quarta-feira, setembro 03, 2008

O que está escrito na cara


Ele perguntou de uma maneira estranha. Como se soubesse. Como se fosse óbvio. Como se não pudesse ser de outra maneira. Foi desconcertante, declarativo. E isso caiu-me mal. “Não és fumadora, pois não?” E, quase sem tempo para respostas, já me puxava a cadeira e nos estávamos a sentar na parte dos não-fumadores. “Não, não sou.” Sorri, ainda lutei contra mim para a coisa se ficar por ali, mas não resisti. Irónica, o não, não se nota que não sou, a que acrescentei o meu sorriso foi automático. E eu ainda assim a ferver por dentro, aquela assertividade imensa, sonora, que não me deixava. “Não tenho cara disso, pois não?”

“Não. Nada. Tens cara de mamã.”

Cara de mamã. Eu. Eu que, após anos e anos, décadas, de audição atenta de perfis traçados por amigos e menos amigos, acho que tenho um sorriso de dezassete anos, uma covinha na bochecha direita de dezasseis e a doçura natural de quem tem... quinze, vá.

Eu, mamã. Esqueçam o estranho, esqueçam o desconcertante; isto é verdadeiramente avassalador.

Oh. É do vestido. Será? Do vestido? O vestido é daqueles de cintura subida. É azul, pelo joelho, é lindo, lindo, lindo, as sabrinas são azuis escuras, também, e têm uma fitinha bordeaux em toda a volta. Não. Não pode ser. Eles nunca reparam nessas coisas.

É porque o ando a ajudar. O Freud explicaria isso muito bem. Na volta, uma terapiazita vinha-me mesmo a calhar. Eu que pensava que estava a ser muito profissional!... Ao emprestar os livros, até pedi para ele tirar cópias. (Porque os preciso de volta o quanto antes.) Ao fazer a listinha dos artigos, nem os elenquei por ordem de imprtância. (Não que não me ocorresse, mas não tive tempo.) Ao aceder a tirar-lhe algumas dúvidas, marquei sempre à hora de almoço. (Para não perder muito do meu tempo, novamente.) Porque é que eu nunca consigo ajudar de uma maneira profissional? Se calhar porque eu não sou o Freud. Mas porque é que eu quando ajudo, mesmo que seja em termos de trabalho, sou maternal? Que coisa!

“Joana, estás a ouvir? Dizia-te que vais ser uma mamã fofinha.” Não estava. Mas “fofinha”, isso sim já era um adjectivo digno; um condiz, pelo menos, com o meu sorriso e a minha covinha e a doçura que dizem que eu tenho.

Estava agora a pensar neste meu almoço de ontem porque ao vir para cá dei de caras com uma série de revistas que davam conta da nova cara da princesa Leti. Nunca gostei muito da princesa Leti. Não consigo ultrapassar aquele “Cala-te, deixa-me falar.” que não concebo de ninguém, nunca, na minha esfera muito pessoal, e, portanto, estranho na boca da então futura esposa do soberano de uma nação. Displicências à parte, cada vez me convenço mais de que o que vivemos fica-nos escrito na cara. E isso parece-me tão extraordinário quanto humano. Um dom maravilhoso. Um tesouro a manter. Em gesto de dádiva, em aberto. Pelo tempo fora.

4 comentários:

100 remos disse...

Joana,Joana, eu bem te vi toda derretida com o Dinis! LOL

Joana disse...

Ehe!!! A verdade (que não escrevi) é que tenho vindo a pensar muito nisso, ultimamente...

Vá-se lá saber porquê... ;)


Jinhos.

Marta disse...

Cara de mamã! Tão lindoooooo... Se me dissessem isso derretia logo! Quanto a "mamã fofinha", tem o sentido de "quero namorar contigo" ;)

Joana disse...

Cold,

Mas eu derreti :P, foi automático, só que depois pus-me a pensar, porventura demasiado, nas coisas sobre que reflecti no post.

Agora, diz-me tu, desde quando é que a menina é glossário ambulante de expressões??? ("Quanto a "mamã fofinha", tem o sentido de "quero namorar contigo") Eheheheheeheheheh!!!!!!!!!!!!!!!!!!

E menina-glossário: Olhe que não, olhe que não. ;)Não só não estou para isso, como a pessoa em questão se casa daqui a menos de um mês, curiosamente no dia de aniversário da minha mamã! :)))))))))

Jinhos.