terça-feira, junho 16, 2009

Como é que eu não vi logo?


A MINHA MÃO, O MEU ANEL : 5 dedos, três anéis - normal, não?

As beatas realmente beatas não são aquelas senhoras pequeninas, ajoelhadas muito enroladas sobre o banco, aquelas que bichanam terços e terços em frente ao altar, não.

As beatas realmente beatas sentam-se nos dois, três, últimos bancos da Sé, bem longe do altar, dos terços, do padre e do Evangelho e são umas matronas que vestem sempre de preto.

As beatas realmente beatas têm um destino negro de tão fatal apenas iluminado pelo robusto dever pedagógico e universal de mostrar a sua dor mais perfeita, mais dura, mais negra, a fim de inspirar... reconhecimento, faz favor, com fervor, com paixão.

As beatas que não se vestem de preto, as que têm largas blusas de azuis e rosas e beges e brancos gastos, a piscarem lantejolas ainda mais gastas, sentam-se ao lado das sempre de preto, filha és, mãe serás, negra toda a ausência de cor, filha és, mãe serás, nos dois, três, últimos bancos aqui da Sé. Bem longe do altar, dos terços, do padre e do Evangelho.

As beatas realmente beatas não rezam o terço, ocupadas que estão com o responsório que cospem ora para a esquerda, ora para a direita – as alas por que entram as pessoas que, como eu, chegaram no comboio das oito e meia e que prometeram a si mesmas depois daquela primeira missa ingénua, estoicamente suportada de pé, o coração a bater em todo o lado, os olhos confusos, atrás de todos os bancos, longe, longe, longe, de toda a Palavra, nunca mais; pessoas que, como eu, de fininho voam o mais rápido que podem para a frente. Longe, longe daquilo. Pessoas como eu, que não têm – ainda – capacidades de tele-transporte que lhes permitam sair do comboio, pézinho direito à frente, entrando, pisando firmemente os romanos chãos na Sé, pézinho esquerdo esquecido atrás, ainda no comboio.

No comboio. Às vezes apetece tanto sair do comboio, sem olhar a quanto tempo se está da próxima paragem, se é ou não apeadeiro, mesmo em andamento – não importa, às apetece tanto quanto da missa das oito e meia da Sé, não se conhecendo as beatas mais beatas, ou a respectiva área preferencial de pousio. No comboio, ainda não percebi porquê – pessoas aborrecidas! –, a partir de Ermesinde não há, infelizmente, áreas preferenciais de pousio. É tudo ao molho. Por miúdos: se as pessoas do costume não vêm, ou se, tendo vindo, encontraram alguém conhecido e por isso se sentam alhures, há o risco, remoto – trago sempre um livro e/ou música... – de a viagem demorar mais que a eternidade dos quarenta e cinco minutos de todos os dias. Se for dia de livro, não há inoportuno que me aborreça; se for dia de música, quase qualquer um é inoportuno. A música é algo a que me é possível dedicar por completo apenas quando é ao vivo, nos outros casos todos tenho de fazer sempre alguma coisa com os olhos ou com as mãos. Ou com ambos. Então hoje, que tenho dois papos e uma ardência moída no lugar dos olhos, resolvi não ler, resolvi ouvir – o meu ipod tem música que nunca mais acaba!... – e olhar lá para fora. Como algumas vezes faço, de resto. Na Trofa, entra uma menina, muito arranjadinha, blusinha roxo quaresmal, a cor da moda, muito despachadinha, muito pequenina, uma cara que conheço de passagem, de passagens muito rápidas, da Biblioteca que se senta bem à minha frente. Acho muito natural que, por nos conhecermos de vista, prestassemos atenção uma à outra. É assim sempre entre mulheres – parece-me. Não me parece é, naturalmente, bem, que a atenção da menina dure a totalidade da sua viagem, uma meia hora eteeeeeeeeeerna, e se foque única e exclusiva, assustadoramente, no anel da minha mão esquerda. Faço de tudo, troco as mãos de posição, olha a janela para depois voltar ao mesmo, remexo na mala, olha a outra janela para depois, olhei-a nos olhos com o então? que se impunha, mostra o passe ao revisor para depois, acho que já chega, quero rir: sacudo a mão, tiro o anel, olho-a, componho o anel noutra ordem, olho-a, noutra ainda, e noutra – três anéis permitem múltiplas probabilidades... – sempre a olhá-la, coloco-os uma e outra vez na outra mão, na do costume, que volto a sacudir, como no ínicio da brincadeira.

No fim, a precisar muito - e urgentemente... - de penitência, esvoaçei o melhor que pude para a Sé, pela porta do lado, de fininho, o mais rápido que pude, que posso sempre, para a frente. Longe, longe daqueles últimos três bancos horripilantes de roupas e palavras gastas, à força de tanto direita-esquerda-esquerda-direita-direita-esquerda, sempre assim, no mesmo ritmo, estupidamente natural, das matronas de negro e, bem lá no meio delas, aconchegadinha, serena como quando se está em casa, a menina arranjadinha, blusinha roxo quaresmal, a cor da moda, um negro mais jovem.

Como é que eu não vi logo?

15 comentários:

Oásis disse...

