Ossos longos, ossos chatos, ossos curtos, ossos irregulares. O osso é uma estrutura exclusiva dos animais vertebrados - a única que lhe sustenta o corpo e apoia os músculos para o movimento. É osso o que protege cada órgão vital do nosso corpo: o crânio protege o cérebro, as costelas, o coração. SUB-STANTE.
quinta-feira, dezembro 30, 2010
quarta-feira, dezembro 29, 2010
The New Year
Next to Christmas-day, the most pleasant annual epoch in existence is the advent of the New Year. There are a lachrymose set of people who usher in the New Year with watching and fasting, as if they were bound to attend as chief mourners at the obsequies of the old one. Now, we cannot but think it a great deal more complimentary, both to the old year that has rolled away, and to the New Year that is just beginning to dawn upon us, to see the old fellow out, and the new one in, with gaiety and glee.
There must have been some few occurrences in the past year to which we can look back, with a smile of cheerful recollection, if not with a feeling of heartfelt thankfulness. And we are bound by every rule of justice and equity to give the New Year credit for being a good one, until he proves himself unworthy the confidence we repose in him.
This is our view of the matter; and entertaining it, notwithstanding our respect for the old year, one of the few remaining moments of whose existence passes away with every word we write, here we are, seated by our fireside on this last night of the old year, one thousand eight hundred and thirty-six, penning this article with as jovial a face as if nothing extraordinary had happened, or was about to happen, to disturb our good humour.
Charles Dickens (1812-1870)
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Hackney-coaches and carriages keep rattling up the street and down the street in rapid succession, conveying, doubtless, smartly- dressed coachfuls to crowded parties; loud and repeated double knocks at the house with green blinds, opposite, announce to the whole neighbourhood that there's one large party in the street at all events; and we saw through the window, and through the fog too, till it grew so thick that we rung for candles, and drew our curtains, pastry-cooks' men with green boxes on their heads, and rout-furniture-warehouse-carts, with cane seats and French lamps, hurrying to the numerous houses where an annual festival is held in honour of the occasion.
We can fancy one of these parties, we think, as well as if we were duly dress-coated and pumped, and had just been announced at the drawing-room door.
Take the house with the green blinds for instance. We know it is a quadrille party, because we saw some men taking up the front drawing-room carpet while we sat at breakfast this morning, and if further evidence be required, and we must tell the truth, we just now saw one of the young ladies 'doing' another of the young ladies' hair, near one of the bedroom windows, in an unusual style of splendour, which nothing else but a quadrille party could possibly justify.
The master of the house with the green blinds is in a public office; we know the fact by the cut of his coat, the tie of his neckcloth, and the self-satisfaction of his gait--the very green blinds themselves have a Somerset House air about them. (...)
Continuar a ler aqui.
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segunda-feira, dezembro 20, 2010
domingo, dezembro 19, 2010
sábado, dezembro 18, 2010
sexta-feira, dezembro 17, 2010
ANA SALOMÉ & TIAGO SOUSA
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Poesia e Música esta noite, às 21h 30m, em Lisboa, na tertúlia mensal da Livraria CE Buchholz VERDES SÃO OS CANTOS.
Uma das melhores noites do ano. Não percam. Não percam. Não percam.
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quinta-feira, dezembro 16, 2010
quarta-feira, dezembro 15, 2010
terça-feira, dezembro 14, 2010
O Presépio somos nós
O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro destes gestos que em igual medida
a esperança e a sombra revestem
Dentro das nossas palavras e do seu tráfego sonâmbulo
Dentro do riso e da hesitação
Dentro do dom e da demora
Dentro do redemoinho e da prece
Dentro daquilo que não soubemos ou ainda não tentamos
O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro de cada idade e estação
Dentro de cada encontro e de cada perda
Dentro do que cresce e do que se derruba
Dentro da pedra e do voo
Dentro do que em nós atravessa a água ou atravessa o fogo
Dentro da viagem e do caminho que sem saída parece
O Presépio somos nós
É dentro de nós que Jesus nasce
Dentro da alegria e da nudez do tempo
Dentro do calor da casa e do relento imprevisto
Dentro do declive e da planura
Dentro da lâmpada e do grito
Dentro da sede e da fonte
Dentro do agora e dentro do eterno
José Tolentino Mendonça
domingo, dezembro 12, 2010
Livro de Horas - 6
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"Alegre-se a terra que era deserta e intransitável,
exulte a solidão e floresça como um lírio."
