Dia das rosas mais bonitas do mundo que fazem chorar, da Catedral das praças e das esplanadas, do soninho na espreguiçadeira, do melhor e do pior desta cidade.
Quando fui estudar para Paris estava apaixonada, agora que penso nisso deve ter sido a paixão mais fraquita que tive por alguém, mas, ainda assim, era o suficiente para, sempre que estava num sítio bonito, quase sem querer, dizer dentro “Quem me dera que o … estivesse aqui. Um dia hei-de mostrar-lhe isto tudo!” Não sei se ficou dessa situação ou tem a ver mesmo comigo, ou com a Humanidade – creio que todos somos assim: dar a conhecer ao maior número de pessoas aquilo que se ama, seja isso uma religião, uma teoria filosófica ou somente um livro de um bouquiniste à beira do Sena, o senhor dos cachorros e dos pretzels na esquina do Central Park com a Casa Frisk ou uma dúzia de espreguiçadeiras num jardim em frente a uma Catedral. Ainda agora, quando vou a qualquer sítio, continuo a pensar mostrá-lo a alguém. Sempre. É engraçado.
É engraçado. Especialmente pelo que me custa chegar a algum lado. Trabalho digno de Hércules para quem descobriu há dias que não distingue a esquerda da direita, a (indicação de) subida da descida, o norte do sul. Daí as milhentas vezes em que me perdia, sem perceber nunca como, quando vivia em Paris, daí a minha permanência forçada na linha F do metro em NY durante uma hora (em que apanhava sempre o que ia para a mesma direcção) para desconsolo e preocupação de quem estava à minha espera à saída do metro, porque contigo é melhor assim, nunca fiando. A tarde de compras no Soho resumiu-se a horas e um muito necessário e tardio, mas delicioso, almoço às cinco da tarde. Mea culpa.
Hoje conseguiu ser pior, a minha inaptência geográfica: quando devia subir, desci, que é sempre o que faço, porque leio ao contrário as indicações dos mapas, ou melhor leio bem, processo-as é ao contrário. Desci. Cheguei a uma zona estranha, escura, suja, malcheirosa, em que toda a gente olhava para mim como a carta fora do baralho. Sou estrangeira, claro, mas vim aqui do lado, não dou assim tanto nas vistas. Os senhores, as senhoras e as meninas indianas acharam que sim. Os meninos não, até me mandaram a bola de futebol, eu é que estava com demasiado sono para ter reflexos (e força) para a mandar de volta. Termino o périplo por essas ruas. Que cidade tão estranha! Meto pela rua que resta, uma rua cheia de contentores do lixo a abarrotar, em frente, uma linha de comboio em constante funcionamento. Nada a assinalar na paisagem. Volto-me para as montras dessa rua, mais lojas indianas…? Não podia ser, porque nas milhentas ruas acima, tudo o que é loja tem cabides, com roupa, à porta. Estas não tinham nada à porta à excepção de dois ou três homens que andavam para cima e para baixo, perdão para trás e para a frente, a mirá-las. Bem, para a generalidade dos homens que conheço – vá, com certeza apenas os de casa, concedo – se há coisa que os irrita é olhar montras. Francamente a mim também, porque sou mais consumista do que devia e portanto quanto mais longe da vista melhor, mas nunca com aquele enfado tão típico dos xy lá de casa. Quanto ao que por cá aconteceu, foi o inevitável e já usual para os meus conheciments geográficos: também na capital da Europa existe um Red Light District, vizinho imita vizinho, e foi aí que fui parar. Euzinha. (Os meus irmãos vão achar particular graça a isto, só quem me conhece para saber a assimetria que é). Euzinha. Sozinha. Ensonadona – este é que foi todo o problema. Na realidade não houve problema nenhum, mas se estivesse mais alerta podia ter evitado coisas desagradáveis. Ando ultimamente com a lágrima à solta. E foi preciso uma eternidade, saldada em três montras, até que conseguisse dar meia volta! Fiquei triste, com raiva, contra mim própria, porque a dada altura não consegui disfarçar uma lágrima e a menina, era uma menina – se tinha dezasseis anos não parecia –, fugiu, foi para dentro. Eu não queria. Mesmo. Escapou ao meu controlo. Foi vê-la tão miúda, tão sozinha, tão escanzelada por detrás da lingerie. Ainda a vejo agora. A fugir. As outras não, as outras mantiveram-se na(s) sua(s). Normalmente. Reparei que eram muito bonitas. E com idade para saberem o que estão a fazer. Agora, aquela menina… ainda vai levar tempo até a tirar da cabeça.
