segunda-feira, maio 05, 2008

Uma ou muitas...

Tenho uma amiga coreana que se vai casar, coisa importante..., este Verão. Chama-se So Yeon e ontem pensei muito nela.
Um dia, quando me falava de uma qualquer especificidade da sua língua, dizia em jeito de conclusão absolutamente justificativa: "We're a one thing culture: one language, one husband, one family, one country. Do you have the same?". Eu logo: "Huh... of course (!), we have mo..., no, no we don´t anything like that. But, hey we have this folk joke about this child that goes to the fridge to fecth her mom a drink, a beer - I think..." E tentando contar a anedota do "Mãe-há-só-uma-!", tentava como podia ilustrar, mais que o conceito de maternidade, aquilo que é a mundividência do velho continente. Ela não percebeu, claro, e eu devia ter previsto, mas como se riu desbragadamente... isso divertiu-nos a ambas. Depois, fomos para a aula de Semântica e nem de propósito, falámos do complexo semasiológico da palavra mother do Lakoff (mãe biológica, mãe solteira, mãe de aluguer, mãe afectiva, mãe adoptiva, mãe adolescente, mãe de classe média (americanos!), mãe trabalhadora/working mother, terra-mãe, casa-mãe, rainha-mãe...), o que fez com que no fim viesse ter comigo e me dissesse, algo chocada e/ou triste, nunca percebi bem: "I think only now do I understand the joke about..." E eu logo, novamente: "Never mind that, So Yeon, deep down it is all the same: just hink about nouns and adjectives, I only have one mom, my mom-noun, but I know several people that are moms-adjective!" Tirei-lhe uma bigorna de cima, vi-lhe nos olhos e no sorriso, porque de repente me pareceu tão leve e sorria calma, não se ria como com a piada, sorria e isso fez-me muito feliz.
Ainda hoje continuo a pensar nos nomes e nos adjectivos, especialmente quando me lembro da Teresinha que ficou comigo nos primeiros tempos em Paris, na Suzana que me adoptou no meu segundo Natal em Houston, na mãe da Isabel quando ia a Famalicão, na mãe da Patrícia quando fui a Valpaços, na mãe da Helena, volta e meia, mas muito especialmente quando ouço banalizar os nomes. Por exemplo, nunca consegui perceber bem por que a mulher do meu tio, minha tia - claro está! - chamava a minha avó de mãe. A minha mãe fartou-se de me explicar, mas ainda actualmente, quando penso nisso, me faz espécie. Mãe há só uma(!) do tipo nome para cada pessoa. Para tornarmos as coisas simples. Todas as coisas são simples no coração. Porque são ou não são.
Ontem foi Dia da Mãe e a minha estava felicíssima porque tinha acabado de passar uma semana com a minha irmã T. e não pode haver prenda melhor que ter os filhos por perto, que os telemóveis fazem maravilhas mas nada podem contra a presença efectiva de quem nos é querido.
Ontem também foi o aniversário da Irmã Céu. E não se pode juntar duas efemérides assim num dia só. Não é justo. Nos EUA o Dia da Mãe é só no próximo fim de semana. Aqui também devia ser nessa altura, apenas porque a Irmã Céu merece um dia no ano só, só dela.
A Irmã Céu foi a Directora do meu Lar nos meus dois últimos anos em Braga. E é a única pessoa que eu conheço a quem um mãe do tipo adjectivo não assenta de todo: fica-lhe muito apertado, arrepanhado de costuras quase a rebentar, e no entanto...