sexta-feira, dezembro 10, 2010
Repetitio est Mater Studiorum
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Só agora me apercebi de que este blog já ultrapassou os mil posts. E lembrei-me disto:
Quanto tempo
Duram as obras? Tanto
Quanto o preciso pra ficarem prontas.
Pois enquanto dão que fazer
Não ruem.
Convidando ao esforço
Compensando a participação
A sua essência é duradoura enquanto
Convidam e compensam.
As úteis
Pedem homens
As artísticas
Têm lugar pra a arte
As sábias
Pedem sabedoria
As destinadas à perfeição
Mostram lacunas
As que duram muito
Estão sempre pra cair
As planeadas verdadeiramente em grande
Estão por acabar.
Incompletas ainda
Como o muro à espera da hera
(Esse esteve um dia inacabado
Há muito tempo, antes de vir a hera, nu!)
Insustentável ainda
Como a máquina que se usa
Embora já não chegue
Mas promete outra melhor.
Assim terá de construir-se
A obra pra durar como
A máquina cheia de defeitos.
Duram as obras? Tanto
Quanto o preciso pra ficarem prontas.
Pois enquanto dão que fazer
Não ruem.
Convidando ao esforço
Compensando a participação
A sua essência é duradoura enquanto
Convidam e compensam.
As úteis
Pedem homens
As artísticas
Têm lugar pra a arte
As sábias
Pedem sabedoria
As destinadas à perfeição
Mostram lacunas
As que duram muito
Estão sempre pra cair
As planeadas verdadeiramente em grande
Estão por acabar.
Incompletas ainda
Como o muro à espera da hera
(Esse esteve um dia inacabado
Há muito tempo, antes de vir a hera, nu!)
Insustentável ainda
Como a máquina que se usa
Embora já não chegue
Mas promete outra melhor.
Assim terá de construir-se
A obra pra durar como
A máquina cheia de defeitos.
"Sobre a Construção de Obras Duradouras"
Bertold Brecht
'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'
Tradução de Paulo Quintela
Construir, constrói-nos.
Avulsos:
Há 12 anos este discurso encantou o mundo.
A cerimónia de entrega do Nobel pode ser anualmente acompanhada em directo aqui.
Há 90 anos nasceu esta senhora. Um génio que soube transformar a luta em arte.
Ai(a felicidade!)nda no embalo de ontem, a musiquinha desta sexta.
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quarta-feira, dezembro 08, 2010
Livro de Horas - 5
Piero di Cosimo, Imaculada Conceição 1505, Imagem daqui
Para amar.
Coisa difícil, coisa intemporal, condição sem a qual não.
De mulher.
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terça-feira, dezembro 07, 2010
segunda-feira, dezembro 06, 2010
domingo, dezembro 05, 2010
Livro de Horas - 4
Irises,1989, Van Gogh (1853-1890) Imagem daqui
"... e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor..."
sábado, dezembro 04, 2010
sexta-feira, dezembro 03, 2010
quinta-feira, dezembro 02, 2010
Citação de citação
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quarta-feira, dezembro 01, 2010
Juízo do dia
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Faltam 30 dias para acabar o ano.
24 para o dia de Natal, 23 para a véspera, 20 para regressar a casa, 15 para acabar um trabalho. O tempo decresce, como o mercúrio nos termómetros estes dias.
