sábado, maio 24, 2008

A comunicação sem canal

Em Linguística falamos muito de comunicação. A linguagem serve antes de tudo o mais a comunicação. A níveis de escrita correspondem necessariamente níveis de leitura, mas, independentemente dos modos e dos meios, o importante mesmo é a eficácia/eficiência da comunicação. A Pragmática e a Prosódia são, disciplina e componente, essenciais à comunicação. Mas a comunicação não é nada disso. Ou é. Mas muito, muito mais que isso, também.

Ontem tirei o dia para fazer de cicerone a uma amiga polaca que veio ao Porto, pela enésima vez, dar uma conferência e queria, com a filha de onze anos, conhecer... Braga. Calhava bem, a sexta-feira, com elas, bem juntinha ao feriado, só para mim, dava ao meu espírito, por antecipação, um entusiasmo muito grande –a deliciosa projecção daqueles dois dias juntos sem “linguísticas” leituras... bem vistas as coisas, uma espécie de fim de semana de que não dispunha há anos-luz!

A minha amiga fala um inglês invejável, tirou na Irlanda o curso e o doutoramento, mas a filha, naturalmente, aos onze anos, não se pode gabar do mesmo. Se a isto juntarmos o meu Polaco, que se encontra num estado ainda pior (não vai além do sim, não, bom dia, boa noite, adeus, obrigada.), o dia prometia. Saímos relativamente cedo do Porto, chegamos à hora prevista a Braga, fizemos o périplo normal pelos museus da cidade e pela Sé, fomos almoçar ao meu restaurante favorito (não-vegetariano), fotografámos o barroco, o gótico e o manuelino, fomos às compras, à minha Faculdade e acabámos o dia a lanchar na minha livraria predilecta. Foi bom, muito bom, especialmente tendo em conta o azar delas no dia anterior, tanto com o tempo, como com o atendimento e com a própria comida (!) num dos mais famosos e típicos restaurantes da baixa do Porto. A M., filha da minha amiga, já só queria ficar por cá, que as pessoas afinal são simpáticas e a comida, uma delícia! Ou pelo menos era o que dizia à mãe, que me dizia a mim, numa espécie de chain translation muito engraçada e sobretudo, creio, sincera.

No fim de contas, para dividirmos as sobremesas e escolhermos brincos e blocos de desenho, para partilharmos os phones do ipod no comboio e apanharmos papoilas, a língua é, quase absolutamente, desnecessária.

A comunicação é uma coisa extraordinária, porque, ao contrário do constante nos manuais, não se baseia somente na conjugação de factores como uma mensagem, falada, escrita, um emissor, um receptor, um canal (preferencialmente sem ruído)... Não. Há mensagens que não necessitam de qualquer tipo de canal para se efectivarem com eficiência. A comunhão dispensa, as mais das vezes, a comunicação. A ausência dela (de comunhão) também, suponho.

Estamos na era das comunicações infelizmente: a comunicação passou de actividade natural localizada e circunscrita a determinados contextos a necessidade. Os telemóveis ajudam, a internet também. Por meio da palavra, sempre. É preciso responder, é preciso explicar, é preciso clarificar, é preciso especificar, é preciso esmiuçar, é preciso mostrar e moer e magoar e ficar por cima.

Acarinhei cada momento do dia de ontem com a I. pelas nossas conversas do costume, e com a M. sobretudo pelas conversas que não tivémos, pela economia da linguagem falada. Há muitas maneiras de dizer sem falar - como na adolescência e nos tempos da Faculdade quando fazia “retiros de silêncio” -, porque as coisas importantes saem-nos do coração e vão até ao outro, que entende, se assim tiver de ser.

A M. entendia-me ontem na perfeição.

4 comentários:

Maria de Lourdes Beja disse...

Então quando é que "engendra" essa viagem até ao meu velho sofá,onde está sempre em aberto o lugar que lá deixou vazio ?

Joana disse...

A sério? Sempre, sempre, sempre aberto? :P

Hum... ainda apontei para o fim de Maio... Mas agora: 7,8 Junho? 14,15? Ainda estou a remoer, mas eu aviso antes. :)))))

Jinhos, e obrigada!

Oásis disse...

JJ:

Adorei o pormenor do restaurante preferido não-vegetariano, hihihi.

Jinhos.

Joana disse...

Orquídea,

Pois... :)))))

Comemos bacalhau :P que é a comida-norueguesa-mais-portuguesa-não-vegetariana a que não consigo resistir por (quase) nada deste mundo!

Jinhos.