Joana, já estás acordada? Pedro?! Mas o que é que, sim, estou, claro, não me estás a ligar de onde eu penso que estás, pois não? Claro que estou, Gare Centrale de Brusselles, ma chére. Bem, és maluco, sabias? Eh, mais ou menos. Passa-se alguma coisa, Pedro? Sim, não, queria partilhar contigo uma descoberta. Ah, o costume portanto. Sim, o costume. Diz então. Sabias que o – supra-sumo fundador da nossa teoria – acha que Deus é mulher? Sabia, claro, oh Pedro, já fiz o primeiro ano, já li os livros que andas a ler, já... eu já tudo, totó! Ah, pronto. Ouve lá, continuas a fazer Bruxelas-Lovaina todos os dias? Yep, sabes se o – supra-sumo fundador da nossa teoria – é acessível? É, então não é?!, não há americano que não seja, queres o mail dele? Siiiiiiiim, obrigado, só mesmo tu. Pois, who else, não é? Sabes que no outro dia finalmente percebi por que razão é que e nisso a foi extraordinária e até há dias o explicou-me o quanto. Pois muito bem, fico contente em saber que tudo está a correr dentro da normalidade, a Ana e o bebé que tal? Muito bem agora, sabes que no início. Sim, recordo-me disso, têm ido visitar-te? Não, a Ana não pode, além de tudo agora finalmente conseguiu aquele trabalho no laboratório do Porto, aquele que ela queria muito. Sim, já sei. E, daqui até Junho é rápido. Pois é, Pedro, agora vou entrar no túnel, vou ficar sem rede, quando chegar ao gabinete, falamos melhor, beijinhos, beijinhos. Beijinhos.
E foi nesse derradeiro momento, na despedida a correr, nos beijinhos a fugir à entrada do túnel, foi ao abrir da mala para guardar o telemóvel enquanto fechava o sorriso pelo inesperado, foi aí, foi assim, que me lembrei dos EUA.
Um dia, era fim-de-semana, Sábado ou Domingo já não lembro, mas fim-de-semana de certeza, manhã de trabalho de fim-de-semana no Departamento. Houston silenciosa, o campus deserto, ninguém lá fora, eu e os alemães, o pessoal do costume, no computer lab, eu automaticamente no Messenger, eu a mandar mails, eu a pensar na vida, eu a querer a minha mãe, ele do nada Olá, será que me podias ligar, é que hoje ainda não ouvi ninguém e E eu, telemóvel sem saldo, telefone do departamento operacional apenas para chamadas internas, campus sem cabines, eu expliquei, não posso, mas daí do telefone do Departamento... não podes?, eu continuei a explicação, com muita pena, o telefone daqui é apenas para chamadas daqui, infelizmente, eu, eu do outro lado do mundo, num início de tarde solarengo, como só os inícios de tarde de fins-de-semanas americanos, eu não podia acreditar que, não podia ligar, eu. Continuámos no Messenger, ele calado, eu prosseguindo o trabalho, desassossegada, muito angustiada, de cabeça perdida até ao momento em que o telefone tocou e eu atendi como quase sempre o pai do Martin, só até aí, só até Hamburgo me ter chegado aos ouvidos e eu me aperceber de que só eu não podia ligar, de que o telefone do departamento não permitia efectuar chamadas internacionais mas recebia-as perfeitamente – eu atendia o Dr. H. tantas vezes quantas o Martin atendia a minha mãe, todo o santo fim-de-semana, andávamos dissociados do timing dos nossos pais – é verdade, mas sempre falámos de continente para continente com eles como se vivessem across town.
Andei durante algum tempo com aquele pedido apertado na garganta a tirar-me o sossego e o sono, hesitante entre o óbvio e falibilidades da tecnologia que só existiam na minha cabeça, esquecida do aforismo francófono que equipara a descomplicação a uma chamada telefónica, penitenciei-me, sofri estupidamente, teimei em achar que nos tínhamos adiado, adiando aquela conversa, uma conversa como tantas outras, certamente sobre o sol que não fazia na Europa, a chuva que à boca do Verão aborrecia, o dinheiro que não se tinha para viajar, os copos de sexta à noite... baaaa, não me apercebi na altura de que ele tinha falta de uma ninguém para que nunca tive a mínima vocação. Baaaa.
