Há uma coisa no google maps que eu não sei como se chama, uma espécie de bússola com uma mãozinha a meio que se prime conforme a direcção, o ponto cardeal, por que se quer ir - ir não: ver - conforme o ponto cardeal por que se quer ver a rua, o prédio, as janelas, a porta. Às vezes, assim, alguns prédios, macambúzios, de portas e janelas modernas e feias, parecem quase bonitos. É a boa da perspectiva a suavizar-lhes os ângulos e o negrume; é o nascente, amigo, a espelhar-lhes as janelas e as portas, a envolver todo o edíficio nos reflexos e nos brilhos que a nova perspectiva, ao serviço de uma imaginação poderosa - daquelas que criam milagres e mistérios, coisas da nossa cabeça...
Pensava nisto enquanto olhava o quiosque no centro da praceta em frente à Biblioteca. O quiosque daria uma bússola de google map perfeita. Está no centro de um mundo pequeno, o Centro de Saúde, o D. Diogo De Sousa, o Campo da Vinha, o Largo de São Paulo, a Cividade, dentro do mundo que é o centro de Braga. Escusei-me a especificar os pontos cardeais a que correspondem estes lugares, sou desorientada por natureza.
Enfrentando uma lateral do quiosque está o Solar da Torre. Solar da Torre é um nome bonito. Uma pessoa pensa em torres e imagina uma Lady of Shallott, envolta em trevas e nevoeiro, uma Lady of Shallott que vê o mundo que lhe mostra um espelho, que tece o mundo assim segura, que urde uma rede a partir de reflexos de luz, sem ver o mundo, sem vê-lo realmente, até o dia em que perde o medo à maldição antiga e faz o gosto ao olhar. Já o Solar da Torre não não conhece nevoeiros nem trevas, é solar, antes e depois de ser Solar. E bonito. Um nome bonito para um sítio bonito. Uma vez, num Novembro de há muitos anos atrás, passei lá um fim-de-semana num retiro.
Quando estou à espera que a Biblioteca abra todos os dias, olho com muita força para o outro lado da rua, para a muralha do Solar, um outro lado do mundo, a pensar nesse fim-de-semana. A querer lembrar mais do que o frio a sair daquelas paredes de pedra, o frio a entranhar-se-nos nos ossos, eu a pensar se o não sentiriam também algumas delas, aquelas mais velhinhas pelo menos, eu a procurar-lhes o frio nos olhos, elas sempre calorosas, elas a multiplicarem-se em diligências e sorrisos, a chuva na vinha, uma candeia acesa ao fim do primeiro dia e as conversadeiras. As conversadeiras, eu a pensar na inutilidade daquilo ali, vocês sabiam que na Idade Média, eu a pensar tão pequenos, tão frios, namorava-se nestes assentos de pedra, eu a pensar tão pequenos, tão afastados, tão frios, tão individuais, tão descabidos e tão profundamente absurdos ali.
A semana passada em Lisboa, primeiro dia de conferência, encontro junto à Alameda da Universidade, uma pessoa de antes e depois desse fim-de-semana, desse tempo, um pequeno milagre de quem a vida depois do curso me afastou sem consultas nem avisos. Reconheci-a de trás, reconheceu-me apesar de ruiva, reconhecemo-nos como sempre, como dantes, abraçámo-nos nesse enlevo muito tempo, aquele que sem ter passado passou por nós, conversámos esquecidas disso, jantámos no dia seguinte, contámo-nos a vida que fizémos destes quase cinco anos. Quis, como quase todas as melhores minhas amigas agora, dar-me uma bússola, era tão bom! sim?, eu a dizer que não, que sou muito desorientada, mas não podia, com o tempo desenvolvi uma orientação própria, muito obrigada, sabe como sou, moradas todas mapeadas na agenda, vê?, eu e esta minha mania de, mesmo quando entro na linha errada, saio na paragem seguinte e, agora não volto atrás, acredita?, agora arrepio caminho, voltar atrás é uma perda de tempo, sabe? Sabe sempre, estaria certa disso, de o saber, muito antes de me ouvir dizê-lo, no momento exacto em que pensei, tenho a certeza, sabia-o, mas quis arriscar, imagino-te muitas vezes a seguires-me os passos, a sucederes-me, às vezes lutamos contra aquilo que nos é mais próprio, a felicidade é uma coisa simples, sabes?, sei, mas também sei que, e ela também, sabia-o e no entanto atirou para o ar, e o que essa esperança fininha é bonita, sabia-o, é sempre assim. É, somos, uma coisa impressionante.
As coisas más acontecem por uma razão, as boas, sem ter porquê, tenho para mim.
8 comentários:
quando agora ouço falar de pontos cardeais e bússolas e afins - acredita! - não posso deixar de sorrir.
é preciso que eles estejam alinhados, de facto. mas não geograficamente falando... é que não é mesmo nada por aí. :)
(foi só um aparte. sorry!)
beijinho*
Vanessa,
Por acaso também me lembrei disso. Ihihihi!!!
Não é por aí mesmo. Nada a ver.
:D
Jinhos.
que bom teres voltado!!!fazes falta.
Já agora, Rua Abade Loureiro. Certo?:)
A felcidade é uma coisa simples :)
(eu nunca fui muito de bússolas, mas desde domingo que estou apaixonada por uma :')
Um beijinho Joana*
Comboio,
Oh, tu também... :)))
Rua quê?
A minha é a António José da Silva! E mais detalhes não posso que a net é uma coisa perigosíssima e o Klimt é teu e eu nunca, não estaria certo. :)
Jinhos.
Frida,
A sério? Nem de propósito! :)))))
Que a consigas na tua vida e faças dela bom uso.
Baci mille, bella!...
!! eu referia-me à rua em Braga, Rua Abade Loureiro, onde a U.M. tem uma biblioteca que eu conheci, em tempos. O Klimt é meu porque mo ofereceu quem eu não conheço. a blogosg«fera tem destas coisas.
A propósito, na tua rua tem morada e residência um excelente pintor, Emerenciano, com representação no Museu de Arte Moderna. Sabias?
Comboio,
Esta Biblioteca: Rua de S. Paulo N.º 1 :)))
O Klimt é teu sem ter porquês. As melhores coisas são nossas sem ter porquês. :D
Pois...No meu prédio tem residência um pintor... :)
Jinhos.
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