Braga sou eu de manhã, quando chego estremunhado, coloco o guarda-chuva no bengaleiro e me sento ao computador, maldisposto. Braga sou eu de manhã, quando, por ti, ajeito o cabelo no reflexo de uma montra. Braga és tu quando desces as escadas e és toda luz no vestido azul. Braga és tu quando me dás os “bons dias” com sono a pender de cada palavra. Braga é gente que entra e sai de autocarros antigos com o raiar do dia na voz. Braga é gente que fala alto, ri muito e dá a mão fácil, como se desde sempre houvesse uma só família. Braga é um galo que nunca vi, ou dois, três (?), na fachada de uma igreja sozinha. Braga é uma igreja que dá lugar a outra, que dá lugar a outra, que dá lugar a outra..., um rosário de igrejas da cor do tempo que os meus olhos exploram com o fervor dos dedos. Braga é o trabalho de cada dia que junto às preocupações de sempre e meto na mala de véspera. Braga é o trabalho de cada dia que teço e só interrompo quando te sinto na luz da janela. Braga é um domingo velho como a Sé, onde passo uma hora, longa, ao som de um órgão que quer chegar ao céu. Braga é um domingo em que o Sameiro dá à alma dos olhos a dimensão da cidade, por um canudo. Braga é gente que se acotovela, molhada, em manhãs de sábados que correm apertados, entre sacos de compras e miúdos que metem o dedo no nariz. Braga é um sorriso de cinco anos que tento roubar antes que a vergonha o enfie no bolso maior da bata listrada de azul e vermelho. Braga é um xaile negro que me abafa com uma ladainha surda. Braga é uma velhinha que pede esmola debaixo de um arco, ao fim da tarde. Braga é o jeito da tua mão, e aquela ruga na testa, quando escreves. Braga é a tua barba de dois dias à segunda-feira de manhã. Braga é um rio sangrado até ao tutano do nome, um lastro de morte sob o cheiro a barroco e a cera. Braga é caldo verde, bacalhau, cabrito, sarrabulhos e pão de ló. Braga é lá para cima, acima da cidade, muito acima da paisagem, Braga é a província. Braga é uma cartada gasta de paus e copas numa mão grossa de fazenda. Braga é o pregão de um sonho no autocarro: uma volta ao mundo aos oitenta e dois anos via euromilhões. Braga é o teu olhar em mim quando me deito e vou contando o bater dos sinos até o reencontrar, de manhã. Braga é saber-te inteiro no meu olhar, quando ponho os óculos de sol para sair, de manhã. Braga é o beijo que o pai dá à filha para amainar a birra por um doce. Braga sou eu quando tenho medo e me torno areia por entre o que dizes. (...)
Bárbara Sebastião
Obrigados a Entrar em Braga Algo Desconfiados
AA.VV. Fundação Bracara Augusta, Dez. 2008
4 comentários:
Menina Joana,
Um beijo grande de parabéns pela nova aventura!
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Quando as coisas nos tocam a escrita sai linda, verdade?
Abrago amiga!
Jinhos gandes.
EXcelente. Vim cá para e vou ficar cliente assíduo. vai para os meus favoritos. Parabéns
AH, já cá faltava the ultimate homage a uma obra que a merece absolutamente!!!!!!! Multidões finalmente podem ler, em toda a sua pureza original o fruto do teu trabalho. Nem ele, Tiago, e muito menos ele (Tiago) se encontra em tal patamar! :P
Qual autor a COMPRAR o exemplar do texto que lhe saiu das entranhas e é tão seu e querido e gratuito como um fiho... ou confusão do nome pelo pseudonimo, em que o pseudomino é afinal parece que é o nome e portanto faz-se pouco do anónimo e de pseudo só há a competencia dos que a trabalhar na Velha-a-Branca apenas se podem orgulhar da sua fronte branca e cabeça velha! Não era algo que me orgulhasse... ao contrário do texto que aqui está.
LEIAM. MEDITEM. APROVEITEM, que isto não acontece todos os dias!!!!
Jinho da Té
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