Hoje é o dia de todas as mães, é o dia de todos os filhos e por isso mesmo falarei da minha. Apenas. Cada um que recorde e homenageie a sua à sua maneira. O melhor que possa e saiba. Mamã, desculpa a frugalidade das palavras, mas já me conheces: quando amo, emudeço.
A minha mãe trabalha num orfanato.
Todos os dias tem a seu cargo, porque as meninas têm aulas fora do colégio, a ocupação dos tempos livres – de estudo, arte, música, lavores, brincadeiras e tropelias – de uma média de setenta crianças, órfãs ou oriundas de famílias disfuncionais. Setenta. Com idades tão díspares que podem ir dos cinco, seis anos aos dezoito. É claro que se dividem as internas por idades e multiplicam-se tarefas e actividades, pelo que a minha mãe trabalha com grupos, de vinte ou trinta ou cinquenta, vários, durante todo o dia.
Por isso é que quando chega a casa, por volta das sete e meia, todos os dias, janta e vê um minuto ou dois do Telejornal. Sempre. Quando damos por ela, porque a conversa e a risota já terminaram há muito, está a dormir. Todos os dias é assim. Às vezes temos pena, porque ela queria ver determinado programa e acha que é desta que vai conseguir, porque hoje até nem se sente muito cansada e tem realmente muito interesse em ver o tal programa, ao contrário das desgraças do Telejornal. Mas o sono vence-a e o programa, se gravado, será visto durante o fim-de-semana. Isto, claro, se entretanto, não aparecer qualquer coisa para fazer nesse fim-de-semana, se não decidirmos fazer um piquenique ou dar um passeio ou se não nos bater à porta alguém, alguma visita inesperada. (Todos os fins-de-semana, é incrível!).
A minha mãe conhece assim muitas pessoas, muitas histórias, muitas vidas, nem sempre ou, em boa verdade, muito raramente, bonitas. A minha mãe presencia, às vezes diariamente, muitas situações nem sempre justas, nem sempre adequadas, nem sempre agradáveis. Mas não se deixa nunca contagiar pela tristeza, apesar de não a surpreender a dureza do mundo; não cede nunca à amargura, apesar de admitir que às vezes ver determinadas injustiças ou ouvir contar certas situações custa; e sobretudo não descansa na hipocrisia dominante, não passa para o lado, confortável, do mais forte… continua ouvir, a fazer reflectir, a aconselhar, a ser confidente… tal como da primeira vez, há muito tempo atrás. E isso, que para mim é motivo de admiração, honra, orgulho e uma veneração sem limites, não lhe tem sido, ao longo dos anos, muito vantajoso. Especialmente junto da entidade empregadora. Por todas as razões. Mas a minha mãe é acima de tudo mãe, e vê em cada menina a filha de alguém, e isso, creio, por muito que lhes custe admitir, as irmãzinhas nunca vão entender na sua plenitude.
A minha mãe é uma idealista e por isso mesmo está bem onde está. Porque ao contrário de muitos, até mesmo no topo hierárquico da instituição, a minha mãe acredita no constante aperfeiçoamento do ser humano, na regeneração e na possibilidade de reintegração. E como ela eu. Mas como a amo e só a quero ver bem, saco da racionalidade e do pragmatismo e digo-lhe, agora constantemente, para pôr os ideais de lado, porque já não tem idade, porque a inimizade patronal é perigosa, porque não deve misturar trabalho com sentimento, porque, porque… E ela ri-se, e olhando-me, desafiadora, lembra-me tantos episódios, tantas histórias que lhe contei dos meus alunos e diz-me que o idealismo lhe está no sangue, lhe corre nas veias e por isso mesmo é que – eu sou a prova – é genético! E eu coro e cedo às evidências: tem razão.
E o idealismo é capaz de explicar muita coisa. Ainda hoje, agora, neste preciso momento, não consigo perceber como sempre teve (e tem) tanta paciência para nós, tanto interesse, tanta proximidade, entrega e alegria com um dia-a-dia tão agitado, tão intenso. Não percebo como consegue estar sempre lá quando é preciso e ter sempre o conselho mais adequado na ponta da língua. Não percebo como adivinha o que lhe queremos dizer e nos dá a opinião dela, às vezes diferente mas certa. Não percebo como conhece tão bem as manhas, as astúcias e as manobras mais incríveis de alguns seres humanos e tem ali, à mão de semear, os respectivos antídotos, as soluções. Não percebo como, com este emprego e este país, não cedeu às modas, ao sossego e ao conforto e não teve apenas dois filhos como todas as primas, cunhadas, amigas, colegas, vizinhas e afins. Não percebo como nos põe sempre à frente e antes de tudo o mais. Não percebo como nos conseguiu educar assim: na liberdade, para a justiça, a concretização dos nossos sonhos e para o bem.
Um dia vou perceber, diz-me muitas vezes. Não sei. Espero que também seja genético.
Por tudo isso, por tudo o que não escrevi aqui e por aquilo que ainda me escapa,
SÓ PARA A MINHA
Mamã,
Amo-te.
És o que tenho de mais precioso.
Daria a minha vida por ti.
