segunda-feira, setembro 18, 2006

As Vindimas


Este fim-de-semana fez-se a Vindima na minha casa. E isso trouxe-me à memória muitas e boas recordações da minha infância e da Madeira. Muitas e boas, as melhores talvez …
Começávamos na tarde de sexta-feira, quando os meus pais chegavam dos respectivos empregos e a animação, a azáfama e a alegria duravam até o início da tarde de Domingo, altura em que se provava o mosto e se deixava as uvas a prensar um pouco mais no Lagar… Um fim-de-semana inteirinho com o melhor que a vida rural tem (e isto a cinco minutos do Funchal, maravilhas de se viver numa ilha!…).
Vivi desde sempre com os meus avós e em vida destes, ou melhor, em vida do meu avô, colhíamos as uvas tanto do terreno onde fica a nossa casa, como do outro terreno, onde fica a casa do meu tio. A mim nunca me pareceu que tivéssemos muitas uvas, coisa pouca, meia dúzia de latadinhas - segundo o meu avô, mas o facto é que depois de enchermos a três pipas da nossa adega - para consumo interno como é típico de qualquer actividade económica de subsistência -, sempre vendíamos vinho e em proporções se não maiores, idênticas.
Na Madeira as uvas são cultivadas em latadas. Não faço ideia de onde poderá ter surgido o termo, nem tão pouco consigo estabelecer qualquer analogia com “lata”. O que acontece efectivamente é que a vinha é cultivada (e cresce) não a partir do solo mas estendendo-se ao longo de uns varões que se colocam normalmente abaixo do nível do telhado numa espécie de alpendre, pelo que além do cheiro doce com que brinda quem quer que saia à porta, a vinha a todos se oferece em sombra e frescura.
Na Madeira também, o tipo de uva cultivada diverge substancialmente da do continente. Assim sendo, nas quatro latadas da minha casa cultivamos três tipos: uva americana, canim e jaqué. (Tenho algumas dúvidas em termos ortográficos, no que se refere à última. Perdoem-me os entendidos.) A uva americana é bastante conhecida: de bago grado, miolo claro, é muito doce. Já se me perguntarem a diferença entre o canim e o jaqué, além do sabor, mais ácido num, mais doce noutro; e da configuração exterior, cacho de bagos que rareiam num, mas que abundam quase tornando uno o outro - pouco mais lhes sei dizer. Aliás, nem tenho bem a certeza quais os atributos que pertencem a qual. E isto porque, na minha casa, as Vindimas não eram para mulheres ou crianças.
Na verdade, nos tempos do meu avô, mulheres e crianças, se quisessem ajudar, juntavam bagos. Os bagos que os cavalheiros ao podarem (é esse o termo, lembrei-me!) a vinha, porventura, deixavam cair. Ou melhor, os cachos é que, de tão maduros, não conseguiam conter os respectivos bagos … Então as senhoras e a prole estavam sempre por ali, mas para essa tarefa menor e sensabor. Para isso, para se desdobrarem nas últimas ofertas de uns poucos cachinhos a alguma vizinha mais próxima e para a degustação do mosto no Domingo. (Outra coisa absolutamente prescindível para mim por ser demasiado doce para o meu paladar.) As crianças podiam ainda pisar as uvas. Acho que era o ponto alto do fim-de-semana para o meu irmão e para as minhas irmãs. Não para mim. Enfim… E lá andavam, felizes e contentes, a apanhar os bagos do chão. Mas eu, eu não. Apanhar bagos não era definitivamente comigo: além de me dar cabo dos joelhos e das costas, não tinha piada nenhuma! Então certa vez, às escondidas do meu avô (claro!), agarrei nuns três baldes (até aqui nenhum problema), “desviei” um podão (i.é. instrumento com que se cortam os cachos de uvas) e comecei a podar feito gente grande (do sexo masculino) numa latada mais afastada das restantes, no terreno do meu tio. Não me lembro que idade tinha, mas tenho a certeza de que já andaria na escola primária. Escusado será dizer que em três tempos fui descoberta, até porque estavam a faltar baldes aos senhores. Mas nessa altura também já tinha mais de metade da vinha podada e portanto… não havia muito a fazer. Mais, veio o meu avô ver em que estado tinha eu deixado a vinha e a manta** e o poio** (**“manta” e “poio” são regionalismos que designam os socalcos onde são cultivadas as bananeiras na Madeira, não confundir com alguma palavra homónima frequente no continente de significado pouco elevado nomeadamente para o segundo termo). E eu a ouvir aqueles passos pesados a aproximarem-se, eu a engolir em seco, podão na mão, eu a ver aquele homem enorme a avançar para mim com cara de poucos amigos - era assim o meu avô (mais só por fora, coração mais terno impossível!) … e eu a ganhar o respeito do meu avô! Assim. Pela transgressão que toda a ousadia contém.
“E não é que a rapariga fez um bom trabalho, muito melhor que alguns dos meus trabalhadores!” - disse a toda a gente, e toda a gente, admirada, concordou. Depois, claro, destacou-me para outra e outra latada, com os senhores. E todos os anos foi assim.
Note-se que a minha contribuição ficava-se mesmo por aí, já que, ao contrário dos meus irmãos, tudo o que tivesse a ver com pisar uvas e provar mosto não era para mim. Mas o meu avô achava que o que eu fazia, fazia-o bem e isso era o bastante. Além do que, muita gente num lagar só da confusão!
Lembro-me que no início altura não tínhamos um lagar, pelo que era necessário deslocarmo-nos a casa de um vizinho para a pisa e repisa. Mas a minha mãe, apologista da autosuficiência como eu (ou eu como ela), logo resolveu a questão ao mandar construir um lagar bem no fim do nosso quintal, antes da horta e da adega. Não é que o vizinho alguma vez se queixasse de algum transtorno, mas foi definitivamente melhor assim. A festa tornava-se completamente nossa! Nessas alturas, ficava da parte de fora a observá-los, divertidos, dentro do lagar, sujos de mosto, pegajosos do açúcar, mas incansáveis. Todos. Miúdos e graúdos.

Um dos meus grandes projectos de vida nasceu aquando deste episódio.
Um dia hei-de ter uma quinta no Douro!



6 comentários:

Anónimo disse...

oh, eu lembro-me de como eram as vindimas em casa... que saudades!!!! :P
Teresita

Joana disse...

Bons tempos!!! Jinhos

P.S. A esta hora na net, senhora doutora? No pasa nada no Centro de Saúde??? :P

Anabela disse...

A vindima deve de facto ser um verdadeiro arraial...
... mas eu prefiro os prazeres posteriores: a prova do vinho jovem.

Não tarda nada, o S. Martinho está aí... ai está, está!

Joana disse...

S. Martinho... pois... quem me dera!!! Por aqui, nada! Jinhos

Anónimo disse...

AH!!Axim como dizes parece realmente o maximo!e sim..claro..a dei n era mesmo nada adepta d ir po lagar pisar...MAS IXO EU GOSTAVA!!!e entao a prova do mosto...era ixo k falava mais alto..kando tinha d apnhar as bagas do xao...pq tba n gostava mt..lolol..MAS LA O MOSTO!hum..:) ah exe episodio do avo n m lembro..devia ser mt pekenina..mas o avo era axim..:D mt fixe..mas ah..TEMPO OPTIMO E ENGRAÇADO!e agora..continua a ser..tempo feliz!:))) BJINHS gandes.Nininha..miss ya

Joana disse...

Nada para alem da verdade, Cockie! Jinhos