Passaram-se 370 anos, mais de três séculos e meio, desde a Restauração da Independência até então anulada pela dinastia filipina.
A História mudou o nosso conceito de independência. O conceito de união suplantou-o. Até quando? Da mais fracturada união europeia de sempre a uma união ibérica que começa a ganhar partidários, não estaremos a construir o regresso da ideia de independência da Restauração?
É o 75º aniversário deste senhor.
Da Nova Iorque dos outonos mais bonitos, da sociedade americana das famílias mais disfuncionais, do absurdo da riqueza, da religião, do cinema. Ensinou a sentir em riso (e jazz).
Os meus pais comemoram 31 anos de casados.
Uma vida inteira sob o signo da expansão.
Celebra-se o Dia Mundial da Luta Contra a Sida - uma doença com a minha idade.
Uma doença de jovens e menos jovens, de brancos e negros, global e íntima, de medos e inconsciências. Um flagelo sem fim à vista, surdo, por razões que vão muito além das religiosas, às campanhas de prevenção.
"No Ocidente dos nossos dias, a palavra civilização surge demasiadas vezes, e de modo irónico, aconchegada entre aspas. Comum parece ser a ideia de que a civilização Ocidental é a máscara perfeita para um conjunto de interesses, inconfessáveis, que desejam em permanência o domínio do Mundo. Assim, o progresso será a “marcha da História”. O conhecimento será o “estado natural da Humanidade”. A riqueza será o “destino do Homem”. A tranquilidade será um “Direito Universal”. Para esta ingénua filosofia, nada teremos de preservar – a civilização resume-se a uma dádiva da Natureza. Mas como escrevia Edmund Burke, para que a barbárie se afirme basta que o homem civilizado se acomode à inacção."
Carlos Marques de Almeida
terça-feira, novembro 30, 2010
Fernando Pessoa (13-06-88 — 30-11-35)
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I
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
e vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
II
Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...
Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...
O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...
A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...
E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...
III
A Grande Esfinge do Egito sonha pôr este papel dentro...
Escrevo - e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...
Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Quéops...
De repente paro...
Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egito me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...
Ouço a Esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Queóps, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso...
Funerais do rei Queóps em ouro velho e Mim!...
IV
Que pandeiretas o silêncio deste quarto!...
As paredes estão na Andaluzia...
Há danças sensuais no brilho fixo da luz...
De repente todo o espaço pára...,
Pára, escorrega, desembrulha-se...,
E num canto do teto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados...
V
Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do carroussel...
Árvores, pedras, montes, bailam parados dentro de mim...
Noite absoluta na feira iluminada, luar no dia de sol lá fora,
E as luzes todas da feira fazem ruídos dos muros do quintal...
Ranchos de raparigas de bilha à cabeça
Que passam lá fora, cheias de estar sob o sol,
Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira,
Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar,
E os dois grupos encontram-se e penetram-se
Até formarem só um que é os dois...
A feira e as luzes das feiras e a gente que anda na feira,
E a noite que pega na feira e a levanta no ar,
Andam por cima das copas das árvores cheias de sol,
Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol,
Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam à cabeça,
E toda esta paisagem de primavera é a lua sobre a feira,
E toda a feira com ruídos e luzes é o chão deste dia de sol...
De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira
E, misturado, o pó das duas realidades cai
Sobre as minhas mãos cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar...
Pó de oiro branco e negro sobre os meus dedos...
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente como o dia de hoje..
VI
O maestro sacode a batuta,
E lânguida e triste a música rompe...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé de um muro de quintal
Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo...
Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...
Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão tornando-se jockey amarelo...
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)
Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos...
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há arvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...
E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
e vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
II
Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...
Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...
O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro...
A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel...
E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...
III
A Grande Esfinge do Egito sonha pôr este papel dentro...
Escrevo - e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...
Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Quéops...
De repente paro...
Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo...
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egito me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...
Ouço a Esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Queóps, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso...
Funerais do rei Queóps em ouro velho e Mim!...
IV
Que pandeiretas o silêncio deste quarto!...
As paredes estão na Andaluzia...
Há danças sensuais no brilho fixo da luz...
De repente todo o espaço pára...,
Pára, escorrega, desembrulha-se...,
E num canto do teto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados...
V
Lá fora vai um redemoinho de sol os cavalos do carroussel...
Árvores, pedras, montes, bailam parados dentro de mim...
Noite absoluta na feira iluminada, luar no dia de sol lá fora,
E as luzes todas da feira fazem ruídos dos muros do quintal...
Ranchos de raparigas de bilha à cabeça
Que passam lá fora, cheias de estar sob o sol,
Cruzam-se com grandes grupos peganhentos de gente que anda na feira,
Gente toda misturada com as luzes das barracas, com a noite e com o luar,
E os dois grupos encontram-se e penetram-se
Até formarem só um que é os dois...
A feira e as luzes das feiras e a gente que anda na feira,
E a noite que pega na feira e a levanta no ar,
Andam por cima das copas das árvores cheias de sol,
Andam visivelmente por baixo dos penedos que luzem ao sol,
Aparecem do outro lado das bilhas que as raparigas levam à cabeça,
E toda esta paisagem de primavera é a lua sobre a feira,
E toda a feira com ruídos e luzes é o chão deste dia de sol...
De repente alguém sacode esta hora dupla como numa peneira
E, misturado, o pó das duas realidades cai
Sobre as minhas mãos cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar...
Pó de oiro branco e negro sobre os meus dedos...
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente como o dia de hoje..
VI
O maestro sacode a batuta,
E lânguida e triste a música rompe...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé de um muro de quintal
Atirando-lhe com uma bola que tinha dum lado
O deslizar dum cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo...
Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora um cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo...
Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão tornando-se jockey amarelo...
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...)
Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal... E a música atira com bolas
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos...
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo...
E dum lado para o outro, da direita para a esquerda,
Donde há arvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância...
E a música cessa como um muro que desaba,
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...
Chuva Oblíqua
Poesias - Pessoa Ortónimo
Fernando Pessoa
Porto Editora
segunda-feira, novembro 29, 2010
Escrever a Vida: da escrita e da memória
Imagem daqui
Ontem estive quase uma hora a olhar uma fotografia desta menina. A fotografia era de um grafitti onde se podia ler: FOREVER BEGINS WHEN YOU SAY YES.
Escrever é pensar. Ler é pensar. Olhar e ver também é pensar. Pensar faz-nos. Quando se diz verba volant, scripta manent, diz-se da palavra escrita, daquela que permanece, que é valor seguro, que passa de geração em geração, que atravessa culturas, que dita mundividências. Toda a palavra escrita é conhecimento, toda a palavra escrita é ciência, toda a palavra escrita é História. Toda a palavra escrita é pensar.
Olhamos com a nossa vida nas íris, lemos com o nosso passado ao lado, escrevemos com a nossa história a espreitar pelo ombro. Se a cognição e a emoção fossem fenotípicas seríamos animais diferenciados por várias camadas e filtros. Temos as nossas verdades, os nossos medos, as nossas éticas, os nossos dogmas - as nossas vidas, pessoais e intransmissíveis. Assimilamos a realidade segundo os nossos quadros conceptuais, as nossas vivências emocionais, o legado da hereditariedade, as aportações do meio e o momento.
Escrevemo-nos quando escrevemos. Mesmo ficcionando, escrevemo-nos. Escrever-se, porém, é outra coisa. Escrever-se é aceitar o desafio para um duelo - aquele que nos impuser a nossa história pessoal. Escrever-se é, pela mão frágil da memória, ousar olhar-se, encontrar-se, conhecer-se, aceitar-se. Assim sendo, a autobiografia, mais do que um género para finais de vidas cheias, é um exercício de liberdade, imperativo nos dias que correm, a que qualquer um de nós se pode propor em determinado momento da vida.
