segunda-feira, janeiro 05, 2009

Pessoas que nos ficam no coração

12º ano 1997/1998 - o meu.

Pe. Mário Casagrande
(25/07/1930 -04/01/2009)

Ele era diferente.

Não sei se alguma vez o teremos entendido na perfeição. Não sei se alguma vez medimos o alcance das suas palavras, o peso das atitudes, o humor, a inteligência, a bonomia, o valor daquele homem tão bom, tão diferente, tão normal, tão anónimo.

Ele era diferente.

Estava tão dentro do nosso mundo, que parecia estar fora do mundo. Não sei explicar de outra forma.

Ele era diferente.

Achava que a Escola não precisava de contínuos, auxiliares, empregados. Havia um só. O mudo. O mudo que lavava os quadros negros e os chãos das salas de aula e os corredores. Ao toque, o delegado de turma deveria dirigir-se ao armário dos livros de ponto e levar o da sua turma. Cada delegado o mesmo.

Ele era diferente.

Achava que os portões da Escola deveriam estar sempre abertos. A todos. Não havia controlo de cartão de estudante à porta. Não havia funcionários à porta. Não havia funcionários, como disse.

Ele era diferente.

Passava pelos casais de namorados, nas esquinas e recantos da Escola, e dizia "Larga o osso!..." E ria-se. Gabava-se de dizer que seguia a invectiva de um "... que eu também sou cão!" que nunca lhe ouvi. E ria-se.

Ele era diferente.

Nas aulas insistia que a competição é um fenónemo absolutamente positivo. Só a competição permite o avanço, o progresso, nunca se esqueçam. Talvez por isso atribuísse no final de cada ano lectivo medalhas de bronze, prata e ouro aos três melhores alunos de cada uma das turmas de cada uma das áreas. Talvez por isso a APEL fosse sempre a Escola Secundária com as melhores médias da Região. Talvez por isso.

Ele era diferente.

Nas aulas insistia que o nome próprio é, de todas as palavras, aquela que qualquer ser humano gosta mais de ouvir. De todas as palavras, a palavra mais bela. Talvez por isso enchia os corredores com as fotografias dos finalistas de casa ano. 12º ano 1997/1998 - sou eu.

Ele era diferente.

Numa altura em que os nossos pais temiam perder-nos ele achava o Amor uma coisa absolutamente maravilhosa, possivelmente a melhor coisa, antes ou depois da competição, já não sei. Ele contava a história do rapazinho que era um desastre em tudo, até se apaixonar e descobrir nos olhos da namorada o ânimo para cada obstáculo. A cada pergunta do teste olhava para ela, suspirava, e respondia o melhor que podia.

Ele era diferente.

De t-shirt, calças de sarja e sapatos pretos, número 50 pelo menos, feitos por encomenda em Câmara de Lobos, Casagrande ou Patagrande?, aquele italiano de meia idade, quase dois metros e cabelo alvo de neve que, no intervalo das aulas, ou nas horas de Direcção de Turma, se ninguém aparecesse, cavava os jardins que houvesse para arranjar, era o mesmo Mário Casagrande que dirigia a Escola, para confusão de muitos pais que esperavam um Senhor Padre Mário, paramentado comme il faut, de sotaina pelo menos - vá, à porta da APEL para os receber.

Ele era diferente.

De 95 a 98, quando andei na APEL, tive a sorte de ter EMRC e Relações Públicas com ele. Recusava-se a avaliar EMRC. Nem sequer qualitativamente. Em Relações Públicas deu-me 20 valores por uma razão muito simples: tinha tirado 19,8 no teste. Não havia dúvidas, nem desculpas, ou avaliações contínuas, ou participações orais nas aulas, ou, ou, ou a atrapalhar a nota.

Ele era diferente.

Dava aulas extracurriculares de Italiano via Laura Pausini, Zucchero, Eros Ramazzotti, Andrea Bocelli e outros, aqueles mais antigos... Saltava da música para o vocabulário do dia-dia e para a gramática de forma magistral.

Ele era diferente.

Quando deixou as aulas na APEL, quando a minha irmã tinha Italiano com ele mas no Conservatório, ia, iamos, à Missa do Colégio para o ouvir trazer Deus para meio das cozinhas, das livros e dos testes, dos gabinetes. Tinha esta magia de tornar natural, e humano, o mais possivel humano, a religião, a relação de Deus com cada um.

Ele era diferente.

Nunca nos fez saltar para cima de uma mesa por ele, porque fez mais, muito mais que isso.

Hoje, se olho para alguém nos olhos quando falo - sempre que falo -, hoje, se gosto tanto de nomes, é por ele. Nunca tinha pensado muito nisso, mas é por ele.

Ele era diferente.

O Senhor Padre Mário Casagrande, dehoniano, antigo Director da Escola da APEL, vai a enterrar amanhã depois do almoço no Cemitério do Monte.

Eu vou lá estar, espero que muitos outros antigos alunos também.

5 comentários:

Rui Caetano disse...

Nunca falei com o Padre Mário Casagrande, mas ouvi falar muito do seu excelente trabalho. Uma boa homenagem.

Anónimo disse...

Eu também lá vou estar!
É uma linda forma de o descrever, porque não existem palavras para o descrever...
Com a certeza apenas que o PADRE MÁRIO CASAGRANDE estará sempre no Coração dos seus alunos.
Um HOMEM de uma simplicidade extrema, de uma boa disposisão 365 dias do ano, sempre pronto a nos ajudar. Sempre a brincar mas a levar pelo caminho certo! Perdemos um Amigo, eu pelo menos perdi um Grande Amigo! E sei que não sou a única...
A Terra ficou mais pobre... Mais pobre de Grandeza!
Estás sempre no meu Coração! Nunca me esquecerei de ti...
Tua aluna e fã nº 1
Ana Isa Moniz

Doppelganger. disse...

Olá.
Sabes, acho que é bom quando alguém que nos é muito querido e que nos marcou falece e nós conseguimos lembrar as coisas boas que eles fizeram por nós.
Beijinho. :)

K. disse...

Uma bonita homenagem. É um privilégio poder olhar para trás e dizer que conhecemos pessoas assim, que as tivémos nas nossas vidas.

Graça Paulo disse...

Tive a sorte de conhecê-lo em 1979 ainda antes de ir para a 1ª classe. Ao longos doas anos mantivémos o contacto entre 1989 e 1991 foi meu professor na APEL!!! e sim era verdadeiramente diferente!!! Nas alturas mais difíceis sempre tinha uma palavra de apreço que nos fazia bem ouvir...as suas histórias de rapaz rebelde que nos maravilhavam...lindas e onde em todas elas nos ensinava uma lição de vida!!! Tomara a anós cruzarmo-nos com mais Padres Mario Casagrande e de certeza teríamos uma sociedade muito mas muito melhor!!! Um bem haja e um bjinho a onde se encontre...até sempre