Fogo_Baia do Funchal
Não quero, não gosto, não farei.
Sou, somos todos possivelmente, demasiado rígidos, exigentes e francamente pouco razoáveis com a nossa própria pessoa quando os fazemos. E depois, manda o comezinho patético que compõe a “portugalidade” que nunca nada tenha sido bom, que tudo seja sempre mais ou menos, passado benzinho, ou malzinho, porque tudo podia ter sido melhor (isto se não tiver sido um drama, uma catástrofe, e portanto venha 2007, venga, venga). Não. 2006 foi o que foi e pouco mais há para dizer. Fica a certeza de ter sido eu própria. Sempre. E isso ter sido o bastante para me fazer, agora, feliz.
Ontem de manhã acordei com a cabeça (e o coração) em casa, na Madeira. Então, cumpri as tarefas domésticas típicas de um sábado de manhã ao ritmo da memória. Assim sendo, recordei todos os momentos que compõem, curiosamente, o dia de hoje, na minha casa, na Madeira. Em verdade, mais a noite que o dia. Como tenho a certeza que daqui a nada vai ser assim outra vez, não resisto...
Não sei se jantamos, mas se o fazemos é mais cedo que o habitual, porque à hora do jantar, oito, mais coisa menos coisa, chega toda a gente (este é o terceiro Natal que passo fora de casa, começa a falhar-me a memória para certos momentos). Toda a casa cheira a cera e a umas florzinhas amarelas "muito-eu", mas de que (novamente) não me lembro do nome. Sei que adoro as ditas e que o meu pai, desde que soube disso, inunda a casa com elas, nesta quadra. O meu irmão farta-se de largar bombinhas – que detesto, porque me assusto a valer - nunca estou à espera, e não gosto, temendo naturalmente por ele. Mas enfim, a minha mãe gosta, recorda a sua infância, e é sempre assim todos os anos. Na sala, temos sempre a tv ligada, embora ninguém lhe ligue minimamente. Exceptuando a minha pessoa, porque preciso sempre de me abstrair da azáfama irracional da minha mãe e da minha irmã Teresa. Todas as luzes da casa e do jardim e da varanda, e as das árvores, estão também acesas, e as portas e as janelas abertas, para o Ano Novo entrar, segundo a minha mãe, (segundo o meu pai, para as ditas não estalarem com o impacto do fogo de artíficio da meia-noite). Vestimos casualmente, até porque não saímos, em casa é que se está bem, além do que recebemos sempre nesta noite montes de gente (e não somos como os nossos vizinhos, que, invejosos até à ponta dos cabelos da nossa noite, tentam colmatar a ausência de convidados com a sobranceria dos olhares curiosos e com a ostentação de fraques, vestidos de gala e flutes de champagne… solitaríssimas!) Então, recebemos, regra geral, as vinte ou trinta meninas da IPSS onde trabalha a minha mãe (e respectivas freiritas, estas muito a contragosto, pelos motivos que já vos expliquei algures em Maio). Essas são as meninas (que durante o ano suplicam à minha mãe que as adopte (!)) que não podem, pelas mais tristes razões, ir a casa pelo Natal e pedem (a quem, infelizmente, de direito) insistentemente para ver o Fim do Ano na nossa casa. Além disso, ainda costuma vir a "nata da nata" da família do meu pai, aí uns três casais e respectivas proles - mas a Antonieta, essa então é um must: intrinsecamente boa, gosto tanto de ti mulher (!), e depois aproveita toda e qualquer oportunidade para se lembrar (e FELIZMENTE lembrar a todos) que antes de casar e ter filhos e viver uma vidinha pacata no campo, era chef e, por isso mesmo, faz gala em trazer, cada ano, os petiscos mais deliciosos do mundo – em porções exageradíssimas... E come-se e bebe-se, e fala-se e ri-se, e põem-se os miúdos a dormir no quarto dos meus pais e/ou no meu, enquanto não é meia-noite, e levam-se as meninas a ver o piano, as salas (i.e. os presépios e as árvores de Natal), o jardim e a lagoa, as vistas, e apontam-se as pessoas que se acotovelam no Pico acima da nossa casa, e vai buscar-se mais um casaco para alguém mais friorento, ah… e a minha mãe comeca a preparar a CANJA – a melhor canja do Universo, melhor que todos os petiscos da Antonieta juntos(!). Muita gente, muita comida, muita alegria, muita animação na minha casa, – coisas de quem tem dois privilégios já raros no Funchal: uma Casinha de Prazeres (quem é madeirense sabe o que é, quem nao é, saiba que é uma espécie de Jardim de Inverno em forma de casa) e, por outra, *a* varanda com vistas para a baía do Funchal.