Pessoas assim, se não olhassem para o anel, iam olhar para outra coisa qualquer: os brincos, a mala, os sapatos. Por isso as beatas são os restos em que ninguém pega :)

Jinhos.

Joana disse...

Marisa,

Ora se não viesse daí uma piada linguística com trocadilho semântico apenso é que seria de estranhar...

E no entanto, tens razão. :)))

Jinhos.

V. disse...

ninguém te manda ter anéis lindos como esse e umas mãos de fazer inveja, não é?! :p

(eheheh!)

beijinho*

Joana disse...

Vanessa,

Aiiiiiiiiiiiiiiii! Só tu! :*

(Sabes que mais?!, me aguardji que assim que chegar a casa tiro uma pic dos BRINCOS que trouxe hoje para a MENINA ver como me ficam tãaao bem, tsh!...)


Jinhos.

Maria Rita disse...

Eu também acho que o mal (-ou bem :)) era do anel! Não é por acaso que alguém se fica tão penetradamente num objecto, e olha que se fosse pelo sentimento contrário (se não gostasse) não ficava ali tanto tempo a olhar!

[é verdade, este sábado fiquei mesmo a saber o que é o verdadeiro bolo de chocolate, sim o da Centésima Página, e a senhora achou-nos com cara de apreciadores de bolo de chocolate. Por acaso até não me considerava mas achei uma bonita ideia :) ]

Beijinho Joana*

Joana disse...

Frida,

O anel é lindo. :)))

Em relação ao bolo: COMO EU TE ENTENDO!!! Eu também não sou grande apreciadora de chocolate, nem de bolo de chocolate, nem de nada de chocolate que não seja chocolate quente... Mas, exactamente como aconteceu convosco a senhora achou que eu - digamos que vê como mais ninguém, nem nós!, o nosso potencial de apreciadores et voilá, uma perdição! :D


Jinhos.

V. disse...

fogo. como é que eu não conheço o bolo de chocolate da centésima?! snif snif! *

Joana disse...

Vanessa,

Realmente... como é que tu AINDA não conheces?

Next time, NÃO VOU ESQUECER, vamos lá... (Este fim-de-semana, com a Raquel, era bem... :D)


Jinhos.

miradouro das cruzes disse...

Amiga JJ,
Após ler a sua crónica, acho que teve sorte. Pensei... e se fossem 3alianças ou 3 aneis de noivado? Seria um dia em cheio para as beatas. O falatório ultrapassaria a própria Sé, não haveria roxo que aguentasse!

Doppelganger. disse...

O bolo da centésima é mais um bocado de chocolate puro a entrar pelas nossas guelras cheias de gula, mas e tão bom tão bom, que não tenho palavras, e depois acompanhadinho por um suminho de laranja. XD

As beatas são tipo corvos, só se fixam em algo que brilhe, ou algo que tenha muito valor, aposto que se o deixasses cair nunca mais o vias, a inveja é danada! : )
Gostei do preto das betas e do roxo quaresmal. :)


Beijinho*

comboio turbulento disse...

Peço desculpa mas quando me preparava para escrever um comentário sobre o texto, excelente as usual, não pude deixar de ler os outros. E confesso que o bolo de chocolate, não sei bem de onde ou de quem, me fez crescer água na boca (talvez porque ainda não jantei)É que eu adoooro bolo de chocolate, sobretudo se ele é bem feito. tens de dizer onde é esse lugar :):)

Joana disse...

Loo Rock,

As alianças e os anéis de noivado, como o Amor, só uma, só um. :))))

(E sim, com a minha pancada por jóias, um falatório universal!)

Pedro,

É sempre bom agradar aos amigos, nas recomendações gastronómico-culturais e na escrita...

Comboio,

A Centésima Página é uma livraria que fica no centro de Braga, Av. Central nº 118-120 (pertíssimo do MacDonalds). Um sítio encantador, onde podes encontrar livros que de outro modo só no Amazon, exposições de artesanato urbano, caixinhas de música, o um grande alho francês à brás e o melhor bolo de chocolate do planeta, para mim *a* livarria de Braga.

Jinhos.

P.S. 1 Não tenho, infelizmente, qualquer tipo de comissão por isso (também) não é publicidade isto que faço, é recomendação amiga. ;)

P.S. 2 Marisa, não é que tinhas razão? Hoje foi para o colar, para as pumps, para os óculos, ou para a janela, que a vista aqui da vizinha é muuuuiiiito melhor, erh, diferente que a minha (dela). Pfff!!!

Oásis disse...

As maravilhas da blogosfera! Num post sobre aneis e beatas acabamos a falar de BOLO DE CHOCOLATE, nham, nham. Onde, onde? Este bolo já merecia uma foto aqui no teu cantinho!
E conheces o de Campo Ourique, aqui em Lx? (para a próxima não nos encontramos no Chiado, está visto)

Jinhos!

Anónimo disse...

Marisa,

Sim! De como a blogosfera TAMBÉM é doce... ;)

Campo de Ourique? Não, não conheço, mas de certeza que não é como o da Centésima, ehe! Tem que se ver isso de facto... :D


Jinhos.

Joana disse...

Não sei porquê, o Blogger anonimou-me no comentário acima. Marisa, é meu, o comment.


:*