terça-feira, julho 06, 2010

"Eu gostei sempre muito de olhar as árvores, os animais, o mar, os céus, o mundo. É a vida (...)"

De pessoas muito muito bonitas.

Matilde Rosa Araújo (1921-2010)

Imagem daqui

O facto de ter estudado em casa, com professores particulares, até à ida para a universidade, fê-la ter uma educação pouco comum à generalidade das nossas crianças?

Nessa altura ficava muito ansiosa por ver as outras crianças irem para a escola. Tinha muita sede de comunicação, tanta como agora tenho; e de solidão, mas não daquela solidão egoísta.

No seu livro Segredos e Brinquedos (2000) considerava-se uma "professora de meninos, meninos do meu amar". Teve sempre essa ligação fraterna com os seus alunos?

Foram eles que me deram o sangue para viver.

E sobre a eterna questão das relações entre realidade e ficção; a sua escrita reflecte a sua experiência de vida?
A ficção emerge da realidade. O sol e o menino dos pés frios (1971) tem muito de alunos que fui encontrando. Mesmo O Palhaço Verde (1962) nasceu quando eu estava em Portalegre e fui ao circo e os circos da província eram muito pobres. Eu acho que o circo tem tanto de mágico como de trágico. E o "menino dos pés frios" é, por exemplo, um rapazinho que eu conheci no Cabedelo (perto de Viana do Castelo), que vendia moinhos de vento na praia, chamava-se Joaquim e foi meu companheiro de praia durante dois anos. Ele dizia-me que os pais andavam pelas feiras e que ele dormia numa taberna, na estrada, e todos os dias de manhã lá aparecia ele com os seus moinhos. Aí está uma realidade. Uma, entre tantas mais.

Na sua poesia é nítida a ligação que mantêm com a Natureza.
Eu gostei sempre muito de olhar as árvores, os animais, o mar, os céus, o mundo. É a vida, das várias recordações que tenho da infância. Recordo que na quinta onde nasci e vivi, em Benfica, havia flores, árvores, animais. Tal como na aldeia distante da minha avó paterna.

Não é das escritoras que acha que os jovens lêem menos hoje em dia?
Podem parecer ler menos, porque a massa dos jovens escolarizados é grande. Mas lêem. Antigamente esse espaço de potenciais leitores era muito mais reduzido, hoje há uma maior diversidade de circunstâncias para se ser leitor. O tempo de que o aluno dispõe também é diferente. A televisão podia ter um papel não digo didáctico, no sentido estrito do termo, mas fecundo na abertura para a cultura, não uma cultura elitista mas a cultura autêntica da vida com verdadeiro entendimento da Infância e da Juventude. E também temos os computadores e a Internet, ainda assim não podemos deixar que a "leitura" fique só por aí. De forma alguma.

Entrevista daqui.

4 comentários:

Doppelganger. disse...

Mais um notório(a) escritor(a) português a morrer, mesmo sendo num campo muito diferente do de Saramago, temos de louvar e agradecer o facto de se ter dedicado aos jovens.
*

Joana disse...

Pedro,

Pois. Os leitores começam a sê-lo em pequeninos. ;)





Jinhos.

miradouro das cruzes disse...

Amiga JJ,
Fazem-nos falta muitas Matildes. Pessoas grandes, simples e capazes de colorir o mundo de miudos e graudos. Pessoas capazes de transmitir a vida na escrita e colocar as crianças a sonhar. E de repente lembrei-me de Luther King...

Joana disse...

Carlos,



Pois é. Está coberto de razão. :)))))))))





Jinhos.