quarta-feira, março 21, 2007

No Dia da Poesia...

... umas das minhas de eleição.

Arte poética

o poema não tem mais que o som do seu sentido,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema
o poema é esculpido de sentidos e é essa a sua forma
poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva,
fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de cegos, lê-se mão de criança, ou tu, mãe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras
que não se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e
memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se silêncio
lugar que não se diz e significa, silêncio do teu
olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as conversas,
silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio
de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem
o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias
do verão e o sol entrava pelas janela, o poema é onde eu
fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não
conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a
e comia as torradas feitas no lume da cozinha do
quintal, o poema é aqui, quando levanto os olhos do papel
e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas
e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças
e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.
o poema sabe, o poema conhece-se, e a si próprio, nunca se chama
poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de
si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para
abraçar o seu pai, e é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo
o que quero aprender se o que quero aprender é tudo
é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,
não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas a arder de versos contados e isso não é o poema, não é
a raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torraão de terra a centar hinos e a estender muralhas entre
os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque a palavra poema é uma palavra, o poema é
a carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre
os telhados na hora em que todos dormem, é a última
lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e
incertezas, a letra p não é a primeira letra da palara poema,
a palara poema existe para não ser escrita como eu existo
para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto que não vejo, e que existe porque me
olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.

José Luís Peixoto, A criança em ruínas

3 comentários:

Doppelganger. disse...

o meu nome é pedro SIlva...
tnh 1,90m e sou conhecido por...va la, pedro...(qeres o meu msn?)

jose Luis Peixoto - ja ando pa comprar um livro dele ha bue, ms esqeço-me sempre...

qant ao meu post, ela n me ama ms e a pessoa mais parecido cmg q ja encontrei e é fantástica, d beicinho por ela, somos SO grande amigs

Joana disse...

Ouve lá, ó galã, perdão Pedro...

Se quiseres empresto-te um livro do JLP, tenho é que saber qual é - mas devo ter, tenho quase todos os livros dele.

Quanto ao post, estava a brincar, mas se é fantástica, podias... you know! ;)

Jinhos.

rui disse...

Olá Joaninha

Pois é, recebi uma lição de poesia!

Beijinhos