E foi nesse derradeiro momento, na despedida a correr, nos beijinhos a fugir à entrada do túnel, foi ao abrir da mala para guardar o telemóvel enquanto fechava o sorriso pelo inesperado, foi aí, foi assim, que me lembrei dos EUA.
Um dia, era fim-de-semana, Sábado ou Domingo já não lembro, mas fim-de-semana de certeza, manhã de trabalho de fim-de-semana no Departamento. Houston silenciosa, o campus deserto, ninguém lá fora, eu e os alemães, o pessoal do costume, no computer lab, eu automaticamente no Messenger, eu a mandar mails, eu a pensar na vida, eu a querer a minha mãe, ele do nada Olá, será que me podias ligar, é que hoje ainda não ouvi ninguém e E eu, telemóvel sem saldo, telefone do departamento operacional apenas para chamadas internas, campus sem cabines, eu expliquei, não posso, mas daí do telefone do Departamento... não podes?, eu continuei a explicação, com muita pena, o telefone daqui é apenas para chamadas daqui, infelizmente, eu, eu do outro lado do mundo, num início de tarde solarengo, como só os inícios de tarde de fins-de-semanas americanos, eu não podia acreditar que, não podia ligar, eu. Continuámos no Messenger, ele calado, eu prosseguindo o trabalho, desassossegada, muito angustiada, de cabeça perdida até ao momento em que o telefone tocou e eu atendi como quase sempre o pai do Martin, só até aí, só até Hamburgo me ter chegado aos ouvidos e eu me aperceber de que só eu não podia ligar, de que o telefone do departamento não permitia efectuar chamadas internacionais mas recebia-as perfeitamente – eu atendia o Dr. H. tantas vezes quantas o Martin atendia a minha mãe, todo o santo fim-de-semana, andávamos dissociados do timing dos nossos pais – é verdade, mas sempre falámos de continente para continente com eles como se vivessem across town.
Andei durante algum tempo com aquele pedido apertado na garganta a tirar-me o sossego e o sono, hesitante entre o óbvio e falibilidades da tecnologia que só existiam na minha cabeça, esquecida do aforismo francófono que equipara a descomplicação a uma chamada telefónica, penitenciei-me, sofri estupidamente, teimei em achar que nos tínhamos adiado, adiando aquela conversa, uma conversa como tantas outras, certamente sobre o sol que não fazia na Europa, a chuva que à boca do Verão aborrecia, o dinheiro que não se tinha para viajar, os copos de sexta à noite... baaaa, não me apercebi na altura de que ele tinha falta de uma ninguém para que nunca tive a mínima vocação. Baaaa.