terça-feira, maio 01, 2007

A Isabel

A Isabel faz anos hoje: mais um que eu, sete dias exactos depois do meu.
Conheci a Isabel no meu primeiro ano da Faculdade, no Lar. Era uma miúda discreta, cheia de problemas pessoais, mas amorosa, e surpreendentemente boa gente. Demo-nos imediatamente bem. Estávamos ambas longe de casa e a enfrentar uma realidade avassaladora e difícil numa idade não menis fácil. Isto apesar de ela viver no concelho de Braga e portanto ir a casa aos fins de semana e de frequentar a Universidade estatal que não era a minha.
Lwmbro-me de ter chegado a passar fins de semana a casa dela nesses primeiros anos e de me ter sentido quase em casa - coisa difícil! - como nós elas também eram quatro, como a nossa a mãe dela também passava a ferro ao sábado à tarde, como o nosso o pai dela também ia às compras depois da missa... era engraçado! E depois o exteriorizar uma os pensamentos da outra, ou por outra, admito, o adivinhar ela sempre os rapazes em quem eu estava interessada, porque... "Porque só podia, é tão a tua cara!" "É nada." "É, é...". Era.
Depois eram os trabalhos das pedagógicas dela, porque os cursos de ciências também têm pedagógicas, que eu corrigia, as convocatórias para a turma dela que eu redigia, a companhia que ela me fazia nos meus serões de estudo silencioso, individual - às dez da noite acaba o barulho no Lar, a companhia que me fazia nas minhas saídas, as brincadeiras ao almoço, as graçolas ao jantar, o silêncio ensonado ao pequeno almoço... Entretanto, o pai dela faleceu, de uma morte estupidamente súbita, toda a família se ressentiu muitíssimo disso e lhe apontou o dedo. Era a culpada. Se não tivesse namoriscado não sei com quem às escondidas, se não tivesse sido descoberta, se ele não fosse assim, se ela não fosse assim, se ela não tivesse mencionado o nome dele nessa noite ao jantar, se..., se..., o coração do pai não teria falhado a meio da noite. Consolei-a como pude, não o suficiente. Mas éramos amigas e é isso que se espera dos amigos nas horas más: consolo. E apoio, em todas as horas.
Éramos inseparáveis e fosse pela rotina tão diversa de cada uma, fosse pelas áreas de interesse e/ou de estudo, não me tinha apercebido bem disso. Mas só até ao meu terceiro ano.
Esse foi o ano em que a minha amiga Isabel despareceu, obliterou-se. Nessa altura também, a minha até então colega de quarto saiu do Lar e coube-me em sorte uma caloira. "Vá lá Joana, ninguém melhor que tu para a receber e facilitares a integração dela, já passaste por isso..." As intenções da Directora era boas, as minhas também. E foi assim, naturalmente e na paz, que recebi a Ana Sofia no Lar, no meu quarto, no meu grupo de amigas...
Apesar de me acontecer algumas vezes, ainda não percebi por que razão, quando alguém me quer contradizer, não o faz abertamente, directamente. Enfim... Foi isso. De início era o despertador que a incomodava, soube-o por toda a gente excepto a própria, depois, depois era o meu madrugar - deveria pedir-lhe desculpa por ir às aulas?! - depois era o espaço que a minha roupa ocupava, depois era porque não lhe dei a escolher a cama - bem, por acaso já lá estava há três anos! - depois, era eu. No fundo desde o início era eu o problema: eu era arrogante, convencida, cheia de mim, supostamente melhor que todos, o modelo, o exemplo, a querida da Directora, a querida das outras... - bem, mea culpa, também não tinha dado por isso.
Não sei bem como é que ela fez, mas de um momento para o outro era a melhor amiga da minha melhor amiga - a Isabel, que já não me fazia companhia ao serão - estava cansada, nem nas saídas - tinha outros compromissos, nem às refeições - "... desencontrámo-nos, foi isso, não exageres Joana!"
Custou-me, mas fiz o que costumava fazer até então com os meus próximos, lutei, lutei muito para esclarecer os embróglios diários surgidos sei bem de onde, para clarificar situações, justificar episódios, enfim... para conservar uma amizade já demasiado fragilizada pelo tempo e sobretudo pelas pessoas. De nada valeu, obviamente. A Isabel era demasiado boazinha, acreditava em tudo o que lhe diziam e foi assim que de melhor amiga passei a arqui-inimiga da minha melhor amiga. Se calhar é por isso que desde então, sou apologista da liberdade, dou-a em pleno à totalidade das minhas relações, não digo, não faço, não pergunto, não controlo, não pressiono, não espero, não luto também.
Entretanto, fiz o que achei que devia fazer: andei com a vida para a frente, ou fugi para trás - como se queira entender, fui para Paris ao abrigo do Erasmus, exactamente no ano seguinte a esta Primavera de cortar à faca como foi desde então designada no Lar. Regressei no segundo semestre, de cabeça fria, dava-lhes os bons dias apenas, mas sempre, e nunca mos retribuíam, no ano seguinte a Ana Sofia e a Isabel saíram do Lar - foram morar juntas e nunca mais soube delas, excepto uma ou duas vezes, anos mais tarde, em que as encontrei numa ou outra saída e em que voltei a cumprimentá-las, recebendo o mesmo tipo de resposta, silente.
Encontrei há tempos a irmã mais nova da Isabel na Faculdade da minha irmã, correu para abraçar-me, a Martinha, e conversámos e rimos normalmente, como se eu ainda fosse a amiga madeirense da Isabel que naquele primeiro fim de semana a ouviu falar dos vestígios do vulcanismo existentes na Madeira - a Martinha é - sempre foi! - um géniozinho. A minha irmã dispôs-se a ajudá-la no que fosse preciso (sebentas, apontamentos, exames), afinal estão ambas no mesmo curso e eu mandei beijinhos à família toda.
Faz anos hoje, a Isabel, mais um que eu, sete dias exactos após o meu.

3 comentários:

Oásis disse...

Não é fácil ser diferente...
JJ = Genuína + rara :)

Jinhos

Anónimo disse...

Tu és FANTÁSTICA!!! Só um bocadinho de Diane Keaton, mas diminuto!... O resto é só o monstro dos olhos verdes!!!
beijinho teresita

Joana disse...

Orquídea,

Podes crer que não. :)

Teté,

Um bocadinho assim ... :P

Jinhos.