sábado, junho 13, 2009

Santo António fica do outro lado


Foto daqui

Santo António fica do outro lado da estrada. É só atravessar.

Na Madeira. Quando fecho o portão de casa, estou em São Martinho; quando atravesso a rua para cumprimentar o nosso vizinho da frente, então como tem passado, sr. Abreu?, muito bem e a menina, é a Joaninha, não é?, já não vinha cá há tanto tempo, pois, tem razão realmente, desde o Natal..., é menina, mas as feições não mudam muito..., as feições!, o sr. Abreu é que nunca muda, sempre igual, sempre iguais nós os dois à conversa, em Santo António.

Santo António fica do outro lado da estrada. É só atravessar.

Em Famalicão. À saída do MacDonalds, é só atravessar, e dá logo com a rotunda, está a ver?, bem no centro da rotunda: Santo António. Entra-me pelos olhos dentro aquela rotunda, nunca mais vir a Famalicão de carro, o comboio não passa por aqui, desce-me até ao estômago, aquela rotunda, nunca mais atravessar o centro de Famalicão, o comboio não passa por aqui, rebela-me bílis, aquela rotunda, nunca mais...., e num instante, cá para fora, tudo, outra e outra vez, sempre. Não segura o estômago o que o coração esqueceu.

Santo António fica do outro lado da estrada. É só atravessar.

Em Nova Iorque. Na Catedral de St. John the Divine, o céu três minutos depois do Rockefeller Center, do outro lado da estrada. Um bocadinho de Portugal, St. Anthony of Lisbon, aqui?, um calorzinho bom, quem diria?, um bocadinho de casa, so far away, um bocadinho de sorriso, tão perto, tão longe, tão grande, tão bonita, ma-gni-fi-cen-te, uma imagem magnificente, em destaque, num templo anglicano, quem diria.

Quando éramos miúdos, ao jantar, a minha mãe costumava sossegar-nos aos quatro com histórias, duas ou três por refeição, uma variedade que cedo ou tarde repetiria da véspera ou da semana anterior, forçosamente: os dias eram muitos e quatro vontades diferentes de ouvir novamente as suas histórias predilectas complicavam em muito os jantares... Não sei se espontaneamente, se por manobra de entretenimento, começou a intercalar as nossas histórias com as vidas dos santos. Então, depois da fábula, incrível, da Águia branca e da Águia preta, lá vinha o arrependimento de São Cristóvão, coitadinho, a vida toda a atravessar o rio?, às aventuras do Tonto e do Sabido, se seguia o martírio de Santa Bárbara, coitadinha, o próprio pai?, depois da desventura da Maria do Viúvo, chegava a paciência de Santo António, santo milagreiro e casamenteiro, para com as tropelias de um Menino que tudo fazia para o distrair do estudo. Divertia-nos pouco esta a história da paciência do único santo que não considerámos, unanimemente, coitadinho. A paciência é uma história para adultos. Mas aquele único santo de uma vida simples, sem tragédias nem amarguras, aquele cuja história nem nos cativava muito, esse, ficou para sempre connosco, a sorrir-nos terno do passado, a olhar-nos atento da moldura, a acolher generoso o nosso quotidiano, ali, presente, paciente, no quadro mais estimado pela nossa avó, ali, presente, paciente, um lírio numa mão, o livro em cima do qual sentava o Menino na outra. Gosto de santos. Gosto destes santos que descem dos altares para viver connosco.

Gosto deste Santo António paciente do outro lado. É só atravessar.

5 comentários:

Anónimo disse...

eu que não sou dado a santos gosto deste Santo António que passeia nas tuas palavras que demonstram sempre uma enorme serenidade.

tj disse...

Gostei imenso de ler Santo António, o santo paciente aqui mesmo ao lado, que é só preciso atravessar!!! Não fazia ideia que era assim em tanto sítio...
Por falar em Santos continuo a pensar no nome do texto que me falaste. Se calhar ajudava lê-lo, se puderes manda por mail. jinho

Joana disse...

Comboio,

E eu que não sou dada a comentários de comentários, gostei do teu. ;)

tj my sis_lovely Té,

Aquilo ainda está muito cru, quando estiver assim mais para o comestível segue para os Açores, no problem! :D


Jinhos a ambos.

Maria Rita disse...

As ruas de Famalicão não são assim tão complicadas Joaninha! Não se difama assim uma terra :)))

Beijinho*

Joana disse...

Frida,

Não são. Mesmo. :))))

Nunca foi minha intenção difamar Famalicão: é boa terra, terra de MUITO boas pessoas... :D

(Eu é que tenho o coração dentro da cabeça e o estômago ligado à dita cabeça... defeito de fabrico pessoal, definitivamente não defeito de Famalicão!)

Jinhos, Rita.
Jinhos.