quarta-feira, abril 09, 2008

Os meus poetas - 2

Estava no terceiro ano da Faculdade quando assisti pela primeira vez a um encontro de alunos e Professores da Faculdade que a organização pretendia "Tertúlia Literária". Passámos horas e horas debruçados sobre o que se segue. Hoje ao encontrá-lo, igual, mas tão diferente, num sítio de eleição destes lados blogosféricos, penso no que teria acontecido se eu tivesse sabido dizer nessa altura o que sei hoje...

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura

Não sei como dizer-te que a minha voz te
a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que quer dizer, quando longamente teus pulsos se
enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas de melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha cara ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

Herberto Hélder

2 comentários:

Anónimo disse...

Começo por confessar que nunca tinha vindo ao teu blog.

Já fui um assíduo de passar as emoções, sensações e sentimentos para o papel. Em suma, escrevia e tinha um blog. Coisa minha, pequena e boa que guardava com a mesma postura de quem guarda a porta de um banco.

De um dia para o outro deixei de lhe dar importância (como se faz a tantas outras coisas na vida).

Li um comentário teu num dos meus antigos, diria mesmo velhinhos posts e pensei "Tenho de voltar a escrever nem que seja merda."

Um abraço e um beijinho deste inútil e ilustre estranho.

Ouriço-Cacheiro disse...

Adoro. Dos meus poemas preferidos! Não podias saber o que sabes hoje... a bem da tua sanidade mental, estarias, então, desajustada.