É claro que isto não hei-de mostrar a ninguém, mas seria a única coisa para mostrar se não tivesse tido a, tardia, clarividência de avançar no sentido oposto. Aí sorriram-me as praças, os palácios, as esplanadas e os canteiros de flores à janela, aí as pessoas sorriram-me também e eu, envergonhada, por não perceber a inclusão no baralho, sorri-lhes. A Catedral gótica desta cidade é de uma imponência, sem opulência, única! As paredes e os tectos são brancos, há quadros da escola flamenga, naturalmente, nas primeiras junto com obras de pintura modernas, e incrustrações em metal (ouro?) nos segundos; os confessionários são em carvalho trabalhado mas não barroco, há peças decorativas de carvalho que, desconfio, terão levado anos a fazer; o Cristo no tronco é enorme, forte e ao mesmo tempo terno; os santos do altar são em ouro, mas têm nas caras e nas vestes, uma simplicidade desarmante; o próprio altar é arejado, ou arrojado, conforme; tampo de vidro transparente, dois pelicanos como estruturas de suporte. E eu adoro pelicanos! A lágrima também concordou. São feios, passavam a vida a dizer-me isso, mas mais nobre que o pelicano que sempre alimenta de si as crias, não conheço nenhum animal. Prossegui, o sol finalmente iluminava a tarde, ou o pouco que restava dela. Saí. À frente da Catedral há um jardim, em nada extraordinário senão nas espreguiçadeiras. Não resisti. Pensei no quanto, um dia, havia de…, estiquei-me – as coisas que uma pessoa faz em terra alheia! – e da junção alquímica de uma noite, a anterior, em claro, comuma boa dose de sol e pensamentos bons, surgiu o soninho, um soninho descansado, de minutos, que me soube muitíssimo bem. Não fosse eu, eu, e não havia máquina de fotografar, nem telemóvel, nem carteira que me fizessem acordar. Mas eu continuo sendo eu e portanto a segurança ainda pode sempre mais que tudo o resto… Fui ao Museu de Arte Moderna, um dia também hei-de perceber-lhe a essência, ou melhor ver valor na sua essência, que perceber, percebo, mas não gosto. Cheguei a tempo da Feira de Artesanato Urbano que decorria ali perto, não me perdi (em gastos) por pouco – foi o meu deus ex-machina, tirou-me dali um ápice, como sempre. Estaquei na Praça Real, tão bonita, um dia hei-de…, comi um morango com chocolate branco na Godiva – não sou muito adepta de chocolate, mas branco com morango agridoce até…, fui às Galerias Reais, o centro comercial do centro da cidade, de estilo renascentista italiano – o meu tipo de arte…, que tem uma livraria de arte simplesmente fantástica e uma loja de decoração de interiores ao mesmo nível e inúmeras lojas de chocolates, que já não passaram pelo meu crivo gustativo, mas não escaparam ao estético: havia numa um arranjo de rosas, uma espécie de árvore que não é roseira, nem cameleira, mas uma planta sintética que ostentava em cada ramo a Primavera como sempre a imaginei, desde miúda, quando nos ensinam “Primavera das flores, como esta não há mais…”: inúmeras rosas brancas marcadas de rosa forte no bordo das pétalas. Uma imagem do outro mundo. Depois passei por uma série de lojas de roupa, griffes certamente algumas mas só parei na perfeição de um mundo real ao serviço da imaginação: uma loja de rosas, reais, que vivem e morrem, mas simultaneamente surreais, no tamanho, no vigor, nas cores. Bem, essas rosas em arranjos absolutamente inusitados, dentro de aquários, em ramos com búzios a enfeitar o caule, um sem número de junções como eu nunca vi – e gosto muito de arranjos florais – que funcionavam lindamente. A lágrima também achou que sim.
Agora vou dormir que o meu dia começa de madrugada amanhã de manhã e adivinha-se duro. Um dia hei-de… deixar de ser assim – penso eu, esperam alguns (muitos?), mas por enquanto… não.