Chega a hora, a meia noite. Antigamente, não conseguia sucumbir ao cansaço e acabava sempre por adormecer – sem que ninguém tivesse a clarividência de me ir acordar para o espectáculo do fogo de artifício. Aprendi às minhas custas, arranjei uma outra maneira de adormecer: de olhos abertos, frente à televisao. Agora, há sempre quem venha dizer-me que devia ir indo, porque faltam dez minutos e o aperto vai ser grande à horinha. Vamos todos, cinquenta pessoas em média. Quarenta que se acotovelam à varanda, estrelinhas na mão todos, foguetes alguns, os senhores quase só, pequeninos para a frente para verem melhor(!), eu também sou pequenina, também quero ver, ai…, mais velhos, perdão: friorentos na Casinha de Prazeres (a idade, ou melhor, o frio tem vantagens: na casinha está, além do nosso presépio principal, o maior, o mais bonito, e do pinheiro – principal, maior e mais bonito, também – uma mesa fartíssima, e sem os petiscos da Antonieta que ficaram na cozinha…). Dez minutos de fogo e lasers e de um ruído francamente ensurdecedor depois, abraços e beijinhos dados, votos de Bom Ano manifestados, primeiro champagne da noite bebido, passas e desejos consumidas e consumados, acena-se aos tios - moram quarto casas acima - e vamos todos para a casinha… comer e beber, outra vez, claro! Não me lembro nunca de comer o que quer que seja nessa ocasião. Deixo a mesa por conta dos convidados. Eles não se fazem rogados, e nós... nós gostamos assim. A noite, que já é dia e de Ano Novo, termina com a canja da minha mãe. Disto sim, lembro-me. Bem. Canja. Madeirense. Fervente. Com arroz, cenoura, nabo, miudezas. Canja. Servida em chávenas. Acompanhada com carne de galinha no pão com manteiga. Satisfeitos, partem todos após isto. Partimos nós também da casinha para a casa, onde normalmente se bebe mais canja e se come mais pão com galinha (eu pelo menos, quando comia, enfim…) enquanto se acompanha a enesimamente televisionada Marcha de Radetzky, e se come invariavelmente um chocolatinho (ou muitos, muitos mais do que se deve), trufas se a minha tia as tiver trazido, e se bebe licor, licores vários, dos muitos que a minha mãe tem, ou fez ou comprou ao longo do ano, para degustação nesta época. Depois vai-se dormir porque já é tarde (ou cedo?) e primeiro dia do Ano so o é, se se assistir, pelo menos eu – cada vez mais apenas eu – ao Zecchino d’Oro (adoro o Topo Gigio (!), junto com a Pantera Cor de Rosa, é dos poucos bonecos que estimei na infância – uma estima que dura a vida toda!) enquanto se comem, como eu, pois, as passas, as gomas e as bengalas de marshmellows rosa e brancos que ficaram da véspera. Fim do Ano é assim na minha casa, na Madeira.
Sou, somos todos possivelmente, demasiado rígidos, exigentes e francamente pouco razoáveis com a nossa própria pessoa quando os fazemos. E depois, manda o comezinho patético que compõe a “portugalidade” que nunca nada tenha sido bom, que tudo seja sempre mais ou menos, passado benzinho, ou malzinho, porque tudo podia ter sido melhor (isto se não tiver sido um drama, uma catástrofe, e portanto venha 2007, venga, venga). Não. 2006 foi o que foi e pouco mais há para dizer. Fica a certeza de ter sido eu própria. Sempre. E isso ter sido o bastante para me fazer, agora, feliz.
