segunda-feira, outubro 11, 2010

De Um Céu Que É Um Abrigo

Reparti pelos dois serões do fim-de-semana o visionamento de The Sheltering Sky, um filme de Bernardo Bertolucci, com uma fotografia magnífica. Brevemente, trata-se da história de um casal de artistas que empreende, juntamente com um amigo, uma viagem pelo deserto. O início e o final da narrativa, moralizadores, estão a cargo de um senhor de olho vivo e muita idade que está sentado a um canto do bar da cidade que assiste à chegada dos protagonistas e à sua despedida possível.

Escudo-me da crítica cinéfila por não crer ter conhecimentos para tal e achar que escrever sobre o filme aqui e agora é o bastante. É boa a obra de arte com vida dentro. Qualquer obra de arte que tenha vida dentro questiona naturalmente a vida daqueles que a experienciam. No caso, a facilidade com que desolhamos a irrepetibilidade do presente, de vivências, momentos e condições que, por todas as razões, desabituámo-nos de ver como únicos. Vai um bocadinho mais além do carpe diem, que anda hoje tão longe de Horácio, tão nas bocas de um mundo precário e confuso. Não é o aproveitar o dia porque amanhã não se sabe, é o aproveitar o dia porque amanhã começa hoje.

É claro que isto vai contra a noção instituída do tempo como um continuum, cuja repartição se deve apenas à regulação da vida em sociedade; é igualmente claro que isto vai contra a psicologia contemporânea do amparo, em que tudo tem solução, nada é culpa nossa, e as felicidades e os bens-estar sucedem-se como autocarros. Nem tudo tem solução. Às vezes, a culpa é nossa (às vezes não, de todo). A felicidade e o bem-estar são substantivos abstractos, não se pluralizam.

Utilize-se sabiamente o tempo, empregue-se ardor na nossa entrega à vida, conduzamo-nos nela com sinceridade, administre-se bem a paixão, preservem-se as memórias como tesouros, cuide-se dos nossos como de nós próprios, demo-nos valor, dê-se valor ao outro, ao que temos. Atente-se no sol que nasce (e morre) todos os dias de uma manhã distinta e irrepetível. Nem o céu que nos abriga é sempre o mesmo.

2 comentários:

Ouriço-Cacheiro disse...

este texto assentou-me que nem uma luva... agora. Parece que adivinhas.

Joana disse...

Ouriço,


Vê o filme! :p



Jinhos.