sábado, março 31, 2007

Se...

Se podes conservar o bom senso e a calma
Num mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê... sê faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bençãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...

Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer de um pensamento uma arca da aliança,
Entre o claraão do inferno e a luz do céu risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo ao amor dos teus amores...

Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhe deste...

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio e construires de novo...

Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos
Só exista a vontade a comandar avante...

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, poderoso ou pobre
São iguais para ti à luz da eternidade

Se quem conta contigo enco0ntra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraie em séculos fecundos...


Então, a ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...
RUDYARD KIPLING

5 comentários:

Maria de Lourdes Beja disse...

O Kipling apareceu-lhe assim "como uma espécie" de antídoto para as criancinhas da Visão ou para as idiotices que se podem encontrar pelos caminhos do zapping ?

outroblog disse...

ai....lembro do villaret a dizer isto?! acho que sim...

outroblog disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Oásis disse...

Hoje estive a ouvir a declamação do Cântico Negro, pelo Villaret, e agora estou a ler os dois poemas e a encontrar semelhanças...

Bjs e obrigada :)

Joana disse...

Maria de Lourdes,

Melhor: O Kipling caiu-me no colo precisamente no momento em que precisava daquelas palavras.

Outro blog,

Ah sim? Não é do meu tempo, o Villaret... Mas por acaso estive com o cd dele onde este poema está, na mão, bem há pouco. :) Coincidências!...

Orquídea,

Também gosto de ir por onde não querem que vá... :P

Jinhos a todos.