quinta-feira, outubro 01, 2009

O poder

Já me tinha esquecido do que chove nesta terra. Fui-me embora, em Janeiro, com chuvas torrenciais - a invernia típica, constante, imutável, dos Janeiros de cá -, e volto no fim de um Verão que o foi como sempre por cá, volto, para as chuvas torrenciais de um Outono típico, tão quente, tão húmido, tão de sempre por cá.

Às vezes acho que a chuva me persegue. Acho mesmo que tenho uma nuvem invisível sobre a cabeça, uma sensível às minhas partidas e chegadas de e a onde vivo e vou sendo feliz. Quando morava em Braga era assim, mesmo no meio do Agosto mais quente, chuva torrencial no dia de regressar ao Funchal. Depois de Braga fui para o Texas - nem uma palavra acerca das chuvas, do calor, da humidade, dos mosssssssssssquitossssssssss de Houston - e quando voltei, um ano de chuvas, do maior calor, daquela humidade, e dos mosquitos mais mosquitos de sempre, esse ano, mudou tudo. Até a chuva das partidas e chegadas. Agora tudo é fora de tempo, o tempo fora de tempo em todo o lado; agora chover só chove, a seu tempo, e bem, na Madeira.

A minha mãe está sempre a dizer que a poluição ainda não chegou à Madeira, que por cá temos todas as estações a seu tempo - e eu tenho de concordar com as evidências. As chuvas de ontem e hoje são exactamente as mesmas de quando ia para a escola com o guarda-chuva à frente dos olhos, cega para as buzinadelas dos carros; as mesmas de quando o pai do Manuel me dava boleia, porque, menina, não me custa nada e chove tanto e o nevoeiro e; as mesmas de quando corria para dentro e pedia à minha avó para me descalçar as galochas cor de rosa que a minha mãe me tinha oferecido e que eu não podia sequer conceber perder para a velhice ou para a sujidade, que a minha mãe sempre percebeu que as meninas que usam tranças, bóinas e kilts, gostam de cor de rosa - de preferência sem qualquer vestígio de lama.

Às vezes é bom não podermos fazer tudo. Coisas como mudar o tempo, mudar os acontecimentos, mudar as pessoas, mudar a vida - às vezes é bom não ter capacidades para além das nossas capacidades, dos nossos sentidos, e viver a vida dia a dia, com a chuva do dia, o nevoeiro do dia e o sol do dia, quente ou de Inverno, o que for. Aposto que se me fosse permitido nunca deixava chover na Madeira, ou no Porto, ou em Braga, ou em Houston, ou onde quer que morasse.

Mesmo quando é verbo, especialmente quando é verbo, poder é um dos esqueletos no armário: às vezes podemos e não fazemos. Às vezes queremos muito, podemos, e não fazemos. Não fazemos por causa da ética; não fazemos porque pensamos; não fazemos porque é difícil - mais difícil à partida do que não fazer; não fazemos por causa de fantasmas, do passado; não fazemos porque somos grandes e não conseguimos que o escuro tivesse ficado lá atrás, não fazemos por medo - é quando fazer chover é mais fácil do que fazer acontecer.

4 comentários:

Maria Rita disse...

Estes dois ultimos parágrafos mataram-me Joana, mesmo! :')

Beijinhos*

Joana disse...

Frida,

O que eu faço aos amigos! :P


Baci, bella!

Anónimo disse...

chovem ideias na Madeira JJ e não só água. Ainda bem.
Mas roi-te de inveja. Porto e Braga, tradicionalmente molhadas, estão secas e quentes. Faltam as flores, as ravinas, o mar feito colar a toda a volta

Joana disse...

Comboio,

Rejoice!, estou carcomida de inveja... ;) E imersa nessa beleza toda também. (O que eu gosto de colares, ai!)






Jinhos.