Este livro encheu-me o final do dia. Antes de ser um manual de escrita, é a sombrinha do equilibrista no arame. Recomendo.
domingo, novembro 28, 2010
sábado, novembro 27, 2010
Nas nuvens
Imagem daqui
Sabe-se que se está apaixonado quando se deixa de ser o que se é. Quando o que se é passa a ser outra coisa, uma coisa que só a gente entende, uma coisa que, se a gente não entender, pouco importa.
O ano passado no Natal, dois ou três dias após a chegada mais desejada do ano todos os anos, a fazer guacamole ou esparregado - já não lembro ao certo - trilhei o dedo médio e o indicador direitos com a varinha mágica. Mexi-lhe, ligada, e foi o fim do guacamole, acho que foi guacamole, e o início de um pânico pequenino - a minha mãe não estava, escapámos, eu e o meu pai, ao pânico geral. O pânico pequenino é outra coisa, uma muito minha e metabólica - a de me saber não estar em controlo da situação. O meu pai, virtude profissional, nunca entra em pânico: fez-me o curativo e prosseguimos sem mais com a rotina normal da hora de almoço.
À tarde a minha mãe queria ver. Mostrei. Um silêncio alarmado de olhos entre ela e o meu pai. Uma coisa que, sei, não tinha nada a ver com a ferida. Devias levar dois pontitos nisso, que o teu pai disse-me - o meu pai já longe, no quintal - mas como és sossegada, ou costumavas ser, enfim, ... a ver se isso passa sem se ir às urgências. Passou. Ia Janeiro já a meio, quando se dissiparam as marcas maiores e recuperei a mobilidade.
Acabo de agrafar o dedo indicador, bem no lugar onde as cicatrizes do Natal passado se escondem. A ponta do dedo a ferver lembra-me que o que a vida traz ao "coração em redor do fogo" não se compadece de imperativos profissionais.
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ortografia do olhar
sexta-feira, novembro 26, 2010
quinta-feira, novembro 25, 2010
De dias que passam a ser nossos - 2
Agradecermos o que temos, estarmos conscientes de que temos muito, ou mais do que a generalidade, é tomar consciência da felicidade que é nossa e da que, por isso, para nós pode estar guardada.
terça-feira, novembro 23, 2010
Relembrando o início deste blog
nos 80 anos de Herberto Hélder
Herberto Hélder, Imagem daqui
Feliz com abundantes nuvens negras possa caminhar.
Feliz com abundantes chuvas possa caminhar.
Feliz com abundantes plantas possa caminhar.
Feliz por uma senda de polen possa caminhar.
Feliz possa caminhar.
Como aconteceu em dias distantes possa agora caminhar.
Que defronte de mim seja tudo belo.
Que atras de mim seja tudo belo.
Que debaixo de mim seja tudo belo.
Que por cima de mim seja tudo belo.
Que derredor de mim seja tudo belo.
Belo belo acaba aqui. Belo belo acaba aqui.
Oração dos Indios Navajos,
trad. de Herberto Hélder
Poesia Toda
domingo, novembro 21, 2010
sábado, novembro 20, 2010
Da História
"The end of history will be a very sad time. (...) In the post-historical period there will be neither art nor philosophy, just the perpetual caretaking of the museum of human history. I can feel in myself, and see in others arround me, a powerful nostalgia fot the time when history existed. (...) Perhaps this very prospect of centuries of boredom at the end of history will serve to get history started once again."
Francis Fukuyama
terça-feira, novembro 16, 2010
Straight to and from the heart
Encima este post o selo do Prémio Dardos, uma corrente que visa o reconhecimento e divulgação daquela meia-dúzia de blogs muito nossos e preciosos como tesouros. Dardejou-me, como só sabe, esta menina, pedindo-me que os lance a outros.
