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Quando se diz que os amigos se reconhecem, não se fazem, diz-se mais do que isso. Afirma-se uma coisa maior que a generalidade desolha e que porventura só uma ínfima parte intui: somos todos feitos da mesma massa, possuimos os mesmos desejos e os mesmas ambições; sentimos a mesma desilusão, o mesmo desalento, o mesmo desespero; acreditamos com o mesmo ardor, a mesma vontade, a mesma esperança. Todos. Independentemente da raça, da cultura, da religião, da educação, das ideologias, das opções, dos traços de personalidade... Onde bater um coração, baterá, inexoravelmente, a vida e o seu contrário, ao ritmo daquilo que se foi construindo e se é.
Variam as pessoas, sujeitos e objectos dos humores que enunciei acima; variam as situações que lhes dão existência e lugar; varia a intensidade com cada cada um as sentirá; permanece invariável o nexo de causalidade, o mecanismo reflexo da resposta ao estímulo, aquilo que em nós é bramido e freme como pergunta a pedir uma resposta do corpo - às vezes o silêncio, às vezes o ruído; às vezes a indolência, às vezes a energia; às vezes a acção, às vezes a re/inacção.
O corpo tem urgências que, não escapando à razão, se lhe antecipam muita vez. Cortar o cabelo às vezes não é apenas cortar o cabelo, pintá-lo às vezes não é apenas pintá-lo, pôr um brinco, fazer um piercing, uma tatuagem, às vezes não é só isso. Apesar de o consumismo ter posto as mudanças de visual na ordem do dia, para algumas pessoas, num período de dor, fazê-lo, é mais do que consumo, é procurar um caminho, uma saída, é desenlutar-se.
Como se o corpo fosse a mais perfeita metonímia da nossa vida, o desejo de mudança é a vida a chamar por nós, a querer-nos de volta. Mudar o que somos aos nossos olhos e aos olhos dos outros é marcar o ponto final que será de viragem. Eternizar um momento de dor, imprimi-lo na nossa pele, assimilá-lo, pode ser a única maneira de o arrumar, de lhe fechar a porta, deixar para trás, ultra-passar. Mudar a cor, o comprimento, a textura, do cabelo pode ser o sinal exterior de uma necessidade básica - a de mudar de andamento e de percurso, essa necessidade a ganhar forma, a tornar-se próxima, visível, palpável, quase real. (O real é sempre interior). Tal como é imperativo comprar uma roupa nova para um primeiro encontro - recomendação da minha mãe - pelo sinal que damos a nós próprias de vontade de começar, sem recomeçar. (A psicologia feminina, e a das mães, dava uma enciclopédia de volumes mil.)
Vinha isto a propósito de dois textos que li ontem e que me fizeram recuar ao ano mais difícil da minha vida.
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Viver não é fácil, mas mais difícil é viver bem. Não arrumar as luvas, não ceder à comodidade apenas ocasionalmente incómoda de sobreviver é que custa, muito. No íntimo, todos queremos viver bem, independentemente do que esse bem signifique na gramática dos afectos de cada um. Somos todos muito parecidos, muito mais do que supomos, muito mais do que nos é confortável, muito mais do que pensamos ser possível. Ser parecido não é ser igual. Ser parecido é terem, dois ou todo o plural, um caminho desimpedido de inultrapassáveis pela frente. Os amigos reconhecem-se nesse caminho. "Dá-me uma mão a mim e a outra a tudo o que existe." Ousar mudar por fora é estabelecer um compromisso com o dentro mais dentro de si. Não há compromisso sem lastro de poalha de estrelas.
6 comentários:
obrigada por isto. :) *
Vanessa,
Oh, essa agora! ;)
Jinhos.
O interior e o exterior sempre ligados, de facto. Confesso que não ligava muito a isso, mas há uns tempos, pouco tempo, decidi que precisava de me reinventar. Que independentemente do que tinha perdido ou do que a minha vida tinha mudado não podia parar. E virei-me para o cabelo qual Frida Khalo. Encurte-o, acertei-o; acertei-me. Reinventei-me.
(E sim, obrigada! ;))
Beijinhos*
Frida,
Percebo-te tão bem... :)))))))))))
(GO GIRL!!!)
Jinhos.
eu própria cortei mais de metade do cabelo recentemente... estabeleci novo compromisso com o dentro mais dentro de mim. é lindo o texto. Obrigada
Ouriço,
;)
Jinhos.
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