terça-feira, abril 08, 2008

D(es)(a) culpa


Desde sábado que temos por cá um temporal. Já nesse dia sublinhei a desmesura da chuva, mas ninguém me deu razão. Tanto o meu pai como a minha mãe disseram logo que na Madeira chove assim, embora mais de Janeiro a Março, que a chuva de Abril é daquela assim mais pequenina, mas que faz falta de vez em quando... - o meu pai. Mas também com o que se tem feito ao ambiente em todo o lado, por cá também, que o tempo ande ele próprio desorientado, não é de admirar... - a minha mãe. E eu calei a estranheza e fui ver um filme no computador que dias de chuva dão-me muito para isso.

Agora, ainda há pouco, éramos notícia em todos os canais de televisão porque a tromba de água desta manhã foi monumental e parou o trânsito, todo, rodoviário, marítimo e aéreo, e o vento levou árvores e vedações para longe e as pessoas, nem sei como foram as pessoas trabalhar, a minha mãe, especialmente, pelas razões óbvias... E a culpa é de quem? - estava a pensar, deve haver alguma depressão ou frente fria ou quente (a Geografia sempre foi, infelizmente, o meu calcanhar de Aquiles) ao largo dos Açores - também lá a chuva aflige - que se dirigiu recentemente para cá (e para o Norte de África, Marrocos está como nós, vi esta manhã na CNN).Ok, a culpa é da depressão ou de uma das frentes. E isso satisfaz-me. Culpa equivalendo portanto a responsabilidade por alguma coisa no sentido causativo. Muito bem.

Uma aluna e uma professora envolvem-se num episódio deplorável para as duas e decadente para todos por causa de um telemóvel. E a culpa é de quem? Segundo os media e a intelligentzia portuguesa não da aluna, não do sistema de ensino, não da política, (para alguns pais, é da professora (!?)), embora a opinião generalizada é a de que o melhor será repartir os estragos por todos e (consequentemente) por ninguém, sendo este um episódio isolado até, um acto sem culpa atribuível, logo, para mim - absurdamente, sem causa, porque, apregoa a mesma intelligentzia, todo o mundo moderno, i.e. a Alemanha, a França, os E.U.A., se debate com o mesmo problema. E isto, pior do que não me satisfazer, não me convence. Hoje em dia, a culpa já não morre solteira: o mundo moderno abortou-a no período regularmentar.

Há dias na Alemanha um tribunal concedeu a um pai a anulação do dever de pensão de alimentos ao filho, porque no parecer do referido tribunal o direito de o homem não pagar seria o equivalente ao direito de a mulher não ter o filho (ou seja, fazer o que quiser com o seu corpo). E portanto, uma vez mais, no mundo moderno: a aniquilação da responsabilidade, da culpa, que o vocábulo é mesmo este e é errónea a interpretação mais ou menos judiciosa (judicial?) do termo - culpa como castigo, não o é, pode ser a ele conducente mas também pode o não ser.

Percebo muito pouco de Direito, mas são demasiados os episódios a que assisti recentemente que patenteiam uma constante e progressiva desculpabilização, evidente em demasiados sectores da vida social. Se calhar a culpa é de estar na Madeira e o temporal ser pior de dia para dia e eu sair pouco e os meus pais terem tv cabo, se calhar a culpa é de eu estar a trabalhar menos e a ver mais tv, vai-se a ver a culpa é minha - sempre me disseram que tenho uma tendência para o exagero. (Quase aposto que ao retirar-se o conceito de culpa do divórcio, porque as pessoas não sabem o que é a culpa, e poucos parecem querer explicar e debater antes de retirar, abrir-se-á o caminho a aberrações como esta alemã. Exagero?) Ou se calhar não, se calhar a culpa não é minha, é nossa, e assim de ninguém, o que faz pendant com o relativismo absoluto em que assentam as pseudo-pedagogias do mundo moderno em que "as desculpas não se pedem: evitam-se".

As desculpas não se inventam, nem se evitam - é impossível, todos os dias erramos, várias vezes vemos o resultado, nem sempre muito agradável, disso, pelo que o aceitarmos isso e galvanizarmo-nos para o consequente pedido de desculpas devia ser um reflexo, natural, sincero e imediato -; a(s) culpa(s) conhecem-se e reconhecem-se e as desculpas pedem-se e dão-se num mundo realmente moderno.

1 comentário:

Marta disse...

Pedem-se mas também se evitam, no sentido de que não devemos repetir os erros sabendo de antemão que tudo se compõe com um "Desculpa".
Espreita a sugestão original do Castronauta para um pedido de desculpas: http://castromancia.blogspot.com/2008/04/perdoa-me.html