Os Outonos da minha vida misturam-se com os Outubros-começo-de-aulas da minha infância. Na Madeira, as aulas começavam sempre em Outubro, agora já não, mas há vinte e um anos atrás foi em Outubro que fui para a escola pela primeira vez.
Foi em Outubro que calcei as minhas primeiras galochas, cor de rosa clarinho, bem bonitas por sinal, foi em Outubro que estreei o meu guarda-chuva cor de laranja, único companheiro de brincadeiras infantis - que eu nunca fui menina de bonecas, nem peluches, nem carinhos, nem chávenas, bules e fogões; só livros e tintas e o dito guarda-chuva. E era em Outubro, a cada Outubro, que surgia um impermeável novo. Logo, Outubro é sinónimo de chuva, lama, muita lama, que há vinte anos atrás as estradas já eram boas, mas não são o que são hoje, vento muito vento, vento que uiva e fustiga as árvores que balançam exageradamente para me saudar, guarda-chuvas que se viram ao contrário em protesto, bátegas de água que me molham o cabelo e descompõem as tranças, cabelos que se soltam e, inquietos, se encaracolam com medo do cinzento do dia, ou da chuva, ou do vento, ou de tudo, mesmo no interior quentinho da sala de aula.
Não é a minha estação do ano predilecta, o Outono. Mas tem castanhas. E por elas tenho especial adoração. Porque o Outono não é apenas uma sucessão de Outubros pelos tempos dos tempos. Não. O Outono dá-me Novembros de castanhas a estalar de mãos escurecidas, mas sempre quentinhas para as minhas, quase sempre frias, impacientes, à espera daquele aconchego aninhado, escondido, no interior das páginas amarelas de uma antiga lista telefónica, tal como me aninho e me encolho dentro do casaco ou da sobreposição deles, depende do dia. E assim o triste Outono, pequeno, frio, despido de folhas, enche-se de cor, bem, pelo menos de sabor. E calor. E o calor sabe sempre ao sítio em que deixámos o coração, a nossa casa, feita de pais e irmãos ou namorados ou amigos, ou, se tivermos sorte, todos eles, e isso torna-o quase a melhor estação do ano. (E tudo graças às castanhas!)
Mas um dia, é sempre assim, um belo dia, num dia específico lá para os finais de um Setembro que já foi mas não esqueço, o meu Outono transfigurou-se. Arrumou a tristeza, pôs as castanhas assadas no fundo da prateleira das coisas que dão graça às estações do ano, e, à sua frente, bem à vista de todos, colocou os beijos. Ele dizia que os dele eram melhores no Outono, viciavam, e que achava que os meus olhos lhe lembravam o Outono e não via tristeza nas folhas que voavam ao vento no Outono, nem no frio do Outono, nem nas tardes cinzentas de Outono passadas na companhia de uma certa rapariga de olhos castanhos, cor de Outono!... Depois ria-se, baixinho às vezes, e acrescentava que quando mudasse a estação, haveria de proclamar o mesmo. "Mas no fundo tenho razão." - concluia. "Razão? Acerca de quê?" "Acerca dos beijos!"
E os meus Outonos continuam pequenos, frios, cinzentos, despidos de folhas, repletos de castanhas quentinhas. E, todavia, desde então, nunca mais, iguais.
Foi em Outubro que calcei as minhas primeiras galochas, cor de rosa clarinho, bem bonitas por sinal, foi em Outubro que estreei o meu guarda-chuva cor de laranja, único companheiro de brincadeiras infantis - que eu nunca fui menina de bonecas, nem peluches, nem carinhos, nem chávenas, bules e fogões; só livros e tintas e o dito guarda-chuva. E era em Outubro, a cada Outubro, que surgia um impermeável novo. Logo, Outubro é sinónimo de chuva, lama, muita lama, que há vinte anos atrás as estradas já eram boas, mas não são o que são hoje, vento muito vento, vento que uiva e fustiga as árvores que balançam exageradamente para me saudar, guarda-chuvas que se viram ao contrário em protesto, bátegas de água que me molham o cabelo e descompõem as tranças, cabelos que se soltam e, inquietos, se encaracolam com medo do cinzento do dia, ou da chuva, ou do vento, ou de tudo, mesmo no interior quentinho da sala de aula.