Os meus alvos são:
este menino com arte (e saudades).
segunda-feira, novembro 15, 2010
domingo, novembro 14, 2010
sábado, novembro 13, 2010
Robert Louis Stevenson
Celebra-se hoje o nascimento do autor mais recomendado e lido nos primeiros anos de escolaridade nos EUA. Entre nós pouco conhecido, o autor da Ilha do Tesouro e de O Estranho Caso de Dr. Jekill e Mr. Hyde nasceu há 160 anos.
Transcrevo um poema de A Child's Garden of Verses and Underwoods:
Summer fading, Winter comes
Frosty mornings, Tingling thumbs,
Window robins, Winter rooks,
And the Picture Story-Books.
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sexta-feira, novembro 12, 2010
quinta-feira, novembro 11, 2010
Quentinhas e boas
Imagem daqui
Às cinco da tarde havia fila. Todos os anos há fila, mas este ano foi diferente: uma fila maior, a fila a crescer, a crescer, a estender-se pela praça fora até à Igreja. (O fumo a investir no sentido inverso.) Eu a pensar nos sentidos e no sentido do dia de hoje, uma criança mão na mão do pai, mão num mega cartucho de castanhas, quando me sobressalta, na passadeira, um ... e com esta crise ainda há fila para castanhas!... Poucas coisas me perturbam tanto como a amargura da ironia.
Vou à minha vida, ao supermercado, confiando numa fila mais pequena no regresso. Chego ao cair da noitinha a uma fila não muito mais pequena, mas ágil a decrescer. Concentro-me no tráfego rodoviário a furar o tempo - é hora de ponta -, detenho ocasionalmente o olhar no humano a passar a malha larga da fila, apressado e distante do conforto de um serão de castanhas e jeropiga. Três pessoas vindas da Constituição perscrutam futuros através da fila, três olhares num horizonte muito próprio, a desintoxicação: uma rapariga que já é senhora explicava a uma senhora, senhora desde há muito, que a ressaca não a mataria, que é diferente da da heroína e da da metadona.
Não saio à rua há algum tempo, pensei. Andava nisto quando, na curva da passadeira, de dentro de um carro, nas costas da fila, se pôde ouvir claramente, oh minha senhora, mas são dadas ou quê? Poucas coisas me perturbam tanto como a amargura da ironia.
A crise não é uma coisa dos mercados. A crise é um fosso, aquele que se abre entre os poucos e a maioria. Claramente, a verdadeira crise é uma coisa da cabeça, do coração e do estômago, da maioria: esta inescapável boçalidade mesquinha do povo é que lhe permite a instalação. Chega à minha vez, o senhor diz não é o costume, pois não?, rio-me que não, que não, peço, pago e vou aos pulinhos pela rua abaixo até casa.
O senhor das castanhas do Marquês tem as melhores castanhas do Porto. - Explicação para o tamanho da fila e da minha alegria pequenina de fim de dia.
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terça-feira, novembro 09, 2010
Da fibra
BE LINEN MOVIE from Benoit MILLOT on Vimeo. (Video daqui.)
Tiraste o linho da arca
Da arca tiraste o linho.
Meu coração tem a marca
Que lhe puseste de mansinho.
Fernando Pessoa
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domingo, novembro 07, 2010
Carpe Autumnum
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sábado, novembro 06, 2010
quinta-feira, novembro 04, 2010
terça-feira, novembro 02, 2010
segunda-feira, novembro 01, 2010
A little bit of History repeating
Pão-Por-Deus 01/11/2010 Fotografia: minha.
"(...) é a tradição que faz de nós aquilo que somos."
Albert Einstein
domingo, outubro 31, 2010
De dias que passam a ser nossos
De dias que já vivi. Do que trago comigo.