Ontem de manhã acordei com a cabeça (e o coração) em casa, na Madeira. Então, cumpri as tarefas domésticas típicas de um sábado de manhã ao ritmo da memória. Assim sendo, recordei todos os momentos que compõem, curiosamente, o dia de hoje, na minha casa, na Madeira. Em verdade, mais a noite que o dia. Como tenho a certeza que daqui a nada vai ser assim outra vez, não resisto...
Não sei se jantamos, mas se o fazemos é mais cedo que o habitual, porque à hora do jantar, oito, mais coisa menos coisa, chega toda a gente (este é o terceiro Natal que passo fora de casa, começa a falhar-me a memória para certos momentos). Toda a casa cheira a cera e a umas florzinhas amarelas "muito-eu", mas de que (novamente) não me lembro do nome. Sei que adoro as ditas e que o meu pai, desde que soube disso, inunda a casa com elas, nesta quadra. O meu irmão farta-se de largar bombinhas – que detesto, porque me assusto a valer - nunca estou à espera, e não gosto, temendo naturalmente por ele. Mas enfim, a minha mãe gosta, recorda a sua infância, e é sempre assim todos os anos. Na sala, temos sempre a tv ligada, embora ninguém lhe ligue minimamente. Exceptuando a minha pessoa, porque preciso sempre de me abstrair da azáfama irracional da minha mãe e da minha irmã Teresa. Todas as luzes da casa e do jardim e da varanda, e as das árvores, estão também acesas, e as portas e as janelas abertas, para o Ano Novo entrar, segundo a minha mãe, (segundo o meu pai, para as ditas não estalarem com o impacto do fogo de artíficio da meia-noite). Vestimos casualmente, até porque não saímos, em casa é que se está bem, além do que recebemos sempre nesta noite montes de gente (e não somos como os nossos vizinhos, que, invejosos até à ponta dos cabelos da nossa noite, tentam colmatar a ausência de convidados com a sobranceria dos olhares curiosos e com a ostentação de fraques, vestidos de gala e flutes de champagne… solitaríssimas!) Então, recebemos, regra geral, as vinte ou trinta meninas da IPSS onde trabalha a minha mãe (e respectivas freiritas, estas muito a contragosto, pelos motivos que já vos expliquei algures em Maio). Essas são as meninas (que durante o ano suplicam à minha mãe que as adopte (!)) que não podem, pelas mais tristes razões, ir a casa pelo Natal e pedem (a quem, infelizmente, de direito) insistentemente para ver o Fim do Ano na nossa casa. Além disso, ainda costuma vir a "nata da nata" da família do meu pai, aí uns três casais e respectivas proles - mas a Antonieta, essa então é um must: intrinsecamente boa, gosto tanto de ti mulher (!), e depois aproveita toda e qualquer oportunidade para se lembrar (e FELIZMENTE lembrar a todos) que antes de casar e ter filhos e viver uma vidinha pacata no campo, era chef e, por isso mesmo, faz gala em trazer, cada ano, os petiscos mais deliciosos do mundo – em porções exageradíssimas... E come-se e bebe-se, e fala-se e ri-se, e põem-se os miúdos a dormir no quarto dos meus pais e/ou no meu, enquanto não é meia-noite, e levam-se as meninas a ver o piano, as salas (i.e. os presépios e as árvores de Natal), o jardim e a lagoa, as vistas, e apontam-se as pessoas que se acotovelam no Pico acima da nossa casa, e vai buscar-se mais um casaco para alguém mais friorento, ah… e a minha mãe comeca a preparar a CANJA – a melhor canja do Universo, melhor que todos os petiscos da Antonieta juntos(!). Muita gente, muita comida, muita alegria, muita animação na minha casa, – coisas de quem tem dois privilégios já raros no Funchal: uma Casinha de Prazeres (quem é madeirense sabe o que é, quem nao é, saiba que é uma espécie de Jardim de Inverno em forma de casa) e, por outra, *a* varanda com vistas para a baía do Funchal.