Não é a minha estação do ano predilecta, o Outono. Mas tem castanhas. E por elas tenho especial adoração. Porque o Outono não é apenas uma sucessão de Outubros pelos tempos dos tempos. Não. O Outono dá-me Novembros de castanhas a estalar de mãos escurecidas, mas sempre quentinhas para as minhas, quase sempre frias, impacientes, à espera daquele aconchego aninhado, escondido, no interior das páginas amarelas de uma antiga lista telefónica, tal como me aninho e me encolho dentro do casaco ou da sobreposição deles, depende do dia. E assim o triste Outono, pequeno, frio, despido de folhas, enche-se de cor, bem, pelo menos de sabor. E calor. E o calor sabe sempre ao sítio em que deixámos o coração, a nossa casa, feita de pais e irmãos ou namorados ou amigos, ou, se tivermos sorte, todos eles, e isso torna-o quase a melhor estação do ano. (E tudo graças às castanhas!)
Mas um dia, é sempre assim, um belo dia, num dia específico lá para os finais de um Setembro que já foi mas não esqueço, o meu Outono transfigurou-se. Arrumou a tristeza, pôs as castanhas assadas no fundo da prateleira das coisas que dão graça às estações do ano, e, à sua frente, bem à vista de todos, colocou os beijos. Ele dizia que os dele eram melhores no Outono, viciavam, e que achava que os meus olhos lhe lembravam o Outono e não via tristeza nas folhas que voavam ao vento no Outono, nem no frio do Outono, nem nas tardes cinzentas de Outono passadas na companhia de uma certa rapariga de olhos castanhos, cor de Outono!... Depois ria-se, baixinho às vezes, e acrescentava que quando mudasse a estação, haveria de proclamar o mesmo. "Mas no fundo tenho razão." - concluia. "Razão? Acerca de quê?" "Acerca dos beijos!"
E os meus Outonos continuam pequenos, frios, cinzentos, despidos de folhas, repletos de castanhas quentinhas. E, todavia, desde então, nunca mais, iguais.
6 comentários:
Do Outono e da escola quando era pequena lembro as folhas amarelas e quebradiças no recreio e os ouriços... Os magustos, não em Outubro, em Novembro, mas ainda Outono. O sábado do magusto, com as castanhas a assar no fundo do recreio, debaixo das árvores que protegiam de chuva miúda que nunca apareceu... Os magustos da minha infância tornam-me o coração quentinho.
Dos beijos, os primeiros, fica a lembrança de que um dia as coisas mudaram e crescemos mais um bocadinho... nunca mais iguais...
Um beijo.
A foto é muito Outonal. Eu também me lembro da minha infância quando me dirijia para a escola. Outubro era sinónimo de vento, de frio e claro que me lembro das fabulosas castanhas. Em casa, assava aquelas castanhas tão boas e comia sem me fartar.
...as paixoes sao assim... mudam a cosmogonia de qualquer um!
Bjicos
Olá Joaninha
Saudosas recordações da menina de olhos de Outono!
Bom fim-de-semana em Braga
Beijinhos,
muitos beijinhos
Os Outonos da vida são sempre assim: salpicados de Verão e pintalgados de Inverno! Beijinhos
Eu cá, nunca gostei dos Outonos... são uns palermas, que me deixam indecisa (fútil:), ou levo isto vestido, ou aquilo, e pior, fazem-me cair cabelo... lol
...Mas pior mesmo, é que me sabem a fim, os Outonos...
... e temo que penso assim desde que li as folhas caídas do Garrett.
Ó melancolia d'um raio...
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