Ninguém o explicará melhor do que Arnaldo Antunes: "A nossa casa é onde a gente está,/ a nossa casa é em todo o lugar."
Em memória dos melhores tempos em paragens longínquas entre amigos ainda hoje próximos.
sábado, outubro 30, 2010
De nos (re)conhecermos
Imagem daqui
Quando se diz que os amigos se reconhecem, não se fazem, diz-se mais do que isso. Afirma-se uma coisa maior que a generalidade desolha e que porventura só uma ínfima parte intui: somos todos feitos da mesma massa, possuimos os mesmos desejos e os mesmas ambições; sentimos a mesma desilusão, o mesmo desalento, o mesmo desespero; acreditamos com o mesmo ardor, a mesma vontade, a mesma esperança. Todos. Independentemente da raça, da cultura, da religião, da educação, das ideologias, das opções, dos traços de personalidade... Onde bater um coração, baterá, inexoravelmente, a vida e o seu contrário, ao ritmo daquilo que se foi construindo e se é.
Variam as pessoas, sujeitos e objectos dos humores que enunciei acima; variam as situações que lhes dão existência e lugar; varia a intensidade com cada cada um as sentirá; permanece invariável o nexo de causalidade, o mecanismo reflexo da resposta ao estímulo, aquilo que em nós é bramido e freme como pergunta a pedir uma resposta do corpo - às vezes o silêncio, às vezes o ruído; às vezes a indolência, às vezes a energia; às vezes a acção, às vezes a re/inacção.
O corpo tem urgências que, não escapando à razão, se lhe antecipam muita vez. Cortar o cabelo às vezes não é apenas cortar o cabelo, pintá-lo às vezes não é apenas pintá-lo, pôr um brinco, fazer um piercing, uma tatuagem, às vezes não é só isso. Apesar de o consumismo ter posto as mudanças de visual na ordem do dia, para algumas pessoas, num período de dor, fazê-lo, é mais do que consumo, é procurar um caminho, uma saída, é desenlutar-se.
Como se o corpo fosse a mais perfeita metonímia da nossa vida, o desejo de mudança é a vida a chamar por nós, a querer-nos de volta. Mudar o que somos aos nossos olhos e aos olhos dos outros é marcar o ponto final que será de viragem. Eternizar um momento de dor, imprimi-lo na nossa pele, assimilá-lo, pode ser a única maneira de o arrumar, de lhe fechar a porta, deixar para trás, ultra-passar. Mudar a cor, o comprimento, a textura, do cabelo pode ser o sinal exterior de uma necessidade básica - a de mudar de andamento e de percurso, essa necessidade a ganhar forma, a tornar-se próxima, visível, palpável, quase real. (O real é sempre interior). Tal como é imperativo comprar uma roupa nova para um primeiro encontro - recomendação da minha mãe - pelo sinal que damos a nós próprias de vontade de começar, sem recomeçar. (A psicologia feminina, e a das mães, dava uma enciclopédia de volumes mil.)
Vinha isto a propósito de dois textos que li ontem e que me fizeram recuar ao ano mais difícil da minha vida.
*
Viver não é fácil, mas mais difícil é viver bem. Não arrumar as luvas, não ceder à comodidade apenas ocasionalmente incómoda de sobreviver é que custa, muito. No íntimo, todos queremos viver bem, independentemente do que esse bem signifique na gramática dos afectos de cada um. Somos todos muito parecidos, muito mais do que supomos, muito mais do que nos é confortável, muito mais do que pensamos ser possível. Ser parecido não é ser igual. Ser parecido é terem, dois ou todo o plural, um caminho desimpedido de inultrapassáveis pela frente. Os amigos reconhecem-se nesse caminho. "Dá-me uma mão a mim e a outra a tudo o que existe." Ousar mudar por fora é estabelecer um compromisso com o dentro mais dentro de si. Não há compromisso sem lastro de poalha de estrelas.
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