Quando fui estudar para Paris estava apaixonada, agora que penso nisso deve ter sido a paixão mais fraquita que tive por alguém, mas, ainda assim, era o suficiente para, sempre que estava num sítio bonito, quase sem querer, dizer dentro “Quem me dera que o … estivesse aqui. Um dia hei-de mostrar-lhe isto tudo!” Não sei se ficou dessa situação ou tem a ver mesmo comigo, ou com a Humanidade – creio que todos somos assim: dar a conhecer ao maior número de pessoas aquilo que se ama, seja isso uma religião, uma teoria filosófica ou somente um livro de um bouquiniste à beira do Sena, o senhor dos cachorros e dos pretzels na esquina do Central Park com a Casa Frisk ou uma dúzia de espreguiçadeiras num jardim em frente a uma Catedral. Ainda agora, quando vou a qualquer sítio, continuo a pensar mostrá-lo a alguém. Sempre. É engraçado.
É engraçado. Especialmente pelo que me custa chegar a algum lado. Trabalho digno de Hércules para quem descobriu há dias que não distingue a esquerda da direita, a (indicação de) subida da descida, o norte do sul. Daí as milhentas vezes em que me perdia, sem perceber nunca como, quando vivia em Paris, daí a minha permanência forçada na linha F do metro em NY durante uma hora (em que apanhava sempre o que ia para a mesma direcção) para desconsolo e preocupação de quem estava à minha espera à saída do metro, porque contigo é melhor assim, nunca fiando. A tarde de compras no Soho resumiu-se a horas e um muito necessário e tardio, mas delicioso, almoço às cinco da tarde. Mea culpa.
Hoje conseguiu ser pior, a minha inaptência geográfica: quando devia subir, desci, que é sempre o que faço, porque leio ao contrário as indicações dos mapas, ou melhor leio bem, processo-as é ao contrário. Desci. Cheguei a uma zona estranha, escura, suja, malcheirosa, em que toda a gente olhava para mim como a carta fora do baralho. Sou estrangeira, claro, mas vim aqui do lado, não dou assim tanto nas vistas. Os senhores, as senhoras e as meninas indianas acharam que sim. Os meninos não, até me mandaram a bola de futebol, eu é que estava com demasiado sono para ter reflexos (e força) para a mandar de volta. Termino o périplo por essas ruas. Que cidade tão estranha! Meto pela rua que resta, uma rua cheia de contentores do lixo a abarrotar, em frente, uma linha de comboio em constante funcionamento. Nada a assinalar na paisagem. Volto-me para as montras dessa rua, mais lojas indianas…? Não podia ser, porque nas milhentas ruas acima, tudo o que é loja tem cabides, com roupa, à porta. Estas não tinham nada à porta à excepção de dois ou três homens que andavam para cima e para baixo, perdão para trás e para a frente, a mirá-las. Bem, para a generalidade dos homens que conheço – vá, com certeza apenas os de casa, concedo – se há coisa que os irrita é olhar montras. Francamente a mim também, porque sou mais consumista do que devia e portanto quanto mais longe da vista melhor, mas nunca com aquele enfado tão típico dos xy lá de casa. Quanto ao que por cá aconteceu, foi o inevitável e já usual para os meus conheciments geográficos: também na capital da Europa existe um Red Light District, vizinho imita vizinho, e foi aí que fui parar. Euzinha. (Os meus irmãos vão achar particular graça a isto, só quem me conhece para saber a assimetria que é). Euzinha. Sozinha. Ensonadona – este é que foi todo o problema. Na realidade não houve problema nenhum, mas se estivesse mais alerta podia ter evitado coisas desagradáveis. Ando ultimamente com a lágrima à solta. E foi preciso uma eternidade, saldada em três montras, até que conseguisse dar meia volta! Fiquei triste, com raiva, contra mim própria, porque a dada altura não consegui disfarçar uma lágrima e a menina, era uma menina – se tinha dezasseis anos não parecia –, fugiu, foi para dentro. Eu não queria. Mesmo. Escapou ao meu controlo. Foi vê-la tão miúda, tão sozinha, tão escanzelada por detrás da lingerie. Ainda a vejo agora. A fugir. As outras não, as outras mantiveram-se na(s) sua(s). Normalmente. Reparei que eram muito bonitas. E com idade para saberem o que estão a fazer. Agora, aquela menina… ainda vai levar tempo até a tirar da cabeça.
