quinta-feira, junho 18, 2009

O mundo visto de cima

De cima de doze centímetros, o mundo fica mais pequeno, as pessoas ficam mais pequenas; a cintura, coisa extraordinária, quase mais pequena; o andar, cada passo, mais pequeno; a energia, repartida, mais pequena; as tarefas, consoante o depósito de energia remanescente, divididas, mais pequenas; e até alguns problemas, mais pequenos. Parece um lugar mais simples, mais fácil de habitar, de existir, vivendo, o mundo, de cima de doze centímetros.

Se calhar é por isso que me parece tão sereno. É assim, sereno, do alto dos seus de certeza dois metros, aqueles mais vinte centímetros de que só hoje precisava para ser serena, também. É assim, sereno, quando sorri para me deixar sentar, quando descansa as mãos, bonitas, – eu a cumprimentar os botões de punho lilás iguais à gravata –, sobre os joelhos, quando, depois, cruza os braços, adeus mãos bonitas!..., para, por fim, se deixar adormecer.

Há qualquer coisa que me inspira uma ternura imensa, algo cujo entendimento me escapa, uma loucura babada, rios dela a sairem dos olhos e da boca num sorriso deliciado, ante a generalidade destas pessoas, grandes-mesmo-grandes, da liga dos jogadores de basketball; exactamente o mesmo delírio divino que não consigo reprimir ante as pessoas pequenas-mesmo-pequenas, que descansam e adormecem ao fim do dia no colo das pessoas nem-grandes-nem-pequenas, como eu.

Na impossibilidade de permanecermos para sempre pessoas pequenas-muito-pequenas, de colo, sorriso e respiração milagrosamente sincronizados com o embalo e a respiração - e o abandono derretido! - da pessoa nem-grande-nem-pequena sentada na sua cadeira predilecta, devíamos ser todos grandes-muito-grandes. E sorrir quando pede licença, uma menina suada, vermelha, pesada de livros, cópias e uma prenda de aniversário, e sumamente farta dos dias, de um dia estupidamente quente e mau. Devíamos ser todos grandes-muito-grandes. E usar botões de punho, um par por cada cor do arco-íris, sempre a fazer pendant com a gravata. E adormecer ao fim do dia naquele perímetro incompreensivelmente exíguo para um metro e meio de pernas que sempre resvalam, num quase selinho de joelhos, para outro par de pernas, um de métrica regular. Devíamos ser todos assim, grandes-muito-grandes. Ou então fazer por isso, e andar de pumps de 12 centímetros, como eu hoje. A serenidade é uma questão de perspectiva. E andamento.

Devíamos ser todos assim, serenos. Devíamos ser todos assim, sem pensar. Deus, então não é que tudo me dorme?, como é que tudo me dorme?, porque é que tudo me dorme?

Devíamos ser todos assim, serenos, porque, tenho a certeza, o mundo visto de cima é um lugar mais simples.

6 comentários:

V. disse...

eu e as minhas sandálias rasas dizemos-te que sim: o mundo visto de cima deve ser um lugar mais simples. deve. porque daqui de baixo (ando sempre sempre sempre com os pés rentes ao chão e a cabeça nas nuvens) parece complicado à mesma... :)

(12 centímetros? meu deus! como é que consegues? :p)

Oásis disse...

Às vezes nem é preciso ir para cima, basta chegarmo-nos para o lado ou afastarmo-nos e ficamos logo com outra perspectiva...

Jinhos.

p.s. Lá tive eu de ir à net ver o que são pumps! ehehehe (para mim é tudo saltos altos, sou um bocado básica nessas coisas, mas gosto de ver quem sabe andar neles!)

Oásis disse...

E já te disse que tenho saudades tuas? :))

Jinhos.

Marisa.

Joana disse...

Vanessa,

Agora é que disseste tudo: pés rentes ao chão e cabeça nas nuvens, difícil, difícil, difícil... (Hoje contigo é tudo na mouche! :D Ehe!)

Bem, como consigo, na realidade não sou eu, é uma miúda com o mesmo nome e cara e ocupações, mas não sou eu, como explicar?...: eu sandália rasa contigo logo... :P

Marisa,

Pois, não há necessidade de ir à net, é tudo salto alto, the american way... ;)

(Saudades? Sim? Minhas? Ai, deixa limpar a baba!...)

Jinhos a ambas.

Maria Rita disse...

Eu vejo sempre o mundo de cima. Não, não me ajeito nada a andar de saltos altos (na verdade nunca experiementei, mas não é uma coisa que me entusiasme muito :)), mas vejo sempre, todos-os-dias, o mundo de cima, das janelas e varandas do quarto andar do prédio onde vivo. E, para além da bonita paisagem, vejo as pessoas a andarem de um lado para o outro, a sorrirem e a segurarem o guarda chuva quando o dia não é tão felz. E ás vezes dá vontade de ajudar, de pegar num dos sacos que elas levam pesados na mão. Mas se descer não consigo agir. Acho que quanto mais altos estamos, mais bondosos ficamos. Como Ele.

Beijinho*

Joana disse...

Fida,

Acho que quanto mais altos estamos, mais bondosos ficamos. Como Ele.


Para o meu fim-de-semana. Objectivo: ser, tentar permanecer como Ele.

OBRIGADA pelo comentário, estava a precisar muito de um consolo assim agora.

Jinhos.