Chega a hora, a meia noite. Antigamente, não conseguia sucumbir ao cansaço e acabava sempre por adormecer – sem que ninguém tivesse a clarividência de me ir acordar para o espectáculo do fogo de artifício. Aprendi às minhas custas, arranjei uma outra maneira de adormecer: de olhos abertos, frente à televisao. Agora, há sempre quem venha dizer-me que devia ir indo, porque faltam dez minutos e o aperto vai ser grande à horinha. Vamos todos, cinquenta pessoas em média. Quarenta que se acotovelam à varanda, estrelinhas na mão todos, foguetes alguns, os senhores quase só, pequeninos para a frente para verem melhor(!), eu também sou pequenina, também quero ver, ai…, mais velhos, perdão: friorentos na Casinha de Prazeres (a idade, ou melhor, o frio tem vantagens: na casinha está, além do nosso presépio principal, o maior, o mais bonito, e do pinheiro – principal, maior e mais bonito, também – uma mesa fartíssima, e sem os petiscos da Antonieta que ficaram na cozinha…). Dez minutos de fogo e lasers e de um ruído francamente ensurdecedor depois, abraços e beijinhos dados, votos de Bom Ano manifestados, primeiro champagne da noite bebido, passas e desejos consumidas e consumados, acena-se aos tios - moram quarto casas acima - e vamos todos para a casinha… comer e beber, outra vez, claro! Não me lembro nunca de comer o que quer que seja nessa ocasião. Deixo a mesa por conta dos convidados. Eles não se fazem rogados, e nós... nós gostamos assim. A noite, que já é dia e de Ano Novo, termina com a canja da minha mãe. Disto sim, lembro-me. Bem. Canja. Madeirense. Fervente. Com arroz, cenoura, nabo, miudezas. Canja. Servida em chávenas. Acompanhada com carne de galinha no pão com manteiga. Satisfeitos, partem todos após isto. Partimos nós também da casinha para a casa, onde normalmente se bebe mais canja e se come mais pão com galinha (eu pelo menos, quando comia, enfim…) enquanto se acompanha a enesimamente televisionada Marcha de Radetzky, e se come invariavelmente um chocolatinho (ou muitos, muitos mais do que se deve), trufas se a minha tia as tiver trazido, e se bebe licor, licores vários, dos muitos que a minha mãe tem, ou fez ou comprou ao longo do ano, para degustação nesta época. Depois vai-se dormir porque já é tarde (ou cedo?) e primeiro dia do Ano so o é, se se assistir, pelo menos eu – cada vez mais apenas eu – ao Zecchino d’Oro (adoro o Topo Gigio (!), junto com a Pantera Cor de Rosa, é dos poucos bonecos que estimei na infância – uma estima que dura a vida toda!) enquanto se comem, como eu, pois, as passas, as gomas e as bengalas de marshmellows rosa e brancos que ficaram da véspera. Fim do Ano é assim na minha casa, na Madeira.
4 comentários:
Memória absolutamente - eficazmente? achas? :P - selectiva (e sensitiva também). ;)
Jinhos.
Sleep Well,
Sempre tão generosa para com os meus textos!...
Pois, a foto... a foto encontrei-a no Google, nem sei de que ano terá sido...! :P
Amigos bons há em todo o lado, agora fim do ano como o madeirense, não me parece... ;)
Jinhos.
Olá Joaninha
Lindo texto!
Isto é que é o sentir de uma madeirense. Que grande sentir, não faltou nada.
E então aquela descrição da canja depois do fogo, tal e qual na minha casa.
Beijinhos
Ai a canja, a canja é a minha parte favorita (bem, juntamente com o fogo: sem fogo não ha canja...), adoro, adoro, adoro... não se notou nada... pois não? ;)
Jinhos e o MELHOR ANO para si e para a sua família!
Enviar um comentário