No meu aniversário uma das minhas melhores amigas ofereceu-me uma rosa. Uma rosa artificial. Achei estranho; primeiro porque já me tinha dado uma prenda - foi, por acaso, a primeira a fazê-lo! - uma prenda de amiga, uma daquelas coisas que quem me conhece sabe que gosto, que uso, muito, e que, naquela cor, realmente tem tudo a ver comigo. Mas isto foi muito antes dos anos, prenda de anos dada com um mês de antecedência "...porque nos teus anos já não estou na Figueira, de certeza, e do Algarve, de Bragança ou do Alentejo não é certo que venha cá acima, nem com o feriado!..." Por acaso não está em nenhum dos nenhures que temia e veio, daí o segundo presente. (Ela está em Silves e feliz). "Porque se fosse natural, estragava-se num instante e assim sempre que olhares para ela, pensas em mim.) Sempre que me sento à secretária penso nela, às vezes paro de trabalhar para olhar a rosa e pensar nela; penso, penso, penso mais do que em toda a nossa convivência de dez anos de partilha de mesa na Faculdade, nos nossos almoços e jantares e aventuras de vida de professora nova num país velho, como o nosso.
O meu irmão disse-me que uns investigadores não sei donde fizeram um estudo, coisa da moda, e chegaram à conclusão que Bruxelas é a cidade mais aborrecida da Europa. Eu não conheço todas as cidades da Europa, por enquanto apenas seis, mas conheço Bruxelas, bem, o centro de Bruxelas. Conheço o que toda a gente conhece e tenho uma particular predilecção pelas Galleries St. Hubert. E não, não é graças à Loja dos chocolates Neuhaus - se bem que a montra de há um ano precisamente estava tão bonita(!), toda chocolates e flores... de encantar(!), nem sequer devido à lindíssima Taverne du Passage, mas apenas e tão só por causa de uma loja de Rosas, cujo cartão não encontro para lhe recordar o nome, mas que ainda hoje consigo visualizar muito bem na memória, pequena, moderna, extremamente elegante, com arranjos absolutamente inusitados e portanto magníficos que prendem o nosso olhar em todo o lado. Rosas, só rosas: naturais, com cheiro, caules grossos e finos e espinhos e folhas e uma ou outra pétala que se retira porque envelheceu.
Viveria de bom grado na Bélgica, e contudo nunca em Bruxelas, Leuven é a minha cidade, pequena mas cosmopolita, universitária mas bucólica, um sorriso azul, um livro amarelo, um abraço verde, uma visita a um moinho de trigo, uma papoila no cabelo, o vento na cara ao sabor do sol do campo. Ou pelo menos era isso que pensava o ano passado. O meu amigo B., por exemplo, vive em Leuven e vai todos os sábados de manhã passear os bebés a Bruxelas. O meu amigo B. tem uma vida perfeita, às vezes fico com medo só de pensar nisso, mas quando consigo evitar não pensar muito, invejo-lhe a rotina e as idas semanais à cidade mais docemente florida, perdão, aborrecida da Europa.
No entanto, percebo a minha amiga Helena. É tão humano e tão natural o desejo de capturar momentos de beleza. Passamos a vida a fazê-lo. Tentamos reter momentos de beleza, pedacinhos de amor, gestos de ternura, bocados de dor, réstias de esperança... Tiramos fotografias, guardamos prendas, gravamos sms e números, memorizamos palavras e gestos, agarramo-nos a pessoas e momentos... Para mais tarde recordar. Ou para recordar sempre, todo o dia, todos os dias - como pretendia a minha amiga com a sua rosa incólume, mas sem cheiro, nem rugas.
Esta manhã enquanto passava a blusa a ferro, recebi uma sms da minha irmã que fez noite, na noite certamente mais longa da Queima das Fitas do Porto, a informar-me de que vamos logo a um festival de Tunas. "Vamos? Olhe que não, olhe que não..." Pensei. Mas não disse porque a minha irmã acabou o curso o ano passado e portanto ainda tem vontade e ânimo e gosto e fervor em participar nestas coisas. Um fervor que já tive e que nem sei explicar muito bem como desapareceu. Não sei há quanto tempo não oiço sequer os cds das minhas tunas predilectas, cds que muita gente gravou em Braga e que levei inclusivé para os EUA (onde fizeram um sucesso tremendo, claro!), mas que não ouvi nem uma vez, nem oiço há muito, muito tempo. E pensar que tempos houve em que me desdobrei em esforços, discuti para além do razoável, investiguei, escrevi, e tive pena, muita pena, de que aquela tuna, aquela minha tuna, não pudesse permanecer o mundo de sentido que foi para mim desde o dia em que primeiro a ouvi. Para sempre imutável no tempo. Um absurdo. Para mim agora.
Que só um sentimento muito grande pode fazer brotar. Como a amizade que me tem a Helena com a sua rosa, mais perfeita que todas rosas belgas. Para mim agora.
2 comentários:
Gostei muito deste texto! Curiosamente vou a Bruxelas para a semana e, sim, também acho que é a cidade mais aborrecida da Europa. O porquê disso é que me escapa... Será a quantidade de eurocratas? Como é que uma cidade no centro da Europa pode ser tão pouco vibrante?
Um texto muito interessante. Um bom fim de semana.
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