Chove. Lá fora e dentro dos meus sapatos e dentro das minhas meias. E dentro do envólucro de plástico em que transformaram o meu guarda-chuva à entrada. Chove nos bolsos da minha mala, ou dos bolsos da mala para o chão, assim é que é. Acho que a maquineta dos guarda-chuvas não embrulha malas em plástico. E é assim que vou chovendo escada acima, sala adentro, pequeninos passos sonoros, ploc, ploc, ploc, os meus pés dois aquários, até chegar ao sítio do costume, à minha janela. Chove dentro dos meus sapatos e dentro das minhas meias, embora agora, que já saí, desci, e os fui secar à casa-de-banho, menos, um bocadinho menos. Entornei os dois aquários sanita abaixo.
Quando está para chover, aí uma boa meia hora antes disso, quando pouco ou nada me faz prever que venha a chover, seja porque me esqueci de ouvir o senhor do tempo, seja porque no dia anterior me vesti para a chuva e só deu sol, uma boa meia hora antes da surpreendente inevitabilidade de chover, num rasgo de particular boa-disposição matinal, lembro-me de vestir uma saia. Fica sempre bem. Tão feminina! Uma saia. Uma saia de Inverno. Vou ao armário, pego numa qualquer, não demoro muito, nisso sou prática – muito prática até – nisso, quase nisso apenas. Escolho a saia, calço as meias que condizem com a saia, calço os sapatos que condizem com as meias e a saia, visto a camisola que condiz com as meias e saia, visto o casaco que às vezes não condiz com nada, mas é quentinho e comprido e provavelmente castanho, e isso chega para me sentir bem.
Antes de sair de casa, começa a chover – é quando estugo o passo e hesito em voltar ao armário escolher umas calças e calçar umas botas e nos entretantos mudar a roupa toda porque, ... definitivamente muita canseira –, prossigo, agarro num qualquer guarda-chuva grande, desligo a luz e saio porta fora. Para a chuva. De encontro a todas as poças de água, a todos os postes e a todas as pessoas de guarda-chuva e mala e filhos e cães na mão. Quando chego a Braga novo drama, outras poças de água, outros postes, outras pessoas, os mesmos malabarismos... Em Braga a chuva é pior: mais densa, mais constante, mais... muita coisa, quase tudo! Aqui, quando chove, não há distância que não se alongue, as ruas que são a subir, inclinam-se mais, as que são a descer, o mesmo, inversamente; eu a lutar contra isso, eu a correr, eu a olhar a saia, as meias, os sapatos e o chão, rios de chuva rua abaixo, eu a correr, o meu pequeno-almoço à espera, tão lá para cima, tão longe! Aqui, quando chove, as pessoas juntam-se muito, eu a tentar furar, fazem uma espécie de barreira, eu a tentar ultrapassar, que, nunca entendi, não é do agrado do vento, não gosta, intromete-se: vira guarda-chuvas, quebra guarda-chuvas, dá-me cabo do cabelo, da saia e das meias e dos sapatos, enfim revira a minha boa-disposição matinal!
Depois chego ao quentinho do sítio do meu pequeno-almoço e o senhor do costume, sequíssimo como se deve sempre estar, sorri quando me dá os bons dias e diz, olhe, menina tem a certeza de que se quer sentar aí, é muito próximo da porta, vai apanhar frio e chuva e eu olho para ele e quero gritar-lhe que toda eu sou frio e chuva portanto não, mas não digo nada e sacudo o melhor que posso a chuva para poder sorrir de volta. Como rápido e saio e atravesso a rua o mais depressa que me permitem os meus dois aquários andantes, ploc, ploc, ploc, sorriso à frente dos olhos, guarda-chuva à frente do sorriso, e quase embato de frente na única pessoa que conheço que tem o olhar mais frio que os meus pés neste momento. Dou-lhe o meu sorriso, os meus bons-dias, o meu sorriso novamente, mas ela não, nada, nunca. Afinal chove, muito, venta, muito também, e anda para aí uma crise e o SLB não chegou ao topo da tabela e o BPP vai pelo mesmo caminho que o BPN e eu, eu apesar de todos os nãos, nadas e nuncas, eu permaneço. Eu. Já disse o quanto chove?
E isso então, se tudo é mau, isso então.
8 comentários:
Eis aqui plasmada a diferença abissal entre quem escreve e quem é escritor.
Eu diria, apenas, algo como ‘m**** para a chuva, estou molhado e gelado’.
Tu fazes-nos molhar-nos contigo…
Se apanhares chuva comigo, compro-te um peixinho! :P (aquários já tens, eheheheh)
Jinhos.
Marisa
Ai os amigos, os amigos! :P
Já vos disse que são uns queridos?
:))))))))))))))))))))))))
Antídoto,
Tens o condão me melhorar os dias! (Já nem está a chover nem nada!...)
:P
Marisa,
Temos que marcar isso, porque eu quero muuuuuuuiiiiito e há que tempos um peixinho dourado (para dar com a memória e tal) e lá em casa acham que estou maluca! :P
Jinhos a ambos.
Não mencionaste o facto de chover, hoje, na tua cabeça, pois não? Isso, continua enxuta aí dentro! Não enferruges, nem ganhes verdete ;-)
Aqui por baixo também chove e faz muito frio... lá fora!
Ouriça,
A tua lucidez é qualquer coisa de absolutamente extraordinário! :*
Não, não disse. E não me teria apercebido disso se não viesses cá ler-me. :)))))))))))))))))
Um xi grande, grande, grande, para ti.
Joaninha: e um certo fato de cabedal não dá para dias assim? Ou é por ser de saia? E se fosse só o casaco com umas calças de ganga grossa? Ideias... Por aqui também há chuva às catadupas.E frio,frio,frio...
Bjs.
Querida Maria de Lourdes,
Se dá! :)))))))))))))))
Vou mandar-lhe foto do dito... ;) Aguarde!
Jinhos.
P.S. Comentou como Anónimo, os problemas com os comentários continuam?
(...e não pára de chover)
:/
belo post...
bj
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