Não sei explicar bem, ela chegou sem fazer alarde, e até fazia tudo a que estávamos habituadas que elas todas fizessem, mas era simultaneamente diferente, chamou-nos à parte, explicou o seu projecto para os anos seguintes, traçou metas e objectivos e pôs em marcha uma mudança muito grande em toda a gente naquela casa. Tinha e tem um dom muito grande: o de descobrir e conseguir trazer ao de cima, naturalmente, o melhor de toda a gente. Por isso, não me surpreendi quando uma noite me entrou no quarto, a altas horas da madrugada, para ver a Olga dormir - eram quatro da manhã, o Filipe tinha-lhe telefonado e dito que tinha discutido com a Olga e não conseguia ir dormir sem saber se ela estava bem; por isso não me surpreendi quando encontrei no corredor uma rapariga que não conhecia, aluna do Lar de Viseu, que tinha vindo de propósito para a ver e não conseguia parar de chorar... e eu a tentar todo o tempo dizer algo que a fizesse rir, mesmo sabendo que na mesma situação eu reagiria de igual forma. Por isso não me surpreendi me chamou, com ar seríssimo, ao seu gabinete no fim de uma semana extenuante de estágio. "Ouve lá, sonhei que um príncipe a cavalo vinha cá buscar-te ao Lar, queres dizer-me alguma coisa?" desatei a rir. "Espere aí, a Irmã tem sonhos premonitórios? ... costuma ter? Bem me parecia. Cá para mim, inconscientemente quer que eu lhe siga as pisadas e ficou, sabe-se lá porquê, insegura. Olhe, o Freud explicava bem isso. Príncipe a cavalo!" Por isso não me surpreendi quando a li nos EUA. Aliás, a leitura dessa carta e postal anexo, sob o sol do Texas, no jardim do Student Center da Rice, é das lembranças mais felizes que tenho dos meus primeiros e mais duros tempos em Houston. Ela está sempre aqui. Onde quer que o aqui seja. E eu sempre soube isso. Mesmo quando pensava que nem eu, nem ela estaríamos no Lar para sempre. Mesmo quando eu pensava que sempre era um tempo muito grande para ser pensado no aqui e no agora.
O Lar tinha umas escadas que davam da entrada para o início do corredor e outras que davam do fim do corredor para a lavandaria. Como sou da Madeira, era das pessoas que mais fazia uso das escadas do fim do corredor e foi numa dessas idas lá abaixo buscar a roupa passada a ferro (com um esmero francamente invejável!) que descobri a "recordação" que queria levar do Lar.
A tradição das "recordações" é muito engraçada, especialmente porque começou por acaso. Certo dia ao jantar, andaria eu no meu terceiro ano, uma das mais velhas descobriu na gaveta dos talheres um garfo com as iniciais do Lar, mexeu e remexeu e conseguiu desencantar a respectiva faca, um verdadeiro achado, que a levou logo ao refeitório das Irmãs para uma pergunta inusitada: "Posso levar quando me for embora? ... oh, Irmã, de recordação..." Pode. E assim começou a tradição.
É claro que garfos e facas, mesmo com inscrição, não são coisas que me façam sonhar, mas aquela Nossa Senhora... Não sei onde a Irmã Céu a foi descobrir, numa arrecadação qualquer, de certeza, porque estava maltratada, mas era linda! Era uma Nossa Senhora das Graças, aí de uns dois metros, muito imponente, com uns olhos muito azuis, umas vestes muito brancas, umas rosas e uns raios desbotadíssimos, ali bem à entrada da lavandaria! "Oh Irmã, vá lá, eu mando retocá-la, e depois, no Porto, ponho-a num lugar mais digno, prometo, olhe que aqui... Eu trato bem dela, vá lá..." É óbvio que não ma deu, e eu sempre soube disso, mas como nunca tivemos segredos, nem problemas, nada mais natural do que tentar a minha sorte...
E pronto, foi nisto que andei a pensar ontem o dia todo. Nisto e na necessidade de ir a Lisboa um dia com o intuito de ver os amigos apenas. Até porque a Irmã Céu está lá desde há uns tempos e eu costumo ir lá, mas sempre a correr entre conferências e bibliotecas a fugir à perda de tempo. Da próxima vez é que é: o tempo que dedicamos às pessoas do tipo nome a quem o adjectivo mãe não serve nunca é tempo perdido.


3 comentários:

Oásis disse...

Podes vir! Se não houver tempo para Ouro não faz mal, Céu está em primeiro lugar, já sabes!

Jinhos

Joana disse...

Há-de haver tempo para tudo e todos! O objectivo é ir apenas com esse objectivo. :P

Um dia destes...

Jinhos.

Doppelganger. disse...

Acho que fazias bem vir a Lisboa. :)

Beijinho