Jinhos,
Joaninha
Todos os dias tem a seu cargo, porque as meninas têm aulas fora do colégio, a ocupação dos tempos livres – de estudo, arte, música, lavores, brincadeiras e tropelias – de uma média de setenta crianças, órfãs ou oriundas de famílias disfuncionais. Setenta. Com idades tão díspares que podem ir dos cinco, seis anos aos dezoito. É claro que se dividem as internas por idades e multiplicam-se tarefas e actividades, pelo que a minha mãe trabalha com grupos, de vinte ou trinta ou cinquenta, vários, durante todo o dia.
Por isso é que quando chega a casa, por volta das sete e meia, todos os dias, janta e vê um minuto ou dois do Telejornal. Sempre. Quando damos por ela, porque a conversa e a risota já terminaram há muito, está a dormir. Todos os dias é assim. Às vezes temos pena, porque ela queria ver determinado programa e acha que é desta que vai conseguir, porque hoje até nem se sente muito cansada e tem realmente muito interesse em ver o tal programa, ao contrário das desgraças do Telejornal. Mas o sono vence-a e o programa, se gravado, será visto durante o fim-de-semana. Isto, claro, se entretanto, não aparecer qualquer coisa para fazer nesse fim-de-semana, se não decidirmos fazer um piquenique ou dar um passeio ou se não nos bater à porta alguém, alguma visita inesperada. (Todos os fins-de-semana, é incrível!).
A minha mãe conhece assim muitas pessoas, muitas histórias, muitas vidas, nem sempre ou, em boa verdade, muito raramente, bonitas. A minha mãe presencia, às vezes diariamente, muitas situações nem sempre justas, nem sempre adequadas, nem sempre agradáveis. Mas não se deixa nunca contagiar pela tristeza, apesar de não a surpreender a dureza do mundo; não cede nunca à amargura, apesar de admitir que às vezes ver determinadas injustiças ou ouvir contar certas situações custa; e sobretudo não descansa na hipocrisia dominante, não passa para o lado, confortável, do mais forte… continua ouvir, a fazer reflectir, a aconselhar, a ser confidente… tal como da primeira vez, há muito tempo atrás. E isso, que para mim é motivo de admiração, honra, orgulho e uma veneração sem limites, não lhe tem sido, ao longo dos anos, muito vantajoso. Especialmente junto da entidade empregadora. Por todas as razões. Mas a minha mãe é acima de tudo mãe, e vê em cada menina a filha de alguém, e isso, creio, por muito que lhes custe admitir, as irmãzinhas nunca vão entender na sua plenitude.
A minha mãe é uma idealista e por isso mesmo está bem onde está. Porque ao contrário de muitos, até mesmo no topo hierárquico da instituição, a minha mãe acredita no constante aperfeiçoamento do ser humano, na regeneração e na possibilidade de reintegração. E como ela eu. Mas como a amo e só a quero ver bem, saco da racionalidade e do pragmatismo e digo-lhe, agora constantemente, para pôr os ideais de lado, porque já não tem idade, porque a inimizade patronal é perigosa, porque não deve misturar trabalho com sentimento, porque, porque… E ela ri-se, e olhando-me, desafiadora, lembra-me tantos episódios, tantas histórias que lhe contei dos meus alunos e diz-me que o idealismo lhe está no sangue, lhe corre nas veias e por isso mesmo é que – eu sou a prova – é genético! E eu coro e cedo às evidências: tem razão.
E o idealismo é capaz de explicar muita coisa. Ainda hoje, agora, neste preciso momento, não consigo perceber como sempre teve (e tem) tanta paciência para nós, tanto interesse, tanta proximidade, entrega e alegria com um dia-a-dia tão agitado, tão intenso. Não percebo como consegue estar sempre lá quando é preciso e ter sempre o conselho mais adequado na ponta da língua. Não percebo como adivinha o que lhe queremos dizer e nos dá a opinião dela, às vezes diferente mas certa. Não percebo como conhece tão bem as manhas, as astúcias e as manobras mais incríveis de alguns seres humanos e tem ali, à mão de semear, os respectivos antídotos, as soluções. Não percebo como, com este emprego e este país, não cedeu às modas, ao sossego e ao conforto e não teve apenas dois filhos como todas as primas, cunhadas, amigas, colegas, vizinhas e afins. Não percebo como nos põe sempre à frente e antes de tudo o mais. Não percebo como nos conseguiu educar assim: na liberdade, para a justiça, a concretização dos nossos sonhos e para o bem.
Um dia vou perceber, diz-me muitas vezes. Não sei. Espero que também seja genético.
Por tudo isso, por tudo o que não escrevi aqui e por aquilo que ainda me escapa,
SÓ PARA A MINHA
Mamã,
Amo-te.
És o que tenho de mais precioso.
Daria a minha vida por ti.
Jinhos,
Joaninha
4 comentários:
Ela também tem sorte de ter uma filhota assim... ;)
Quero fazer das tuas palavras as minhas! À nossa mamã devemos o que somos... sem qualquer sombra de dúvida! Partilhamos a mesma mãe, que sorte, partilhamos a virtude que é sermos geradas, criadas, educadas pela mesma mulher extraordinária de quem recebeste o sexto sentido extraordinário que tens, e de quem eu recebi as feições e o nome... E digo eu, em jeito de conclusão, QUE BENÇÃO...
beijinho grande
bem o katra ali..deve tar a falar d mim..ne?a filhota sou eu... :)´
SIM BJINHOS PA MAMA ...e gosto mtmtmt d si!.."e esta tudo dito"..
bjinhs nininha
Ai Cockie, tu e a mania do protagonismo... ;)
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