uma coragem muito grande no imperativo de certos verbos: um fogo a arder no peito das pessoas bonitas mesmo bonitas a darem-se, uma vertigem de inefável, do mais profundo e misterioso da alma, a viver, independente, num presente para além do presente de ir e voltar.

Dá-me saudades. Como quem conta uma história, eu a ouvir cada palavra, a compor cada imagem, eu toda encostada ao dentro mais dentro do seu lado esquerdo, eu olhos fechados a fixá-las, palavras e imagens, uma por uma, na memória, as palavras.imagens a tomarem conta de mim, uma após outra, após outra, após outra. Até não haver mais palavras nem imagens, e a memória persistir nas vagas de um mar imenso de ternura.

* Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal

14 comentários:

Anónimo disse...

Amor é fogo...
é dor que desatina...
É solitário andar por entre a gente...
Parabéns !

Joana disse...

Querida Maria de Lourdes,


Camões fora, nada. ;)

Reconhece a fotografia? É da sua terra! :)))))




Beijinhos.

Maria Rita disse...

Que lindo, lindo, lindo. :)))

(Será que há quem resista a S. Pedro de Moel?)

Baci*

Joana disse...

Frida,

Ehehehehe!!!

(Pois, parece-me que não. Ele há lugares que dizem tudo...)




Baci, bella ritornando presto! :D

Vanessa disse...

li, reli. li, reli... ai menina, que palavras tão bonitas. :)

beijinho*

moço disse...

http://www.youtube.com/watch?v=GczSTQ2nv94

Joana disse...

Vanessa,

:D


Moço,

Oh!
Maravilhooooooooooso!

Jinhos a ambos,
(embora para o menino diferentes ;)

comboio turbulento disse...

a sensibilidade bem repuchada ao nível da pele de galinha. tu sabes que sou teu seguidor. E em s. pedro de moel(parecido com noel:), meu deus, que bonito!go on

Joana disse...

Comboio,

Seguidor? Não sabia. Sei que me lês e muito bem. :)))





Jinhos.

Ouriço-Cacheiro disse...

Dá-me saudades... assim que acabo de ler-te já tenho saudades das próximas palavras.
:-)

Joana disse...

Ouriça,


Ehehehehe!!! Elas dizem-te até já!... :P





Jinhos.

ana salomé disse...

«Baixo cede a neve a escuros passos,
na sombra da árvore
erguem pálpebras róseas os amantes».

:)*

versinhos de georg trakl de um poema com título quase à altura dessa ternura: «primavera».

beijinhos grandes.

Joana disse...

Ana Salomé,



Spring it is. :))))))))



Jinhos.

Joana disse...

Georg Trakl, you say? Hum... tenho de o catrapesquisar.. :D






Jinhos, linda.