É claro que isto não hei-de mostrar a ninguém, mas seria a única coisa para mostrar se não tivesse tido a, tardia, clarividência de avançar no sentido oposto. Aí sorriram-me as praças, os palácios, as esplanadas e os canteiros de flores à janela, aí as pessoas sorriram-me também e eu, envergonhada, por não perceber a inclusão no baralho, sorri-lhes. A Catedral gótica desta cidade é de uma imponência, sem opulência, única! As paredes e os tectos são brancos, há quadros da escola flamenga, naturalmente, nas primeiras junto com obras de pintura modernas, e incrustrações em metal (ouro?) nos segundos; os confessionários são em carvalho trabalhado mas não barroco, há peças decorativas de carvalho que, desconfio, terão levado anos a fazer; o Cristo no tronco é enorme, forte e ao mesmo tempo terno; os santos do altar são em ouro, mas têm nas caras e nas vestes, uma simplicidade desarmante; o próprio altar é arejado, ou arrojado, conforme; tampo de vidro transparente, dois pelicanos como estruturas de suporte. E eu adoro pelicanos! A lágrima também concordou. São feios, passavam a vida a dizer-me isso, mas mais nobre que o pelicano que sempre alimenta de si as crias, não conheço nenhum animal. Prossegui, o sol finalmente iluminava a tarde, ou o pouco que restava dela. Saí. À frente da Catedral há um jardim, em nada extraordinário senão nas espreguiçadeiras. Não resisti. Pensei no quanto, um dia, havia de…, estiquei-me – as coisas que uma pessoa faz em terra alheia! – e da junção alquímica de uma noite, a anterior, em claro, comuma boa dose de sol e pensamentos bons, surgiu o soninho, um soninho descansado, de minutos, que me soube muitíssimo bem. Não fosse eu, eu, e não havia máquina de fotografar, nem telemóvel, nem carteira que me fizessem acordar. Mas eu continuo sendo eu e portanto a segurança ainda pode sempre mais que tudo o resto… Fui ao Museu de Arte Moderna, um dia também hei-de perceber-lhe a essência, ou melhor ver valor na sua essência, que perceber, percebo, mas não gosto. Cheguei a tempo da Feira de Artesanato Urbano que decorria ali perto, não me perdi (em gastos) por pouco – foi o meu deus ex-machina, tirou-me dali um ápice, como sempre. Estaquei na Praça Real, tão bonita, um dia hei-de…, comi um morango com chocolate branco na Godiva – não sou muito adepta de chocolate, mas branco com morango agridoce até…, fui às Galerias Reais, o centro comercial do centro da cidade, de estilo renascentista italiano – o meu tipo de arte…, que tem uma livraria de arte simplesmente fantástica e uma loja de decoração de interiores ao mesmo nível e inúmeras lojas de chocolates, que já não passaram pelo meu crivo gustativo, mas não escaparam ao estético: havia numa um arranjo de rosas, uma espécie de árvore que não é roseira, nem cameleira, mas uma planta sintética que ostentava em cada ramo a Primavera como sempre a imaginei, desde miúda, quando nos ensinam “Primavera das flores, como esta não há mais…”: inúmeras rosas brancas marcadas de rosa forte no bordo das pétalas. Uma imagem do outro mundo. Depois passei por uma série de lojas de roupa, griffes certamente algumas mas só parei na perfeição de um mundo real ao serviço da imaginação: uma loja de rosas, reais, que vivem e morrem, mas simultaneamente surreais, no tamanho, no vigor, nas cores. Bem, essas rosas em arranjos absolutamente inusitados, dentro de aquários, em ramos com búzios a enfeitar o caule, um sem número de junções como eu nunca vi – e gosto muito de arranjos florais – que funcionavam lindamente. A lágrima também achou que sim.
Agora vou dormir que o meu dia começa de madrugada amanhã de manhã e adivinha-se duro. Um dia hei-de… deixar de ser assim – penso eu, esperam alguns (muitos?), mas por enquanto… não.
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