quinta-feira, junho 19, 2008

O mãe! do actor

Ando para escrever este texto há muito tempo. Já o comecei umas duas vezes – esta é a terceira – sempre no dia seguinte a o ter visto e ouvido, porque a coisa teima em repetir-se – e, sempre, com o mesmo sobressalto interior.

Há actores que trabalham pouco e são conhecidos porque aparecem na televisão. Há actores que trabalham muito e ninguém conhece porque, trabalhando em teatro, não aparecem na televisão. Às vezes acontece a estes actores faltar o juízo ou, mais realistamente, o dinheiro, e assim terem uma participaçãozita numa novela qualquer de um canal de grande audiência. É então que passam a ser mais ou menos conhecidos. Não arrastam multidões para as coisas realmente importantes, interessantes, os seus projectos de sempre, nem passam a ter os teatros cheios; mas é só passar o povo por eles na rua, ou num qualquer corredor de uma repartição pública, ou numa discoteca, que isso basta para que a epifania se dê. (Por experiência própria de quem já recebeu às quatro da manhã uma sms com algo como "Sabes quem está cá, aquele magrinho de quem tu gostas, o (nome da personagem)... da (nome da novela) ..."

Ontem ouvia um actor, muito bom por sinal, o tal avistado entre um puntz-puntz e outro pela minha irmã mais nova numa destas madrugadas, dizer um poema onde abundava a palavra mãe. De cada vez que assisto a um espectáculo dele, há sempre aquela palavra, a dada altura, continuamente, a sair dele para mim. Muito pesada, incrivelmente pesada, muitas vezes, sempre. Aquela palavra, num dos muitos poemas, sempre diferentes, que ele diz. E no entanto, de cada vez que ele diz mãe, di-lo exactamente da mesma forma, vazia, da primeira vez que a ouvi. E não suporto. Fico... descalça. É isso. Descalça. Aquela palavra, pesada de tão vazia, deixa-me sem chão, nem céu, nem nada.

Ontem foi a terceira vez que o ouvi dizê-la e, novamente, não consegui, não consigo nunca, evitar o soco no estômago, a boca seca, as mãos suadas. E não é isso que ele pretende, sei. Duvido até que exista alguém sinta o mesmo. "É tão "vazio" o mãe dele, não é?" – perguntei aos amigos que me acompanharam, fiz mal, acho que de certa forma os choquei com a observação. O actor é mesmo bom. Para todos os efeitos. Isto é uma coisa só minha.

Quantos poemas dedicados à mãe haverá na literatura?

A cada espectáculo a cena é inevitável: mãe! mãe! mãe! mãe! mãe! e logo me cai no colo uma mão cheia de adjectivos que vou recolhendo, medindo e pesando ao longo da noite. (Sempre repetidos, não há outros para aqueles mãe! que se sucedem.) Pesado. Vazio. Vago, sozinho, oco, triste, rasteiro, seco, vazio, vazio, vazio... Porventura exagero.

Mas, mãe é uma palavra importante, realmente importante. E são poucas as palavras realmente importantes. As palavras realmente importantes são aquelas que nos dão segurança. Aquelas, únicas, que têm a admirável capacidade de nos mudar, para melhor, por dentro. Aquelas, poucas, que dizem mais e que se dizem melhor, olhos nos olhos, mãos nas mãos.

A meu ver, três, apenas:

mãe

amo-te

sim.

O meu mãe é cheio, redondo, quente, envolvente, seguro e doce. Exactamente como o colo ou as mãos ou a ternura da minha mãe. Se calhar o mãe do actor era exactamente assim. Sim, terá dito isto tudo, certamente, mas à maneira da mãe dele. Eu é que estava à espera de ver nele a minha.

mãe.

4 comentários:

Ouriço-Cacheiro disse...

acrescento-lhe "feliz" e "mar". Acho que a minha "mãe" é igualzinha à tua... igualzinha.

Joana disse...

Ouriço,

Ora, isso explica muita coisa... :P


Somos umas sortudas, não somos?

Jinhos.

Doppelganger. disse...

A minha mãe é "quente", bonita e que me faz pensar que da tudo por mim, e que estara sempre la.


beijinho

Marta disse...

Lindo, lindo!!!

Jinhos gandes.

p.s._ vou "roubar" uma frase tua porque é... TÃO VERDADEIRA! Assim como tu ;)