segunda-feira, outubro 18, 2010

De certos prolegómenos


Às vezes pergunto-me se não sou duas. Se não ando num arame em permanente luta comigo, com a outra de mim que também sou eu, à procura de uma coerência que me apazigue e conforte, um bálsamo. Por exemplo: serei das minhas amigas a mais feminina e a menos feminista. E isto parece-me tão óbvio quanto natural, coerente, compreensível... Não ando confusa, confunde-me o mundo.

Não gosto de, a meia manhã, ler isto. Desagrada-me profundamente a maneira como é apresentada a pertinência da obra. Não sei o que é "a causa das mulheres", possivelmente porque não concedo perceber uma série de coisas relacionadas. Desconcerta-me este militantismo fora de época. Não vou falar da escolaridade das mulheres, que é maior, das posições de chefia e dos cargos públicos que detêm, do lugar que ocupam na sociedade sem se demitirem da família, porque não se trata disso, nem dessas mulheres. As autoras pretendem e proclamam um Maio de 68 para as artes, para a escrita no feminino.

Toda a boa escrita é, em algum momento, de alguma forma, "escrita discriminada". Transformar este facto numa questão de género parece-me, além de manobra publicitária, fraqueza: o não conseguir resistir ao impulso de reclamar, constantemente e com juros, não só uma valorização - a que o progresso da sociedade e das mentalidades já foi de encontro -, mas também uma sacralização maior no âmbito das artes. No meu entender, trata-se de uma postura infeliz e incompreensível - o conhecimento que temos destas escritoras no presente não deixa lugar para este tipo de reclamação - politizante, politizada, e polemizante, pelo menos. Servirá naturalmente os intentos de quem a tomou e aqueles de quem a seguir, muito embora para mim permaneça sobretudo, e paradoxalmente, como redutora de uma condição que também é a minha, que me interesso por estas coisas.

Desvalorizaremos hoje Sophia, Agustina, Florbela Espanca? Desconhecê-las-emos? Preteri-las-emos em favor de escritores homens? Não me parece. A História e progresso do nosso tempo e da nossa sociedade nisso são claros: qualquer aluno que termine hoje a escolaridade obrigatória o comprova, qualquer pessoa interessada em leituras e livros o desmente. Ocupam um escaninho no campo da Literatura? Também não. Ocupam o seu próprio espaço, aquele que os seus génios fizeram surgir.

A mulher das artes, a mulher da escrita, é, antes de mais, uma de carne, sangue e osso, casa e filhos, e isto tanto quanto é distinta - uma mulher visionária, mais ou menos atormentada, culta. A bem da arte, e da Literatura enquanto tal, entenda-se, estude-se, divulgue-se a autoria mais como formato, que o é e riquíssimo, e menos como epifenómeno social. A mulher agradece.

2 comentários:

Maria Rita disse...

O que eu acho é que na escrita, como em todas as àreas, as pessoas são valorizadas ou desvalorizadas pelo talento. Hoje em dia, no mundo ocidental e no mundo "ocidentalizado" a questão do sexo é das últimas coisas a ser invocada dado que as mulheres têm tantas ou mais regalias do que os homens. Trata-se de facto de publicidade barata. ;)

Beijinhos*

Joana disse...

Frida,

Ora bem.

:))))))))))))))))





Jinhos.