E foi nesse derradeiro momento, na despedida a correr, nos beijinhos a fugir à entrada do túnel, foi ao abrir da mala para guardar o telemóvel enquanto fechava o sorriso pelo inesperado, foi aí, foi assim, que me lembrei dos EUA.
Um dia, era fim-de-semana, Sábado ou Domingo já não lembro, mas fim-de-semana de certeza, manhã de trabalho de fim-de-semana no Departamento. Houston silenciosa, o campus deserto, ninguém lá fora, eu e os alemães, o pessoal do costume, no computer lab, eu automaticamente no Messenger, eu a mandar mails, eu a pensar na vida, eu a querer a minha mãe, ele do nada Olá, será que me podias ligar, é que hoje ainda não ouvi ninguém e E eu, telemóvel sem saldo, telefone do departamento operacional apenas para chamadas internas, campus sem cabines, eu expliquei, não posso, mas daí do telefone do Departamento... não podes?, eu continuei a explicação, com muita pena, o telefone daqui é apenas para chamadas daqui, infelizmente, eu, eu do outro lado do mundo, num início de tarde solarengo, como só os inícios de tarde de fins-de-semanas americanos, eu não podia acreditar que, não podia ligar, eu. Continuámos no Messenger, ele calado, eu prosseguindo o trabalho, desassossegada, muito angustiada, de cabeça perdida até ao momento em que o telefone tocou e eu atendi como quase sempre o pai do Martin, só até aí, só até Hamburgo me ter chegado aos ouvidos e eu me aperceber de que só eu não podia ligar, de que o telefone do departamento não permitia efectuar chamadas internacionais mas recebia-as perfeitamente – eu atendia o Dr. H. tantas vezes quantas o Martin atendia a minha mãe, todo o santo fim-de-semana, andávamos dissociados do timing dos nossos pais – é verdade, mas sempre falámos de continente para continente com eles como se vivessem across town.
Andei durante algum tempo com aquele pedido apertado na garganta a tirar-me o sossego e o sono, hesitante entre o óbvio e falibilidades da tecnologia que só existiam na minha cabeça, esquecida do aforismo francófono que equipara a descomplicação a uma chamada telefónica, penitenciei-me, sofri estupidamente, teimei em achar que nos tínhamos adiado, adiando aquela conversa, uma conversa como tantas outras, certamente sobre o sol que não fazia na Europa, a chuva que à boca do Verão aborrecia, o dinheiro que não se tinha para viajar, os copos de sexta à noite... baaaa, não me apercebi na altura de que ele tinha falta de uma ninguém para que nunca tive a mínima vocação. Baaaa.
8 comentários:
Gostei do texto. Conclusão óbvia depois de a ter lido. Fiquei a pensar!
Jinhos.
Marisa,
Gostas sempre :)))))))))))))
Agora isso da conclusão e de ficares a pensar é que me surpreende: de todas as pessoas para mim serias aquela para quem nada disto constitui uma surpresa... Oh well!...
Jinhos.
sei bem o que é sentir esse aperto da distância
Gostei muito do texto também. Em diferentes alturas surgem as pessoas que nos pedem para nós preenchermos o que falta delas, o pedaço que faz a diferença, a pessoa que nos dá o bom dia, e que nos alegra quando estamos trsites.
Beijinho*
Comboio,
É isso mesmo na distância: um aperto. :)))))))))))))))))))
Panzón,
Obrigada, Pedro, sempre tão querido! EXCELENTE COMENTÁRIO, não diria melhor, nem sequer de outra forma. ;)
Jinhos a ambos.
"não me apercebi na altura de que ele tinha falta de uma ninguém para que nunca tive a mínima vocação", ou seja, às vezes temos necessidade de qualquer pessoa só para preencher um espaço, só porque estamos longe e/ou sós. Essa pessoa, que nos aquece quando estamos assim, pode ser alguém ou um ninguém e isso faz toda a diferença!
Marisa,
Precisamente.
Jinhos.
Now I got it! Já percebi porque tinha de perceber!
p.s.- ando distraída, se chego a 30 de Junho com o trabalho prontinho e encadernado ainda penso que é mentira!
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